Combate Racismo Ambiental – O que é comemorar o fato de que aparentemente nosso desespero vai acabar, com a ação do Incra e da Fundação Palmares dia 15 de julho, e uma semana depois, 22, acordar com policiais batendo na porta, mandando sair, dizendo que vão quebrar tudo, demolir as casas? O que é ser expulso de um lugar onde se nasceu, onde nossos pais nasceram, onde estão todas as nossas tradições, vivências, recordações? O que é, finalmente, saber que as leis estão ao nosso lado, que nosso direito foi reconhecido, mas que o dinheiro manda, e que, nesse caso, é ele que tem o poder de comandar nossas vidas? E quando conseguimos justiça de um juiz, vem outro para nos condenar? O Quilombo Cambury acordou assim e, mais uma vez, está vivendo esse pesadelo, desde o início desta segunda-feira. Como outros quilombos, terras indígenas e territórios tradicionais deste País. Abaixo, a cronologia, na ordem em que a recebemos e continuaremos a alimentar.
Enviada por Rebeca Campos Ferreira às 11:24: “SOS Cambury, Reintegração de posse no Quilombo Cambury. Acordamos hoje com o oficial de justiça e policiais para cumprirem o mandato de reintegração de posse com demolição das casas quilombolas. No momento a comunidade está mobilizada contra a decisão do juiz, mas os policiais vão cumprir o mandato. Estamos desesperados. Espalhem pela rede o acontecimento e quem puder se direcionar para a comunidade, estamos no aguardo. Socorro…”
Enviada por Elaíze Farias às 12:33: “Mesmo com a reintegração de posse suspensa pela justiça federal por meio de liminar de uma área onde vivem famílias quilombolas de Cambury, no município de Ubatuba (SP), a pessoa que se diz proprietária do local ameaça derrubar casas e expulsar as pessoas, respaldada por uma decisão da justiça estadual emitida nesta segunda-feira (22).
Uma intensa movimentação de caminhões e veículos foi registrada na manhã desta segunda. Representantes do Incra, da Polícia Militar, da Polícia Federal, oficiais da justiça estadual e federal também estão no local. A procuradora da república Maria Capucci, que repassou estas informações, enviou mensagem dizendo que “há muita gente chorando”. O local é Quilombo Cambury, no Bairro Cambury, em Ubatuba/SP, divisa Paraty/RJ”.
Enviada por Rebeca Campos Ferreira às 13:08: “URGENTE! Quilombo do Cambury sofre reintegração de posse nesse exato momento, que tira famílias quilombolas de suas áreas tradicionalmente ocupadas. Pede-se divulgação:
“A todos que querem nos ajudar! Explicando melhor: estamos sofrendo uma reintegração de posse de desapropriação de casas das famílias quilombolas; os oficiais de justiça estão querendo cumprir o mandato do juiz da primeira vara de Ubatuba, porém um juiz federal de Caraguatabuba mandou não cumprir, e o daqui de Ubatuba não quer acatar.
As pessoas moradoras do quilombo fizeram uma barreira humana e física, e por falta de efetivo a polícia não invadiu…
por enquanto…
A tentativa no momento é de Incra assumir a posse provisória da área quilombola que está com titulação em trâmite numa câmara da AGU em Brasilia…
O pessoal do Incra/Itesp foram agora para Caragua buscar essa liminar… Mas a comunidade está desesperada… e nos informaram que a presença da mídia ajuda muito!
Se essa liminar passando a posse provisória para o INCRA não sair, eles podem voltar a qq momento com efetivo da tropa de choque e cavalaria… aí não teremos como impedi-los…”.
Enviada por Rebeca Campos Ferreira às 16:25: “Sou antropóloga, pesquisadora do Núcleo de Antropologia do Direito da USP, e assessora de comunidades quilombolas do estado.
Uma das comunidades, quilombo do Cambury, localizado em Ubatuba, está nesse exato momento sofrendo com uma ação de reintegração de posse que tira a comunidade de suas terras tradicionalmente ocupadas.
O oficial de justiça e a Polícia Militar encontram-se no quilombo, desde antes do almoço, e a comunidade resiste com barreiras humanas e físicas. Por falta de contingente, a PM não avançou.
Entrei em contato com os diversos órgãos envolvidos com processos de reconhecimento e titulação de comunidades remanescentes de quilombo (MPF, INCRA, Fundação Palmares), e eles estão a caminho, porém o juiz mantem-se irredutível com relação a liminar da reintegração de posse. Caso não suspenda, a comunidade será retirada com força policial ainda nessa tarde. Já me coloco a caminho de lá também.
O Quilombo Cambury está sofrendo uma reintegração de posse do espaço comunitário Escolinha Jambeiro, Ponto de Cultura e Sede da Associação Remanescentes de Quilombo do Cambury, e diversas casas de quilombolas localizada na Barra do Cambury.
A ação foi movida por Charlotte Lina Alexandra Bento de Carvalho, esposa do falecido João Bento de Carvalho, contra o Sr. Genesio dos Santos, processo que está na 1ª Vara da Comarca de Ubatuba 69/1976, número do processo 00031519768260642. O último julgamento da estância federal de Taubaté deu a veredito o Juiz de Direito Eduardo Passos Bhering Cardoso contra a própria Comunidade de Quilombos do Cambury. O processo de titulação da comunidade esta na Câmara Conciliadora de Brasilia, por um processo que o ICMBIO move pedindo parte da área quilombola. Enquanto esse processo não é julgado estão à mercê de invasores e posseiros que tentam desarticular a comunidade, movendo ações para desapropriar os quilombolas.
A ação de reintegração de posse nº 0000003-15.1976.8.26.0642 foi ajuizada na Justiça Estadual em 1976 e transitou em julgado em 1984, mas não chegou a ser cumprida, apesar das várias tentativas. Em 2000, por meio de inquérito civil público, o MPF começou a acompanhar o processo de reconhecimento da comunidade do Cambury nos âmbitos estadual e federal e passou a atuar em defesa do respeito às atividades econômicas tradicionais dos quilombolas e caiçaras e dos direitos de acesso a saúde, saneamento, locomoção e educação.
Em 2005, a Fundação Itesp reconheceu o Cambury como comunidade remanescente de quilombo; em 2006, a Fundação Cultural Palmares publicou a certidão de auto-reconhecimento; finalmente, em 2008, o Incra também reconheceu a comunidade do Cambury.
A área é, também, objeto de outras ações de desapropriação indireta contra a Fazenda Pública Estadual pela criação e implantação do Parque Estadual da Serra do Mar. Sobre o Cambury incidem duas Unidades de Conservação: o Parque Estadual da Serra do Mar e o Parque Nacional da Bocaina. O ICMBio, que administra o Parque da Bocaina, não concorda com a delimitação do território quilombola reconhecido pela Fundação Itesp e pelo Incra. Por essa razão, o processo do Incra está na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União (AGU) e também passará a ser acompanhado pelo MPF.
Em 20 de junho estivemos na iminência dessa reintegração, e o MPF em Caraguatatuba conseguiu junto à Justiça Estadual de Ubatuba a suspensão da execução do mandado de reintegração de posse e o compromisso de que os autos serão remetidos à Justiça Federal. A reintegração de posse afetaria oito famílias pertencentes à comunidade remanescente do quilombo de Cambury. O território tradicional do quilombo do Cambury tem extensão de 975 hectares e abriga cerca de 400 pessoas. Além dos remanescentes dos quilombolas, habita a localidade uma comunidade tradicional caiçara – o que resulta num grupo social mais amplo composto por núcleos familiares que mantêm estreitos laços de parentesco entre si.
Porém agora o juiz voltou atrás da suspensão, e a comunidade está lá vulnerável à ação da polícia, e resistindo como pode.
Bom, sigo à disposição e agradeço desde já. Segue um relato da comunidade:
A todos que querem nos ajudar! Explicando melhor: estamos sofrendo uma reintegração de posse de desapropriação de casas das famílias quilombolas; os oficiais de justiça estão querendo cumprir o mandato do juiz da primeira vara de Ubatuba, porém um juiz federal de Caraguatabuba mandou não cumprir, e o daqui de Ubatuba não quer acatar.
As pessoas moradoras do quilombo fizeram uma barreira humana e física, e por falta de efetivo a polícia não invadiu…
por enquanto…
A tentativa no momento é de Incra assumir a posse provisória da área quilombola que está com titulação em trâmite numa câmara da AGU em Brasilia…
O pessoal do Incra/Itesp foram agora para Caragua buscar essa liminar… Mas a comunidade está desesperada… e nos informaram que a presença da mídia ajuda muito!
Se essa liminar passando a posse provisória para o INCRA não sair, eles podem voltar a qq momento com efetivo da tropa de choque e cavalaria… aí não teremos como impedi-los…”.
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Mais detalhes em:
anterior (a mais recente):
Incra e Fundação Palmares ajuízam ação contra reintegração de posse em quilombo em Ubatuba (SP)
posterior, de hoje:
Vitória!!! Advocacia-Geral assegura permanência de Quilombolas de Cambury em suas terras em Ubatuba/SP
e, em seguida, a descoberta do erro da AGU:
Vitória dos Quilombolas de Cambury? Se a AGU divulgou notícia errada, que agora trate de torná-la verdadeira! Garanta a permanência da comunidade!
Amanda,
te envio o link da notícia mais atualizada. O Ministério Público conseguiu, junto ao juiz federal, 90 dias para Incra e Palmares resolverem a situação, mandando a Justiça estadual ficar quietinha. E daqui a 90 dias tem que voltar todo o mundo na presença dele para dizer se está resolvido etc. A luta agora tem que ser pela titulação dentro desse prazo, de preferência, resolvendo todas as pendências. Mas leia a notícia, onde tem inclusive a decisão do juiz, ultra digna e correta.
http://racismoambiental.net.br/2013/07/cambury-juiz-da-ao-incra-e-palmares-posse-de-90-dias-apos-os-quais-acao-tem-que-voltar-a-ele-e-manda-citar-da-justica-de-ubatuba-ao-icmbio-e-a-pm-com-a-integra-da-liminar/
Tania.
Como estão as coisas hoje (23.07.13)? Não estou entendendo a ordem dos acontecimentos…queria saber se ainda estão tentando a reintegração e como posso ajudar!