Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação

Documento aponta principais consequências do desrespeito às condicionantes socioambientais da hidrelétrica que está sendo construída em Altamira (PA), no momento em que o Ibama avalia a autorização da operação da usina.

Em Amazônia

No escritório de Altamira (PA) da Norte Energia, empresa responsável pela usina de Belo Monte, um calendário aponta: “faltam 64 dias para a Licença de Operação”. Já dada como certa, a última licença ambiental da obra foi solicitada ao Ibama em 11 de fevereiro de 2015. Nesta segunda (29/6), o Instituto Socioambiental (ISA) vai divulgar um dossiê que aponta que ainda há muito a ser resolvido em termos de pendências socioambientais antes de se iniciar o enchimento do reservatório da hidrelétrica.

O dossiê apresenta uma síntese dos principais erros e omissões, tanto da Norte Energia como do governo federal, na condução das obrigações socioambientais relacionadas a Belo Monte. O material também traz uma coletânea de 24 artigos escritos por especialistas, técnicos e representantes de instituições que, nos últimos cinco anos, acompanharam de perto o descompasso entre a execução da obra e a realização das ações de mitigação e compensação de impactos na região afetada.

O dossiê alerta que, nessa última etapa do licenciamento ambiental, não será possível transferir descumprimentos e pendências para a fase seguinte, como aconteceu repetidas vezes, desde a primeira licença ambiental do empreendimento, em 2010. Se a licença de operação for emitida sem o atendimento satisfatório de todas as condições socioambientais que viabilizam a operação da obra, não haverá nova oportunidade para exigir-se a resolução dos problemas causados pelo empreendimento.

O material denuncia que temas sensíveis à região amazônica têm sido tratados com descaso. O aumento da exploração ilegal de madeira, a inviabilização do modo de vida ribeirinho e indígena, a destruição da atividade pesqueira da região e um atropelado processo de reassentamento compulsório de populações urbanas e rurais são evidências das graves consequências das falhas ocorridas ao longo do processo.

As famílias que residem nas ilhas e margens do Rio Xingu têm sido obrigadas a sair de suas casas e áreas produtivas sem uma nova moradia que garanta a continuidade de sua forma de organização ou condições dignas de vida. Os projetos de reassentamento são distantes do rio, impedindo que essas famílias continuem a exercer sua atividade principal, a pesca.

O documento descreve a ineficácia, ao longo dos últimos cinco anos, das ações executadas para prevenir ou diminuir os impactos aos povos indígenas. A integridade das Terras Indígenas está ameaçada, fruto da pressão causada pelo aumento populacional da região. A Terra Indígena Cachoeira Seca, localizada na área de impacto de Belo Monte, foi, em 2013, a Terra Indígena mais desmatada do Brasil, mesmo ano em que a Justiça teve de obrigar o empreendedor a dar início à execução de um plano de proteção territorial acordado desde 2010. Os indicadores de saúde indígena também são preocupantes. A taxa de mortalidade infantil indígena da região, que já era alta, cresceu 127%, só entre 2010 e 2012.

Ordens judiciais

O material relembra que o governo federal conseguiu derrubar as ordens judiciais de paralisação da obra, utilizando uma medida judicial muito usada à época da ditadura, a Suspensão de Segurança, que se baseia no argumento de que o cronograma de andamento do empreendimento é mais relevante que os direitos das populações atingidas.

O dossiê questiona como um empreendimento em grande parte gerido pela União, financiado pelo BNDES, patrulhado pela Força Nacional e fiscalizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) não foi capaz de garantir que um único hospital fosse entregue ao longo dos três anos de pico das obras, ou como o sistema de saneamento básico executado pode ser inutilizado por problemas de coordenação de responsabilidades e de gestão pública.

Nesse contexto, o documento chama a atenção sobre a dificuldade em se estabelecer espaços de controle social efetivos, sendo inexistente um mecanismo independente de fiscalização das obras em execução, um vício de origem da usina, principalmente pela forma com a qual foi imposta à sociedade brasileira, sem oitivas nem consulta aos povos indígenas e com audiências públicas meramente formais.

Para os autores do documento, a somatória de erros de Belo Monte não pode se repetir na Amazônia. O Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação e sua coletânea de artigos pretendem ser instrumentos para a população das cidades, do campo e dos rios amazônicos no último momento em que compromissos podem ser cobrados, buscando-se a correção das injustiças cometidas por Belo Monte antes que a primeira turbina comece a girar.

Foto: Ricardo Joffily/Ascom DPU

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