A pesquisa analisou 478 crianças de até 5 anos de idade da zona urbana e da zona rural. Após fazer as medições de peso e altura, foi constatado que 35,8% delas apresentaram déficit de crescimento, principal indicador da desnutrição. O valor encontrado é alarmante, principalmente quando comparado com a média do Brasil, de 7%. “Até em comparação com a média da região norte, de 14,8%, o valor é muito alto. É como se tivéssemos uma realidade africana em plena Floresta Amazônica, mostrando que a riqueza natural lá encontrada não consegue superar as condições sociais que influenciam na determinação desse problema”, pondera o enfermeiro Thiago Santos de Araújo, autor do estudo.
Crianças com ascendência indígena da área rural foram as que apresentaram maior índice de desnutrição, de quase 60%, e o risco de déficit de crescimento se mostrou duas vezes maior. “Apesar de não podermos descartar a influência de fatores genéticos, as diferenças observadas no crescimento de crianças com ascendência indígena podem ser melhor explicadas pela pior inserção social desse grupo, que as expõe a uma menor escolaridade, renda e acesso a saneamento básico”, explica Araújo. A altura das mães também é um fator associado à desnutrição. Os filhos de mulheres com menos de 146,4 cm apresentaram risco três vezes maior de terem o crescimento comprometido.
Segundo Araújo, o crescimento da criança revela características marcantes da falta de nutrientes já sofrida e possibilita diagnosticar a desnutrição crônica, na qual o organismo, pela baixa quantidade de energia ou pelo desvio de energia para o combate a sucessivos episódios de doenças, não consegue multiplicar as células e tecidos na quantidade adequada. “Analisamos a altura porque o peso é mais instável, já que uma alimentação inadequada por um curto período de tempo ou um episódio mórbido que modifique momentaneamente o apetite da criança já altera seu valor, revelando apenas um quadro agudo de desnutrição”, explica.
Reverter o quadro da doença e fazer com que a criança volte ao padrão de crescimento normal para a idade é possível até os dois anos de vida. De dois a cinco anos, a criança volta a crescer num ritmo desejável desde que se restabeleçam as condições ideais para o crescimento, mas já não atinge a estatura padrão que deveria caso não tivesse sofrido a carência de nutrientes. Além disso, a desnutrição acarreta problemas futuros, como o aumento no risco de desenvolvimento de obesidade e outras doenças crônicas, em virtude da relação existente entre o estado nutricional durante os primeiros anos de vida e o desenvolvimento desses distúrbios na idade adulta.
O município
Jordão possui 6.539 mil habitantes (IBGE 2008) dos quais 33% possuem ascendência indígena. Em 2000, seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) era de 0,475, o penúltimo do Brasil. O sistema de saúde é composto por uma Unidade Mista, que oferece atenção básica e internações para doenças que não sejam graves, e um pólo de saúde indígena. O atendimento à população rural é itinerante. A escolha do município para realização do estudo se deu, além dessas características, em virtude da publicação das estimativas de prevalência e risco de desnutrição realizadas pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da USP, sob a coordenação da professora Maria Helena de Aquino Benício. Em 2000, Jordão foi apontado como o município com maior risco de desnutrição do país (44,6%) e as altas estimativas se confirmaram, já que a cidade ainda apresenta alta prevalência de desnutrição.
A dieta da população é predominantemente à base de arroz, farinha, peixe, mandioca, milho e amendoim. “Há pouca variabilidade e eles vivem do que produzem”, observa Araújo. Segundo ele, mais investimentos e ações básicas de saúde, como campanhas de vacinação e de incentivo ao aleitamento materno, são medidas eficazes na prevenção e no controle da desnutrição infantil na cidade, cuja situação é encontrada também em outros municípios. “ A desnutrição infantil persiste como um problema de saúde pública no Brasil, especialmente nos municípios do interior da Amazônia, e o estudo chama a atenção para o fato de que medidas podem reverter a situação”, conclui.
O mestrado, intitulado Desnutrição infantil em Jordão, Estado do Acre, Amazônia Ocidental Brasileira, foi orientado pela professora Marly Augusto Cardoso, do Departamento de Nutrição da FSP. Foram utilizados dados provenientes de um projeto maior intitulado Situação Nutricional no Município do Jordão coordenado pelo professor Pascoal Torres Muniz da Universidade Federal do Acre (UFAC).
http://www.ecodebate.com.br/2010/11/30/criancas-indigenas-no-acre-tem-alto-indice-de-desnutricao/