É lógico que a adrenalina trazida pela possibilidade de divulgar uma notícia antes dos concorrentes vicia jornalistas.
E é compreensível que veículos jornalísticos incentivem seus empregados a darem “furos”. Isso confere prestígio junto ao grande público, aos formadores de opinião e aos anunciantes. Ou apenas massageia o ego junto aos colegas, mas isso já é outra história.
A instantaneidade trazida pela internet, contudo, aumentou a pressão sobre o jornalista, reduzindo o tempo que ele tem para apurar uma informação a quase nada. O prazo de uma notícia quente era sempre dez minutos atrás.
Se ele ou ela fizer o trabalho direitinho e checar tudo conforme manda o figurino, pode ser ultrapassado pelo concorrente que não checou e simplesmente replicou.
Ou pelos leitores munidos de suas contas de Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp, que não têm a mesma preocupação com ética na circulação de notícias. Ou, pelo contrário, querem intencionalmente ver o circo pegar fogo.
No limite, pode ser criticado dentro da redação, cobrado pelo atraso e até dispensado por não se “encaixar” na empresa.
A ponto de ser comum ouvirmos alguns chefes soltarem a frase: “publique primeiro, corrija se estiver errado depois”.
Ou outra que está cada vez mais famosa: “pega a informação da concorrência, dá um tapa e publica”.
Pois, como sabemos, a seção de “erramos” não dá audiência como a manchete. Nem viraliza nas redes sociais.
Aliás, quem lê o “erramos” além de repórteres, assessores de imprensa e professores e estudantes de jornalismo?
O jornalista tem uma única certeza: que vai errar e muito ao longo da profissão. Perceber que errou deveria incomodar e não passar batido. Porque esse incômodo é transformador.
Em outras palavras, estamos internalizando a possibilidade de erro como parte do processo jornalístico. Não o erro como consequência de uma profissão que lida com a natureza humana, mas como etapa inevitável a ser cumprida diante da ausência de tempo. Ausência criada não pela tecnologia em si mas pela maneira como nós a abraçamos sem contestação.
Sai “apurar, checar, escrever e divulgar”.
Entra “copiar, escrever, divulgar, checar, apurar, escrever, divulgar”.
Concordo que o repórter deve estar preparado para produzir algo bom e de forma rápida.
A máquina de moer gente no jornalismo – com redações enxutíssimas em decorrência da crise estrutural da profissão e econômica do país, competindo com sites sem a mesma preocupação com a veracidade dos fatos e chefes impelidos a só enxergar pageviews ao invés de ponderar a qualidade final do trabalho e sua relevância social – está girando mais rápido do que nunca.
No meio do caminho, a versão mais correta dos fatos é atropelada e morre. Não por um caminhão, mas por toda a frota de uma vez. E é enterrada como indigente, porque ninguém reivindica seu corpo.