“A pacificação se fundamenta numa instituição presa à cultura militar repressivo-punitiva e a interesses das instituições do Estado”, afirma o pesquisador
Por Patrícia Fachin – IHU On-Line
As Unidades de Polícia Pacificadora – UPPS, implantadas nas favelas cariocas no final de 2008 como parte da política de Segurança Pública, têm sido criticadas pelo uso de uma “estratégia explícita violenta, assim como de uma estratégia implícita de controle social, priorizando a construção de um modelo de ‘cidade-commodity’, onde a comercialização adequada para o público internacional requer a embalagem da pacificação, potencializando o controle da vida local”, diz Gabriel Bayarri na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail.
De acordo com o pesquisador, as UPPs beneficiam em alguma medida o setor de turismo e o setor imobiliário, à medida que “servem para apresentar uma mensagem positiva ao mundo em uma época de turismo em ascensão devido aos grandes eventos, visando reduzir a insegurança no cinto nobre da cidade e nas áreas olímpicas”. Nas comunidades em que estão instaladas, ao contrário, as UPPs não representam “um programa de policiamento, mas sim um conjunto de práticas retoricamente reunidas por terem em comum o objetivo de substituir as ‘operações’ pela permanência policial no local”, adverte.
Na interpretação de Bayarri, um dos problemas centrais da política de pacificação é o fato de ela conviver com um “traço militar da polícia”, considerando que elas foram constituídas “por uma Polícia Militar com um histórico brutal de violência, treinada sob uma lógica de guerra, a ‘lógica do extermínio’ do conflito e de combate ao inimigo, mas num entorno no qual se debatem vivamente novas formas de polícia comunitária através do tratamento da segurança como uma política pública, integradora”. Para ele, a formação e o funcionamento da polícia ostensiva e a estrutura organizacional militar “constitui uma contradição evidente com os princípios de uma polícia comunitária e suas atividades para a mediação do conflito. O próprio termo ‘pacificação’ gera um modelo estigmatizado de favela no qual, em primeira instância, a imposição da ordem se realiza pela força da repressão”, esclarece.
Gabriel Bayarri é graduado em Comunicação pela Universidade Rey Juan Carlos, especialista em Gestão Ambiental pela Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense – UFF. É pesquisador do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas – NUFEP do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – InEAC, e trabalha num projeto para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) brasileiro. Além de estudar temas relacionados à Segurança Pública no Brasil, atualmente Bayarri está residindo na Espanha, onde, após as eleições municipais, foi eleito para ser Conselheiro de Participação Cidadã, Juventude e Esporte para a Candidatura de Unidade Popular – CUP, “Si se Puede Valdemorillo”, Comunidade Autónoma de Madrid, vinculado ao Podemos. Confira a entrevista.
IHU On-Line – As UPPs deram ou não deram certo no Rio de Janeiro? Por quê?
Gabriel Bayarri – “Dar certo” é uma expressão ambígua, pois dependerá de quem estejamos considerando como o destinatário da Política de Segurança que a UPP “oferece”. No processo de implantação, o primeiro passo antes da inclusão da UPP será a intervenção tática, levada a cabo pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE e/ou o Batalhão de Polícia de Choque, com o objetivo de recuperar o controle estatal sobre áreas ilegalmente dominadas por grupos criminosos.
Este modelo tem sido criticado pela estratégia explícita violenta, assim como por uma estratégia implícita de controle social, priorizando a construção de um modelo de “cidade-commodity”, onde a comercialização adequada para o público internacional requer a embalagem da pacificação, potencializando o controle da vida local. Neste sentido, para alguns setores, como o turismo e o setor imobiliário, as UPPs estão dando certo, pois servem para apresentar uma mensagem positiva ao mundo em uma época de turismo em ascensão devido aos grandes eventos, visando reduzir a insegurança no cinto nobre da cidade e nas áreas olímpicas.
Porém, se consideramos como público-alvo da política o morador da favela, compartilho a visão da professora Ana Paula Mendes Miranda, da UFF, para quem a UPP não representa um programa de policiamento propriamente, mas sim um conjunto de práticas retoricamente reunidas por terem em comum o objetivo de substituir as “operações” pela permanência policial no local. A UPP gera múltiplas ambiguidades entre as estruturas prévias existentes nas favelas pacificadas e as novas. Demonstra-se desta forma que se a pacificação se fundamenta numa instituição presa à cultura militar repressivo-punitiva e a uns interesses das instituições do Estado, será invertendo as lógicas, isto é, pacificando primeiro o Estado, que se poderá conseguir uma paz autêntica e duradoura, livre de ambiguidades estruturais.
IHU On-Line – É possível fazer uma avaliação comparativa entre as favelas que têm UPPs e aquelas que não têm?
Gabriel Bayarri – Resulta difícil até fazer uma avaliação comparativa entre as próprias favelas que têm UPPs, partindo das diferentes realidades que caracterizam cada uma delas. Cabe destacar a importância outorgada por parte do Estado e algumas mídias à manutenção concreta de Santa Marta ou Vidigal como as favelas modelos, nas quais a política de segurança “funcionou” e que enganosamente tenta se impor como modelo extrapolável e extrapolado a outras favelas, onde a UPP não tem alcançado um poder hegemônico, mas que cumpre sua função na lógica dos interesses do Estado pelo jogo de poder.
IHU On-Line – Em artigo recente você chama atenção para um novo tipo de ação dos militares nas favelas, como a mediação de conflitos, a prevenção da violência e a aproximação com os moradores das favelas. Como tem se dado essas ações? Elas apontam ganhos ou retrocessos em termos de segurança pública?
Gabriel Bayarri – As mediações de conflitos de proximidade têm o papel concreto de, por um lado, ajudar no desempenho do Tribunal de Justiça para desburocratizar os escritórios e, por outro lado, prevenir a desordem por parte da PM, que considera importante as mediações, na medida em que possam ser “potencialmente violentas”, que potencialmente possam se transformar em conflitos “legitimados” para ser combatidos. Por sua vez, essa finalidade coincide com o comportamento de uma polícia comunitária que deve combater a desordem como premissa de seu “ethos”, e com a Secretaria de Segurança, que pretenderá evitar o crescimento estatístico de crimes e homicídios na prevenção dos mesmos.
Neste quadro de benefícios, os inventores do serviço não prestam demasiada atenção na eficácia da própria mediação realizada. A última peça neste quadro é a das empresas concessionárias ou privadas presentes na favela, como é o caso da empresa Light, para as quais a resolução do conflito prévia à transformação em denúncia judicial supõe uma enorme redução dos gastos judiciais, especificamente nos gastos de litígios.
Apontam-se ganhos ou retrocessos? Em termos de Segurança Pública, os novos mecanismos de mediação se apresentam com resultados mais restaurativos e menos punitivos, sendo mais interessantes pelo espírito reformista do que pelo impacto no funcionamento da justiça criminal. Assim se desenham novas formas de gerenciamento do crime e dos criminosos, de forma que o novo aparelho do Estado busca uma ativação preventiva que evite os conflitos potenciais.
IHU On-Line – Como o senhor interpreta o conceito “pacificação”, que está contido no modelo das UPPs?
Gabriel Bayarri – O traço militar da polícia dificilmente convive com uma “política de pacificação”, uma política que gera condições propícias para a emergência e o fortalecimento de relações de respeito aos direitos individuais e coletivos e contrária a todas as formas de violência. A formação e o funcionamento da polícia ostensiva e sua estrutura organizacional militar constitui uma contradição evidente com os princípios de uma polícia comunitária e suas atividades para a mediação do conflito. O próprio termo “pacificação” gera um modelo estigmatizado de favela no qual, em primeira instância, a imposição da ordem se realiza pela força da repressão.
IHU On-Line – Em que consiste um modelo de polícia comunitária? Nesse sentido, as UPPs seguem os princípios da polícia comunitária?
Gabriel Bayarri – Para responder a esta questão é importante recorrer à origem. Foi na década de 1960, quando nos Estados Unidos o surgimento de reivindicações de direitos civis para os homossexuais, populações de grupos minoritários, reivindicações de corte racial e a oposição contra a Guerra de Vietnã provocaram a emergência de uma oposição ao caráter repressivo da polícia ante grupos excluídos no interior dos guetos, criminalizados por serem grupos desviados em relação aos padrões tidos como “normais”. Engendrou-se então o início de uma “polícia comunitária”, mais implicada com todos os grupos sociais, interativa e preventiva de conflitos. O modelo da polícia comunitária americana se exportou internacionalmente, e o Brasil tratou de adaptá-lo à sua realidade local. Os policiais que formam parte das UPPs recebem uma capacitação extra em questões como direitos humanos ou polícia cidadã. Trata-se de um curso formado por seis módulos: proteção social; primeiros socorros; gestão do espaço urbano e gênero; juventude e sexualidade.
Esta formação complementar pretende acabar com a perspectiva estritamente bélica e punitivo-repressiva que caracteriza a PM, porém os centros de formação policial são apenas parcialmente capazes de moldar representações e construir conhecimento junto aos agentes de segurança. Na polícia, o saber adquirido nos centros de formação divide espaço, ou é mesmo eclipsado, com os saberes adquiridos “na prática”, no dia a dia das ruas, não raro, transmitidos por policiais mais antigos.
As UPPs foram construídas sob uma forte oposição: constituídas por uma Polícia Militar com um histórico brutal de violência, treinada sob uma lógica de guerra, a “lógica do extermínio” do conflito e de combate ao inimigo, mas num entorno no qual se debatem vivamente novas formas de polícia comunitária através do tratamento da segurança como uma política pública, integradora. Devido a esse delicado equilíbrio no qual se constituem as UPPs, seus objetivos como parte de uma política integradora devem ficar claramente demarcados; seria um retrocesso que na evolução das UPPs estas acabem se transformando em atores políticos de base, na representação absoluta do Estado dentro das favelas, correndo o risco de que sua gestão adquira traços totalitários no processo de democratização das relações sociais. A PM ainda está sujeita a uma ordem estatal, e não a uma ordem civil. A polícia se concebe como extirpadora de conflitos, e não de soluções, dificultando a interação com uma polícia comunitária e a transição do estabelecimento de uma ordem repressiva para uma ordem preventiva. A questão que surge é como uma pacificação realizada num enfrentamento direto consegue se apropriar dos mecanismos característicos da polícia de proximidade.
IHU On-Line – Você também chama a atenção para o fato de que, com as UPPs, qualquer familiar de traficante passa também a ser criminalizado nas favelas. Como se dá esse processo, que transcende também para outros cidadãos que não têm relações com o crime?
Gabriel Bayarri – No artigo eu me permito uma licença ao estabelecer um paralelismo entre o “one drop rule”, termo americano que vem a dizer que só uma gota de sangue é suficiente para converter alguém em negro, como um componente biologista que justifica a divisão racial, com as favelas pacificadas, onde a minha experiência etnográfica com a Polícia Militar mostra que se aplicaria uma espécie de “One drop rule” relativo ao parentesco, onde qualquer familiar de traficante passa também a ser criminalizado, tendo em conta a concentração de famílias na estrutura do parentesco, que como efeito da exclusão social da cidade, se acumula nos morros. Assim, esta generalização da criminalização através dessa “One drop rule” apoia a aparição de desvios e estigmas em todo morador da favela. As famílias dos traficantes serão, por herança genética, portadoras de um “estigma sanguíneo” potencialmente discriminatório.
IHU On-Line – É necessário que haja um modelo de segurança pública específico para as favelas, especialmente por conta do tráfico de drogas?
Gabriel Bayarri – Novamente recorro ao fato histórico para responder à questão. Foi a partir do primeiro mandato de Leonel Brizola como Governador do Estado do Rio de Janeiro, em 1983, quando se tentou romper com a lógica repressiva da ditadura militar, introduzindo o debate sobre o incumprimento dos direitos humanos por parte de uma polícia militar violenta. Isto levou a uma forte polarização da política de segurança pública, entre os defensores do “discurso social” e os do “discurso de repressão”. Ante esta política de segurança pública surge um novo conceito: a Política Pública de Segurança, que entende a pressão social e as ações de integração social como abordagens compatíveis, que contemplam a ideia de “processo” como contraponto ao extermínio do conflito, tão arraigado na PM.
Assim, o desenho e planificação das UPPs, terceira tentativa de pacificação das favelas, buscava uma política integrada que articulasse as políticas públicas de segurança com outras políticas de acesso à cidadania, uma gestão conjunta do território pacificado. Se o modelo teórico de integração se aplicasse na prática, estaríamos falando de um modelo muito interessante, que seria protagonista na construção da cidadania dentro da favela, seria uma transição das políticas de segurança pública para as políticas públicas de segurança. Porém, a aplicação desta política de polícia comunitária através da cultura militar evidencia a falta de eficácia do atual modelo de Política de Segurança.
Por outro lado, considerando que o tráfico sempre existirá enquanto o consumidor existir, surge o debate alternativo de acabar com a criminalização das drogas ao regularizar seu mercado, e acionar assim um novo mecanismo de atuação contra este tráfico e contra a criação de modelos de criminalização na estratégia de ação da PM, treinada para combater o tráfico direto e armado.
IHU On-Line – Qual deve ser a postura do Estado em relação às favelas, tanto no que se refere à segurança pública quanto no que se refere a políticas de habitação, por exemplo?
Gabriel Bayarri – A população da favela é percebida não como uma cidadania, mas como uma estadania na qual o Estado só é representado pela polícia (Luci de Oliveira, 2012). O Estado se apresenta como legítimo detentor dos mecanismos de administração de conflitos e produção da verdade no espaço público, tutelando, assim, os “hipossuficientes”. A cidadania aparece dessa forma como uma concessão dada pelo Estado, e não um benefício disponível universalmente entre seus membros.
Assim, a reflexão abarca, neste ponto, a transição categórica do indivíduo favelado a cidadão. Para se converter em “pessoa” igual a uma “pessoa de asfalto”, se deve começar mudando sua posição num sistema legal cuja lógica vincula privilégios de acesso à justiça de acordo com a escolaridade, função ocupada, profissão, etc. Deve construir uma nova identidade, deve ter um contrato laboral, necessário para ter acesso ao estatuto de pessoa, e o indivíduo, para isso, passa por situações de medo, vergonha ou dificuldade de acesso aos órgãos ou autoridades competentes ante um Estado que não assume políticas integradoras.
No que se refere às políticas de habitação, no período pós-conflito, o valor da terra pode aumentar rapidamente, levando à grilagem por especuladores. Assim, as Unidades de Polícia Pacificadora revalorizaram suas áreas próximas como um enorme projeto de especulação imobiliária no cinturão nobre da cidade e nas áreas olímpicas.
Revalorização das favelas?
De forma indireta, as favelas com UPPs sofreram dita revalorização. Alguns moradores passaram a ser donos, proprietários de um barraco revalorizado, gerando novas relações de poder com as instituições locais assim como com seus vizinhos. O efeito deste progressivo enriquecimento de alguns foi acompanhado do surgimento de uma reestruturação dos status sociais e das desigualdades internas das vizinhanças. Uma das principais tarefas por parte do Estado é garantir para os moradores a segurança da terra ante o perigo de qualquer despejo consequente das revalorizações do terreno e da especulação imobiliária. A regularização dos assentamentos, além do reconhecimento das terras, deve ser acompanhado por um registro de seus ocupantes, outorgando um panorama mais complexo dos assentamentos e facilitando o reconhecimento dos seus moradores como cidadãos de pleno direito.
O enriquecimento de alguns dos moradores da favela, a fiscalização, os contratos de moradia, o bem material em sua revalorização como motivo principal de conflito (a moradia, a terra e os problemas que isso implica), a educação do favelado em seu caminho para se converter num “autêntico cidadão de asfalto”, a insegurança da terra, a falta de títulos de propriedade, a privatização, a herança e as tradições culturais encaixadas em modelos sociais aos que a população deve aprender a se adaptar, constituem os principais motivos pelos quais surgem conflitos pela terra nas “favelas pacificadas” e que configuram os principais desafios para o Estado em matéria de habitação.
O tratamento destes assuntos por parte do Estado se torna imprescindível na medida em que o volume percebido de conflitos pela terra e moradia são dos mais numerosos dentro das favelas com Unidades de Polícia Pacificadora. Requer-se, portanto, do fortalecimento da segurança de posse, que evite que o governo possa facilitar a expropriação de civis em favor dos investidores que estão surgindo em torno do “bolo da revalorização” que os grandes eventos fortaleceram. Sem essa segurança, a família desapropriada se empobrece, recebe no máximo uma compensação mínima ou nenhuma, e o analfabetismo infecta os setores mais desfavorecidos, podendo convertê-los em pessoas mais vulneráveis ante os abusos possíveis.
IHU On-Line – Você menciona ainda que o uso do termo “favela” engloba realidades diversas, mas de modo geral é utilizado para se referir a um único grupo social. Como o termo deve ser usado?
Gabriel Bayarri – A presença de violência em muitas favelas confirma um imaginário do território como um vasto espaço de crime produzido de forma homogênea. Ante essa conformação da criminalização espacial, as próprias políticas aplicadas são consequências deste imaginário e reagem diante disso de forma uniforme em todo seu território, em todas as favelas. Então o termo “favela” é muito prejudicial para a aplicação de uma política homogênea, pois qualquer lugar sem presença do Estado, mas com presença de tráfico armado, automaticamente será uma favela, igual ao resto e igualmente tratada de forma rígida, sem a flexibilidade pertinente das diferenças e realidades sociais em cada uma delas. Assim, o termo “favela” engloba realidades diversas, tamanhos diversos, populações diversas, sendo a política de segurança das UPPs cega a este perfil, e reduzindo à essência seu sistema classificatório, que contempla a favela como um espaço onde vivem pobres, potenciais criminosos, sendo um termo que deve ser utilizado estando ciente da sua ambiguidade estrutural.
IHU On-Line – É possível pensar um modelo de política de segurança que seja aplicado a todo o território, sem separar “favela e asfalto”?
Gabriel Bayarri – As mudanças engendradas com as UPPs implicaram uma relativa dissolução do distanciamento entre o “morro” e o “asfalto”, colocando em relevo as demandas pela igualdade entre os moradores de uma parte e de outra. Porém, como tenho desenvolvido nas questões anteriores, o modelo deve se submeter primeiro a uma política transversal nas favelas, capaz de abarcar todos os serviços públicos, sem atrofiar a figura do policial. Só nesse contexto se poderão produzir as condições favoráveis para a ruptura da fronteira asfalto-terra, produzindo mudanças estruturais.
IHU On-Line – Em que consistiria uma alternativa às UPPs?
Gabriel Bayarri – Desde a década de 90 do século XX, tem havido um empenho no sentido de “renovar” a polícia. Todavia, pesquisas de natureza etnográfica, realizadas notadamente no NUFEP e InEAC-UFF, demonstram que a modernização das delegacias (com o Projeto Delegacia Legal), a introdução da filosofia da polícia de proximidade e dos princípios dos Direitos Humanos, etc. são reapropriados pelos agentes de segurança pública a partir de sua ética policial, demonstrando que, além dos princípios comunitários, isso só se dará através de uma profunda reformulação da Polícia Militar, que atravesse a desmilitarização da corporação.
A visibilidade da brutalidade policial durante as manifestações entre as classes médias tem polarizado radicalmente o debate sobre a militarização do espaço público e a representação armada do Estado, acelerando o surgimento de iniciativas como a polêmica Proposta de Emenda Constitucional que propõe a desmilitarização da polícia, a PEC 51/2013, e na qual se insere implícita a ideia de que as UPPs não se tornarão política pública sustentável e universalizada se não forem acompanhadas de uma revolução radical nas polícias.
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Foto: Portal Viva Rocinha