Paulo Pimenta relatou drama dos guarani-kaiowá que ocupam três fazendas na fronteira, critica lentidão do governo para fazer demarcações e diz que clima na região é “de faroeste”
Por Helio de Freitas, no Campo Grande News
O ataque ao grupo de índios que ocupa a fazenda Madama, no município de Coronel Sapucaia, a 400 km de Campo Grande, foi liderado pelo arrendatário da área, à revelia do proprietário, que negociava com o MPF (Ministério Público Federal) a retirada do gado. A afirmação foi feita nesta sexta-feira (26) ao Campo Grande News pelo deputado federal Paulo Pimenta, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal.
“Já existia um processo de negociação bem encaminhado com o proprietário, que mora no Paraná. O proprietário se mostra disposto até mesmo a ceder uma área da fazenda para a permanência dos índios e defende uma negociação pacífica. À revelia do acordo, um grupo de 30 proprietários decidiu não esperar a reintegração de posse, foi lá para retirar os índios”, afirmou Pimenta.
Barracos queimados
Segundo ele, o grupo de índios que ocupa a fazenda Madama é pequeno. “Têm uns dez homens adultos, umas 20 mulheres e um monte de crianças. As armas que eles têm são enxada e facão. Os proprietários foram lá de caminhonetes, com armas de fogo e foguetes, botaram fogo nas barracas, queimaram umas motos. Na confusão várias pessoas se perderam”.
Hoje de manhã, Pimenta disse que falou com os índios e foi informado que um dos dois garotos que estavam desaparecidos foi encontrado no mato. O outro continua sumido. A mulher que também tinha desaparecido voltou para junto do grupo ontem à tarde.
“O sinal de telefone lá é muito ruim, mas me confirmaram agora há pouco que uma das crianças foi encontrada. Tava no mato, todo machucado e arranhado o coitado do guri! Mas um continua perdido”, afirmou o deputado gaúcho.
Aral Moreira
Nas duas áreas ocupadas em Aral Moreira, segundo Paulo Pimenta, o grupo de índios é bem maior – quase 300 pessoas. “Ao contrário de Kurusu Ambá, onde não tem nenhuma liderança, em Guaiviry o grupo é mais organizado e tem um clima mais tenso porque entre eles estão filhos e a mãe do Nízio Gomes [cacique desaparecido em 2011 durante confronto entre seguranças contratados por fazendeiros e os índios do mesmo acampamento]”.
Líderes do grupo relataram a Paulo Pimenta que as ocupações foram uma resposta à decisão do juiz Fábio Kaiut Nunes, da 1ª Vara da Justiça Federal em Dourados, que negou o pedido do MPF (Ministério Público Federal) para que o dono da Gaspem Segurança, Aurelino Arce, fosse condenado a indenizar os índios em R$ 480 mil por danos morais coletivos.
Fechada em janeiro de 2014 por ordem da Justiça, a Gaspem foi acusada pelo MPF de atacar acampamentos indígenas patrocinada por fazendeiros. Um desses ataques, ocorrido em 2011, resultou no desaparecimento de Nízio Gomes. Arce cumpre prisão domiciliar pela morte do cacique, mas o corpo nunca foi encontrado.
“Foi isso que desencadeou a confusão. Os fazendeiros foram lá [próximo ao acampamento], fizeram carreata de caminhonetes, comemorando a decisão do juiz como se fosse uma vitória de um time de futebol, debochando dos índios”, declarou o deputado.
Sem depredação – Pimenta rebate as acusações divulgadas por fazendeiros da região de que as casas dos funcionários de uma das propriedades ocupadas em Aral Moreira foram depredadas. “Quando eu estava lá ontem chegaram as famílias dos empregados da fazenda para retirar seus pertences. Os índios não entraram nas casas. Os empregados retiraram três carros que estavam lá, retiraram animais domésticos”.
Segundo o deputado, os índios comunicaram a ele, ao procurador da República em Ponta Porã, Ricardo Pael Ardenghi, e aos representantes da Funai que foram ao acampamento que os funcionários da fazenda poderão voltar para colher o milho da propriedade.
Faroeste
Só que o clima de tensão impera na área, segundo Paulo Pimenta. “A informação lá era de que os mesmos fazendeiros que atacaram os índios em Kurusu Ambá estavam se organizando para fazer o mesmo em Aral Moreira, como se fosse faroeste, até porque ali é muito mais perto da fronteira com o Paraguai”.
Paulo Pimenta disse que devido à situação, ligou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e pediu a presença da Força Nacional de Segurança Pública naquela região para proteger os índios.
“Eles estão sozinhos lá, se forem pessoas armadas, fazem um estrago. Pedi ao ministro a presença da Força Nacional para evitar a ampliação do conflito. Precisava de um documento do governo de Mato Grosso do Sul, que já foi enviado ao Ministério da Justiça e a Força Nacional vai para aquela região o quanto antes”, afirmou Pimenta.
O deputado permanece em Campo Grande para acompanhar o desenrolar do caso e disse que deve retornar amanhã para Brasília.
Lentidão
Paulo Pimenta criticou a demora do governo federal e do Judiciário em fazer as demarcações e disse que essa situação agrava o clima de tensão entre índios e fazendeiros. “A morosidade do Estado através do Poder Judiciário e do Poder Executivo leva a isso. O índio sabe que a Constituição Federal estabeleceu um prazo de cinco anos para concluir a demarcação. De lá para cá foram inúmeras promessas e cronogramas”.
O deputado disse que nem mesmo a presença do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na região de conflito, em 2013, fez o processo andar mais rápido: “O CNJ esteve lá, criou cronograma de coisas que seriam feitas e nada do que foi definido naquela mesa de pactuação saiu do papel. Os grupos de trabalho não funcionaram, o mutirão para julgar os processos prioritários não se efetivou, nem mesmo uma solução jurídica para a indenização dos proprietários de boa fé que adquiram essas terras. O Estado precisa agir”.
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Imagem destacada: Paulo Pimenta conversa com índios em Aral Moreira; deputado teme novos ataques aos grupos que ocupam fazendas (Foto: Fabrício Carbonel)
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Flávio Bittencourt.