Ubervalter Coimbra, Século Diário
Todo o eucalipto plantado em terras quilombolas devidamente registradas em cartório, localizadas em Angelim II, em Conceição da Barra, norte do Estado, foi cortado em operação realizada às pressas, que mobilizou todo o equipamento da Aracruz Celulose (Fibria) na região. São milhares de metros cúbicos de eucalipto, que a empresa já começou a retirar, também às pressas.
Os quilombolas proprietários da área embargaram o corte, o que não foi respeitado pela Aracruz Celulose. A empresa tomou a terra dos quilombolas em 1972, e desde esta época a explora com plantios de eucalipto. São 40 alqueires de terras, à época altamente valorizadas, pois em condições apropriadas para plantios agrícolas.
A Aracruz Celulose usou as terras de modo tão intensivo e insustentável que acabou com a água, que ainda contaminou com agrotóxicos, e empobreceu o seu solo. Não há reserva de mata nativa na região.
Para embargar o corte do eucalipto, os quilombolas se valeram de sua condição de donos das terras. E denunciaram o corte intensivo do eucalipto ao Ministério Público Federal (MPF), que fez ação civil pública cujo objetivo é resguardar o direito dos descendentes quilombolas.
O presidente da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Angelim II (APPRA), José Mateus dos Santos, fez um “termo de comunicação” ao MPF. Na denúncia informa que a Aracruz Celulose (Fibria) foi notificada extrajudicialmente pois, de modo incomum, ocupou as terras com “pessoas estranhas à comunidade”.
Tais pessoas, de forma irregular, “estão promovendo o corte de eucalipto, sem qualquer oposição, reação ou contestação por parte da Fibria”.
Ele ressalta que os quilombolas não têm “qualquer responsabilidade pelo fato e alerta que buscaremos o ressarcimento dos prejuízos passados, presentes e futuros nos fóruns adequados”. E apela: “Conclamamos o apoio e ajuda desta Procuradoria”.
Houve um outro requerimento, que foi encaminhado às procuradoras Walquíria Imamura Picoli e Carolina Augusta da Rocha Rosado. José Mateus dos Santos e outros donos de Angelim II consideram “os termos do requerimento provocativo que deram base ao Inquérito Civil nº 1.17.003.000226/2013-51” para requerer que a Aracruz Celulose (Fibria) fosse notificada “da desautorização pelos herdeiros a promover qualquer interferência ou atividade naquela propriedade”.
E, ainda, “que nenhum entendimento será reconhecido como legal, se não realizado com a devida assistência do Ministério Público Federal”.
Mais: “Que qualquer início de diálogo terá por principio a reparação dos prejuízos ambientais, agrícolas e sociais, ocasionados por anos de exploração ilegal da propriedade a nós pertencente”.
Requerimento anterior confirma que as terras dos quilombolas de Angelim II pertencem aos herdeiros de Henrique Luiz dos Santos, e estão registradas sob o nº 10.595, folha 170, livro 3-J, do Cartório do 1° Adolpho Serra, de Conceição da Barra.
Em despacho, depois de analisar este documento, a procuradora Carolina Augusta da Rocha Rosado aponta que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ainda não concluiu a fase de Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que realiza o levantamento fundiário.
Entretanto, o relatório antropológico reúne dados que “permitem reconhecer que as terras dos herdeiros de Luiz Henrique dos Santos estão dentro do território previsto para a comunidade do Angelim II”, afirma a procuradora.
Uma das providências da Procuradoria da República foi solicitada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, ainda no ano passado.
Após longo arrazoado, a procuradora Carolina Augusta da Rocha Rosado cobra que a Superintendência do Incra-ES que “realize ação no sentido de confirmar o eventual esbulho/turbação, identificar a área reivindicada, e realizar levantamento dos quilombolas/posseiros e dos possíveis ofensores”.
Nesta quarta-feira (24), José Mateus dos Santos reafirmou que as terras ocupadas pela Aracruz Celulose (Fibria) não são terras devolutas. São de herdeiros. E que isto dá aos herdeiros o direito de embargar a empresa. Que chegou a parar, por curto tempo, o corte dos eucaliptos.
Ocorre que, recentemente, a Aracruz Celulose (Fibria) trouxe para a área todas as máquinas para o corte de eucalipto da região, concentrando suas operações em Angelim II. Seguranças a serviço da empresa tentaram intimidar os quilombolas. E o corte dos eucaliptais acabou nesta quarta-feira.
A madeira ainda não foi retirada, e os quilombolas fizeram novo embargo. Exigem que a madeira seja deixada no local e que a empresa negocie com eles indenizações por ter usurpado e usado a terra desde 1972. São milhares de metros cúbicos de eucalipto que a empresa já começou a retirar na mesma velocidade do corte realizado.
Só uma providência urgente do MPF poderá impedir a retirada do eucalipto pela empresa. O órgão já tem duas ações judiciais para que parte das terras griladas pela Aracruz Celulose (Fibria) seja imediatamente devolvidas aos quilombolas.
Em uma delas, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) manteve decisão de primeiro grau que impede o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de fazer empréstimos à Aracruz Celulose (Fibria).
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Leia mais sobre o caso no Mapa de Conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil.