IHU On-Line – A União Europeia decidiu proibir a entrada de madeira e produtos de madeira que possam estar ligados a desmatamento e ilegalidades. Importadores europeus vão solicitar aos fornecedores uma série de documentos que comprovem a origem da mercadoria e a legalidade de sua cadeia de produção
Cristina Mueller e Daniela Chiaretti – Valor
Como no Brasil a fiscalização é falha, o número de fraudes, grande, e não há sequer números confiáveis sobre produção de madeira na Amazônia, a decisão agitou o setor. O órgão ambiental do Pará, por exemplo, estuda a implantação de chips nas árvores indicadas em projetos de manejo para conseguir controlar melhor a atividade madeireira no Estado brasileiro que mais exporta madeira nativa.
A entrada em vigor, em 3 de março, da EUTR – sigla em inglês para Regulamentação Madeireira da União Europeia – é o fim de um processo que vem sendo discutido há dez anos. A partir de agora, quem quiser vender madeira ou produtos madeireiros (como papel e celulose) aos europeus terá que submeter os documentos à análise de uma autoridade europeia e cumprir o processo conhecido por “due diligence“. Ou seja, provar que está em conformidade com a legislação ambiental e fiscal do país de origem.
“Ninguém mais coloca produto ilegal no mercado europeu. Esse é o fato novo”, diz Roberto Waack, presidente da Amata, a primeira empresa a conseguir concessão de floresta pública no Brasil. “Esse processo já vinha sendo anunciado e agora haverá um período de adequação”, afirma. De agora em diante, todos terão que apresentar ao comprador europeu documentos que comprovem a rastreabilidade da madeira, guias florestais e de transporte, planos de manejo, guias de exportação, notas fiscais. “Isso, para o mercado tradicional da madeira, é complicado. Muitos terão que pular miudinho para cumprir as regras”, diz Waack. “A medida é fundamental e muda a realidade do setor.”
Segundo o presidente da Amata, o mercado brasileiro consome 95% da madeira produzida na Amazônia. “Somos um grande exportador em números absolutos, mas grande parte da madeira fica no Brasil.” Ele estima que só 10% a 15% do volume de madeira produzida na Amazônia é rastreada.
O Pará tem hoje 200 planos de manejo florestais, cada um produzindo entre 30 mil a 40 mil m3 de madeira ao ano. Em 2012, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) licenciou 3,5 milhões de m3. O órgão montou uma sala de monitoramento e estuda melhorias no controle – isso inclui rastrear a madeira colocando chips nas árvores.
“Não é tecnologia cara”, diz Hildemberg Cruz, secretário-adjunto da Sema. Os chips podem custar cerca de R$ 0,30. “Temos que testar, mas os chips poderiam combater as notas frias das árvores”, diz. “Precisamos trabalhar em varias atividades para melhor nossa gestão florestal.” Estuda-se uma reestruturação no órgão, com a criação de três institutos – um para licenciamento, outro para unidades de conservação e um terceiro para águas e clima. Estima-se que a exploração ilegal no Pará seja equivalente a 70% da produção total de madeira. “Temos que nos preparar melhor para comprovar que a origem da madeira é de fonte legalizada”, afirma Cruz.
A discussão do setor, diante da decisão da UE, avançou. “O problema é que grande parte da madeira comercializada navega na fragilidade dos sistemas atuais”, diz Waack, da Amata. “Os documentos que serão apresentados serão realmente verdadeiros? Existe espaço em um país como o Brasil para falsificar documentos aos clientes europeus? Esse é o debate agora”, afirma. “A regra europeia é positiva e vamos ter pela frente um processo de aprendizado.”
“Por enquanto está funcionando quadrado. Vai ser preciso aparar muitas arestas até esse negócio começar a girar redondo”, avalia Guilherme Carvalho, diretor-técnico da Associação das Indústrias Exportadoras do Pará (Aimex), entidade que representa os madeireiros do Estado. A exportação de madeira paraense encolheu com a crise econômica global de 2008. Eram mais de 70 associadas, hoje são 35. “Muitas empresas paralisaram ou encerraram atividades”, diz Carvalho. Em 2007, a exportação paraense de toras, molduras, janelas, pisos e deques (à exceção de papel, celulose e móveis) foi de US$ 800 milhões. Em 2012 caiu para US$ 319 milhões. O mercado principal são EUA e Europa. “As vendas para os EUA melhoraram, mas para a UE continuam imprevisíveis.”. Na Europa, os grandes compradores são França, Portugal, Reino Unido, Espanha e Itália.
No ranking dos Estados brasileiros exportadores de madeira, o Pará ocupa o primeiro lugar, considerando-se madeira originária de floresta nativa. “A princípio, toda madeira que sai do Brasil é legal, porque vai com documento”, diz Carvalho. “Agora, se o documento é legítimo ou não, se está havendo fraude, é outra questão.”
Carvalho lembra que em abril o Ibama flagrou 27 empresas cometendo fraude no comércio de madeira no Pará, com guias de transporte falsas vindas do Maranhão, Mato Grosso e Amapá. “Temos que saber rapidamente quem são essas empresas. Quem comprar delas estará colocando a cabeça na guilhotina”, diz o diretor da Aimex. “Os órgãos ambientais têm que comunicar as fraudes, ou a ilegalidade contaminará muitas empresas”, explica.
Os europeus solicitam a legalidade da cadeia de custódia – ou seja, de toda a cadeia de produção, desde as florestas com plano de manejo até as serrarias, do transporte da madeira em caminhões ao embarque nos navios. “A medida da UE estabelecendo um sistema de controle para combater a madeira ilegal, é correta e positiva”, diz Carvalho. “Nós, na Aimex, queremos que haja um ordenamento do setor, mas os órgãos ambientais no Brasil têm que estar melhor aparelhados.”
“Vemos essa decisão com bons olhos”, diz Volney Zanardi Júnior, presidente do Ibama. “É um incentivo para que tenhamos a cadeia de produção de madeira legalizada e vem ao encontro dos nossos esforços de controle do desmatamento.” O Ibama fiscaliza os planos de manejo nas florestas nacionais, autorizados pelo Serviço Florestal Brasileiro. Em outros lugares o trabalho é feito pelos órgãos ambientais estaduais.
É o Ibama que concede o Documento de Origem Florestal (DOF), a licença obrigatória para o transporte da madeira. “Não vai ter mercado para madeira que não for legalizada”, diz Zanardi Júnior. “Tudo o que vier na direção da responsabilidade, e de um consumo que se preocupa com a origem do produto, é muito favorável à questão ambiental.” Sobre a certificação, o presidente do Ibama diz que se trata de boa alternativa e um instrumento a mais. “Mas não é o Santo Graal, não vai resolver tudo.”
Para Antônio Carlos Hummel, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), com as concessões florestais “o Brasil se prepara para oferecer madeira com origem rastreada e manejada de forma sustentável”. As concessões começaram em 2010, e hoje há quatro empresas explorando madeira em florestas públicas. “Espero que, no futuro, tenhamos madeira totalmente sustentável na Amazônia.”
Hoje, o Brasil tem cerca de 16 milhões de hectares em florestas nacionais criadas. O mercado é algo entre 14 e 20 milhões de m3 de madeira, sendo que 85% desse volume vai ao mercado interno. “O Brasil tem condições de atender a norma europeia através das concessões florestais”, continua. “Medidas que são boas para a floresta são importantes para nós.”
“DOFs e guias florestais não funcionam”, critica Alan Rigolo, coordenador de certificação e gestão de risco da Amata. “Se fossem executados como se deve, talvez, mas a gente sabe que são mecanismos frágeis”. diz.
Paulo Adario, estrategista-sênior de florestas do Greenpeace Internacional acredita que a legislação europeia tem várias vantagens e um risco. “A vantagem é ter uma legislação internacional forte. A Europa é grande consumidor de madeira e essas regras podem contribuir para reduzir a destruição florestal em vários países, além de fortalecer a governança nos países produtores”, avalia. O risco, diz, é que a ilegalidade saia da região de maior controle e se desloque para outro lugar. “Mas legalidade não quer dizer sustentabilidade”, afirma Adario. “As leis do país produtor têm que estar mirando preservar a floresta.”
A Interpol classifica a venda ilegal de madeira como crime internacional, assim como tráfico de drogas ou de animais. “O desmatamento é crime internacional, porque afeta pessoas além da fronteira onde ocorre”, disse Davyth Stewart, do Projeto Leaf (Law Enforcement Assistance for Forests) da Interpol, em evento que reuniu 190 especialistas do setor florestal, em Estocolmo, na Suécia. Um dos crimes recorrentes é misturar madeira legal com ilegal nos carregamentos, dificultando a inspeção.
Em setores organizados, como o de papel e celulose, a decisão europeia foi recebida com mais tranquilidade. O Brasil exporta 46% de sua produção de celulose e 15% da produção de papel para a Europa. “Nossas associadas já cumprem exigências abrangentes, como as estipuladas pelas certificações, que incluem regulamentações trabalhistas, de engajamento comunitário e uso da terra”, diz Elizabeth de Carvalhaes, presidente-executiva da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), que reúne as empresas do setor.
“Isso é novo para todos”, disse o francês Bernard de Galembert, diretor florestal da Cepi, a confederação europeia das indústrias de papel, durante workshop em São Paulo. “Mas logo virará um procedimento rotineiro, e é possível que vejamos mais iniciativas assim em outras partes do mundo”, afirmou. “É impossível dizer que não é boa uma iniciativa de combater ao desmatamento no mundo. Qualquer passo nesse caminho está na direção certa.”