Obras no Vale do Ribeira serão discutidas em audiência pública nesta quinta-feira
O Globo Online – Cleide Carvalho
São Paulo – Uma audiência pública marcada para esta quinta-feira no município de Adrianópolis, no Paraná, reabre a polêmica em torno da instalação de usinas hidrelétricas no Rio Ribeira do Iguape, no Vale do Ribeira, um dos últimos redutos de Mata Atlântica, que corresponde a 21% do bioma preservado no país. Em jogo está a construção, nos 34 km de curso do rio, de uma hidrelétrica, a UHE Tijuco Alto, e de quatro Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), como são classificadas as hidrelétricas com capacidade instalada até 30 MW.
Apresentado pela primeira vez há 25 anos, o licenciamento ambiental da UHE Tijuco Alto, da Companhia Brasileira de Alumínio, do Grupo Votorantim, obteve licenciamento ambiental de órgãos estaduais do Paraná e São Paulo em 1994 e 1995. O trâmite do processo foi questionado pelo Ministério Público e a licença prévia foi suspensa. Os procuradores argumentaram que o Rio Ribeira do Iguape atravessa dois estados e deveria ser avaliado por órgão federal. Apresentado ao Ibama, foi negado em 2003. No ano seguinte, foi reapresentado e agora entrou em fase de audiência pública.
O rio nasce no Paraná, na Serra do Mar, no município de Cerro Azul, e deságua no Oceano Atlântico em Iguape, em São Paulo, na região da Ilha Comprida. O projeto prevê a instalação da UHE Tijuco Alto entre os municípios de Adrianópolis (PR) e Ribeira (SP), com capacidade de 144 MW, para abastecer a fábrica no município de Alumínio, por meio do sistema interligado. Sua barragem deve ter 530 metros de comprimento e 142 metros de altura, alagando uma área de 57 km². Além dos dois municípios onde será erguida a barragem – Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR) -, a usina alagará áreas de outros três municípios – Doutor Ulysses e Cerro Azul, no Paraná, e Itapirapua Paulista, em São Paulo.
Reservatório alagará áreas propícias à mineração
Único rio sem barragens em São Paulo, o Ribeira do Iguape está sendo disputado por mais duas empresas. A Msul Energia e Participações Ltda apresentou em 2010, ao Ibama, no projeto da PCH Itaoca, que funcionaria a fio d’água. Sua barragem é de 15 metros de altura e 356,96 metros de comprimento. A outra é a Celer – Centrais Elétricas do Rio Ribeira S/A. Segundo informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a empresa estuda a instalação de três PCHs no curso do rio, denominadas PCH Água Branca, PCH B Eixo 3 e PCH Caratuva, com pedido de licenciamento ambiental apresentado ao Instituto Ambiental do Paraná, órgão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná.
O Vale do Ribeira é considerado área de alta importância biológica. O Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentado ao Ibama em 2005 pela Companhia Brasileira de Alumínio, apresentado por um personagem de desenho animado batizado de “Tio Juco”, informa que existem 111 cavernas, grutas ou cavidades na área de impacto direto da usina, mas que as que serão alagadas são pouco expressivas. O reservatório deverá alagar total ou parcialmente 33 áreas propícias à mineração de chumbo, prata, terras raras e fosfato, entre outros.
Nas proximidades, já funcionou no passado uma mineração de chumbo, provocando contaminação na região. O Rima relata que será necessário desmatar 37,21 km² de mata em vários estágios de preservação. Na área afetada foram identificadas 43 espécies de mamíferos, das quais 16 ameaçados de extinção – como lontra, cateto, paca e veado bororó-, 117 de roedores e alguns marsupiais.
A ameaça maior é aos mamíferos de grande porte, como onça parda e jaguatirica, que dependem de área maior para viver. Foram observadas ainda 170 espécies de aves, 23 de anfíbios e 36 de peixes. Na área a ser impactada pela obra foram relacionados ainda 35 sítios arqueológicos, dos quais 13 na área diretamente afetada pela obra, que ocupará 2.200 alqueires. Ao longo dos anos, o Grupo Votorantim adquiriu propriedades na região onde a usina deve ser erguida, entre elas a da Gruta do Rocha.
MP recomenda mais estudos sobre a obra
O relatório estima em 303 o número de imóveis rurais na área a ser alagada, num total de 576 famílias, das quais apenas 44% têm algum tipo de título definitivo ou contrato de compra e venda do imóvel. A região é de ocupação tradicional de quilombolas, cujas entidades de representação estão sendo convocadas para a audiência pública.
Em 2007, o Ministério Público Federal recomendou ao Ibama mais estudos sobre o impacto da obra. Os procuradores lembraram que o Vale do Ribeira “constitui patrimônio cultural brasileiro – devido à presença de populações tradicionais indígenas, remanescentes de quilombos, pescadores e ribeirinhos -, Patrimônio Nacional, Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera, em função da expressiva cobertura de Mata Atlântica e pela presença de espécies silvestres da fauna e flora, que estão ameaçados de extinção.
Procurada pelo GLOBO, a Secretaria Especial de Relações com a Comunidade do Paraná disse por email que não tinha informações sobre o impacto da obra da UHE Tijuco Alto à população quilombola, que será representada na reunião por entidades como a Fundação Cultural Palmares, Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná, Movimento dos Ameaçados por Barragem e pela Coordenação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do estado de São Paulo.
Em agosto passado, a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, havia se manifestado favorável ao licenciamento da usina. Houve protestos de entidades quilombolas da região, informando que várias são afetadas e que só não estavam citadas no documento do empreendedor porque o Rima levou em conta apenas a área da obra propriamente dita. A informação é que algumas comunidades ficam a apenas 15 km do local de instalação da barragem. Em dezembro, a Fundação Cultural Palmares divulgou nova nota, informando que havia condicionantes para a obra, inclusive a realização de audiências públicas nas comunidades atingidas.
O Grupo Votorantim informou ao GLOBO que os investimentos na UHE Tijuco Alto serão de R$ 1 bilhão, que foram cumpridas todas as exigências do Ibama e aguarda apenas a emissão da Licença Prévia, que atesta a viabilidade ambiental da obra. Segundo o Grupo, as audiências públicas necessárias foram realizadas em cinco municípios entre 6 de julho a 10 de julho de 2007 e foram validadas.
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Enviada por Mayron Borges para Combate Racismo Ambiental.