Nick Bilton – New York Times
No último final de semana, eu estava assistindo à TV com alguns amigos, explorando os mais populares no YouTube recentemente, quando um vídeo chamado “I Forgot My Phone” (“esqueci meu celular”) chamou a minha atenção.
No momento em que fui apertar play, contudo, meu amigo avisou: “Não veja isso. Vi ontem e é realmente triste.”
O vídeo de dois minutos (acima), que já foi visualizado mais de 15 milhões de vezes, começa com um casal na cama. A mulher, representada pela comediante e atriz Charlene deGuzman, olha fixamente para o nada silenciosamente enquanto seu namorado checa seu smartphone.
As cenas subsequentes retratam um dia de deGuzman que é desolador: as pessoas a ignoram enquanto fitam o smartphone durante o almoço, um show, enquanto jogam boliche e durante uma festa de aniversário. (Até o menino aniversariante está gravando a festa em seu telefone). O clipe termina com deGuzman de volta à cama com seu namorado no final do dia –e ele ainda está usando seu telefone.
Assistir ao vídeo de deGuzman é desconfortável. É um golpe direto na nossa cultura obcecada com smartphones, cutucando-nos sobre nosso vício naquela pequena tela e sugerindo que talvez a vida possa ser mais bem direcionada quando é vivida –em vez de visualizada.
Apesar de ter algumas cenas engraçadas –um homem fazendo um pedido de casamento na praia enquanto tenta gravar o momento especial em seu telefone–, ele é majoritariamente triste.
“A ideia me ocorreu quando comecei a refletir sobre quão ridículos estamos todos sendo, eu incluída, quando estava em um show e as pessoas a meu redor estavam filmando a apresentação com seus telefones, e não, de fato, assistindo”, disse deGuzman em entrevista.
“Deixa-me triste o fato de que há momentos em nossas vidas durante os quais não estamos presentes porque estamos olhando para um telefone”, disse deGuzman, também responsável pelo roteiro da peça, dirigida por Miles Crawford. Ela reflete que, deseje-se ou não, experimentar a vida por meio de uma tela de quatro polegadas pode ser a nova norma.
Ou não. O vídeo de deGuzman pode ter aterrissado em um daqueles momentos culturais em que as pessoas começam a questionar se algo já foi longe demais e começam a fazer algo em relação a isso.
Na semana passada, o festival de música polonês Unsound proibiu os espectadores de gravar os evento, dizendo que não desejava “documentação instantânea” e distrações que pudessem prejudicar as apresentações.
Em abril, durante um show em Nova York, Karen O, vocalista líder do grupo Yeah Yeah Yeahs, disse à plateia para guardar seus smartphones (usando um palavrão para enfatizar a mensagem).
Um bom número de restaurantes nova-iorquinos, incluindo Momofuku Ko e Chef’s Table, proibiu clientes de fotografar seus pratos. (Nota aos ‘foodies’: sua quinoa não precisa ser postada artisticamente e com um visual retrô no Instagram.) E, é claro, muitas mães e pais que lutaram para manter a TV longe da cozinha pode ver os smartphones como a nova ameaça à civilidade à hora do jantar.
No final dos anos 50, os televisores começaram a deixar a sala de estar rumo à cozinha, frequentemente levada até a sala de jantar para se unir à família para a ceia. E, então, a TV na mesa de jantar repentinamente se tornou falta de modos. A TV voltou à sala de estar.
“Nunca foi algo que realmente deu certo nas casas americanas”, disse Lyn Spigel, professora na Northwestern University, em Illinois, e autora do livro “Make Room for TV” (“Dê Espaço à TV”, sem edição no Brasil).
“Em determinado momento, uma empresa até tentou inventar uma geringonça chamada forno-TV, que unia os dois aparelhos”, disse.
Estariam, portanto, os smartphones tendo seu momento “TV na cozinha”?
“Toda experiência está sendo mediada e concebida sobre como pode ser capturada e aumentada por nossos dispositivos”, disse Mathias Crawford, um pesquisador sobre comunicações e interações entre humanos e computadores na Universidade Stanford. “Nada se tornou tão mais evidente que nossas refeições, cujos momentos que antecedem, o antes e o depois são esculpidos por determinados aplicativos.”
Reservas são feitas no OpenTable; a chegada ao restaurante é registrada no Foursquare; a comida é fotografada para o compartilhamento no Instagram; uma piada ouvida durante o jantar é tuitada; a análise sobre o restaurante é subida ao Yelp; então, finalmente, a volta para casa é coordenada usando o Uber.
“Se você pondera sobre quando as pessoas vão deixar o telefone de lado, isso significaria rejeitar todo o conceito do Vale do Silício de como você deveria estar jantando”, disse Crawford. Mas, disse, é possível. “Sim, a sociedade está mudando, mas o iPhone tem apenas seis anos de idade, e essas mudanças ainda não estão determinadas.”
Dada a impressionante resposta ao vídeo de deGuzman, deduz-se que as pessoas estejam pelo menos pensando sobre tais mudanças.
“Somente neste ano que tive esses pensamentos sobre viver o momento sem meu telefone”, disse deGuzman. “Ainda carrego o celular comigo, mas tento mantê-lo na bolsa. Agora, me vejo apenas abraçando um momento, sem ter de postar uma foto sobre isso.”
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.