Mudança reflete racismo institucional na maior universidade brasileira e não atende reivindicações históricas para a democratização das condições de acesso
Por Cida de Oliveira, da RBA
São Paulo – A adesão parcial da USP ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) – gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), no qual instituições públicas de ensino superior oferecem vagas para candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – é “medida para inglês ver” e está muito aquém das reivindicações históricas do movimento pela igualdade de condições de acesso à universidade.
A opinião é do professor e coordenador da União de Núcleos de Educação Popular para Negros/as e Classe Trabalhadora (UNEAfro), Douglas Belchior. “Essa medida da gestão da USP é muito semelhante às do período imperial. Com o nascimento do capitalismo na Inglaterra, o Brasil era forçado a acabar com a escravidão e adotava leis como a do sexagenário, do ventre livre, que não acabava com a escravidão e ia enganando os ingleses – daí o termo para inglês ver“, afirma Belchior. “Trata-se de uma proposta inócua e ineficaz, que disponibiliza menos de 15% do total de suas vagas”.
No último dia 23, o Conselho Universitário aprovou a adesão, experimental, ao sistema de alguns dos cursos, a maioria deles em unidades fora dos campus principal – USP Leste, Bauru, Lorena, Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão Preto e São Carlos. Do total de 11.057 vagas oferecidas em 2016, apenas 1.489 (13%) serão destinadas ao Sisu. As demais 9.568 vagas continuarão a ser disputadas pelo concorrido vestibular da Fuvest.
“Essa decisão da USP, que não é gratuita, é uma resposta às lutas históricas pela democratização do acesso às universidades estaduais. Porém, é uma resposta aquém das nossas necessidades. A gestão da USP assume a necessidade de uma medida, mas adota uma medida aquém da necessidade”, critica.
De acordo com ele, a universidade mantém seu perfil “racista e elitista” ao continuar reservando seu principal campus – o da capital paulista – e suas faculdades mais prestigiadas, como a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, entre outras, onde não há estudantes pobres e negros, e sim aqueles com melhores condições socioeconômicas e que tiveram acesso ao ensino fundamental e médio nas melhores escolas particulares.
Na sua opinião, a medida considerada “histórica” pelo reitor Marco Antônio Zago, não traz novidades ao reservar vagas para estudantes que, independente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública. Isso porque trata-se de uma cota genérica, quando deveria especificar por aspectos raciais e econômicos. Ou seja, dá condições para que, dentro da escola pública, sejam beneficiados aqueles com melhores condições. “Não beneficia os negros, que são os mais pobres dentro da escola pública”.
Exemplo disso é o curso de Letras, o que vai colocar mais vagas pelo Sisu (170), que é hoje um dos poucos na USP com alguma presença de estudantes negros. A maioria das vagas está na área de humanidades (728). Ciências exatas e tecnologia entram com 413 e biológicas, 348.
Belchior é coordenador da Frente Pró Cotas Raciais no Estado de São Paulo, que construiu uma proposta com os movimentos negros e sociais a partir do Projeto de Lei 530/04, que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo. Pelo novo texto, as universidades públicas devem garantir 55% de cotas, sendo elas assim divididas: 25% para candidatos autodeclarados negros e indígenas; 25% para candidatos oriundos da rede pública de ensino, sendo que deste percentual, 12,5% reservado para estudantes cuja renda familiar per capta seja igual ou inferior a 1,5 salário mínimo; e 5% para candidatos com deficiência, nos termos da legislação em vigor.
Regras
De acordo com a reitoria da USP, dentre as modalidades de vagas adotadas pelo Sisu, as unidades poderiam optar pela ampla concorrência, com vagas disponibilizadas para candidatos que, independente de renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas; e vagas para candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas que, independente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Das 42 unidades de ensino e pesquisa da universidade, sete não disponibilizaram vagas: Faculdade de Medicina, de Economia e Administração (FEA), Politécnica, Escola de Engenharia de São Carlos, o Instituto de Física, Instituto de Química de São Carlos e a Faculdade de Odontologia. A Escola de Comunicações e Artes, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e o Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos não vão aderir ao Sisu porque a seleção dos novos alunos inclui provas de habilidades específicas.
Os bônus do Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp) continuarão a ser oferecidos a alunos oriundos de escolas públicas que se inscreverem na Fuvest. Os bônus do Inclusp podem chegar a 20%, conforme o grupo no qual o candidato se inserir, que incidem sobre a nota da primeira fase e a nota final do Vestibular.
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Destaque: Manifestação defende cotas; para Belchior, medidas preservam caráter elitista e racista da maior universidade brasileira.