A ocupação à sede da Superintendência do Incra, em São Luís (MA), onde se estabeleceu o Acampamento Bem Viver, além da greve de fome sustentada por oito pessoas durante quase dez dias, se encerrou neste último final de semana com vitórias, conforme a avaliação dos integrantes do movimento. Cerca de 48 horas depois, a presidente Dilma Rousseff assinou dez decretos de regularização fundiária quilombola país afora, sendo dois no Maranhão – comunidades de Charco e Santa Rosa -, um acordo foi firmado com o Incra que prevê para o 2º semestre de 2017 a conclusão de 70 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação e a Fundação Nacional do Índio (Funai), atendendo os Gamela, visitou a comunidade no início dessa semana para encaminhar as demandas reivindicadas pelo povo.
Tanto o acampamento quanto a greve de fome foram puxadas pelo Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom). Todavia, com os quilombolas foram os indígenas Gamela, camponeses, extrativistas e apoiadores, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A isso chamam de Teia, uma articulação iniciada há poucos meses, mas que começa a demonstrar o quanto a unidade de povos e comunidades do campo e das florestas pode fortalecer a luta. “Nas horas mais difíceis, de maior fome, dávamos as mãos e apoiávamos uns aos outros. Cara, tem camponês que precisa dar para o fazendeiro parte do que planta como pagamento. Mulheres quebradeiras de coco precisam pagar para o fazendeiro para trabalhar. Em terras que lhes pertencem! Esse foi o alimento desses dias”, diz o quilombola Nailton Braga, um dos que se manteve na greve de fome até o fim.
Perdura, porém, um longo caminho para que estes povos e comunidades tenham seus direitos garantidos. São 329 processos de territórios quilombolas em curso no Incra-MA, simplesmente parados. Terras indígenas não demarcadas e invadidas, povos ressurgidos, assinaturas pendentes para a criação de reservas extrativistas, espoliação, violência, racismo. “Mas, veja, esse último processo de luta avançou na conquista de direitos e deixa um legado tão importante quanto. Quilombolas, indígenas, camponeses, comunidades tradicionais e extrativistas precisam estar juntos”, analisa Rosimeire Diniz, do Cimi Regional Maranhão. A missionária destaca que essa Teia ficou ainda maior depois do acampamento, com a chegada de novos apoiadores e grupos urbanos.
Na próxima semana o Incra e as lideranças do acampamento deverão ter uma reunião com o Ministério Público Federal (MPF) para que o órgão estatal informe o cronograma de regularização das 70 terras quilombolas dentro do prazo acordado com os quilombolas. “Esta foi nossa segunda greve de fome. O descaso do governo brasileiro conosco é grande. Há tempos que a situação deveria ter sido resolvida, mas foi uma importante vitória. Parcial, né. Porque agora temos de garantir que o Incra cumpra com o prazo”, afirma o quilombola Nailton. Emocionado, ele lembra dos quilombolas assassinados na luta pela terra, caso de Flaviano Pinto Neto, morto em 2010 por pistoleiros. Neto vivia na comunidade de Charco, cujo decreto acaba de ser assinado pela presidente.
“Eu não estava ali ou estou nessa luta só por mim. Pensava muito em Flaviano, que abriu esse caminho para a gente. Pensava muito em quem morreu sem ter a terra garantida. Penso ainda. Todo santo dia eu penso na minha gente”, declara Nailton. Morador da comunidade São Raimundo, quilombo Pau Pombo, município de Santa Helena, Nailton destaca que não fosse a ocupação, o acampamento e a greve de fome nenhuma conquista aconteceria. “Precisamos tomar uma postura radical e colocar nossas vidas em jogo. O governo brasileiro não tem nos oferecido alternativa. Por isso agradecemos a todos e todas que nos apoiaram. Recebemos mensagens até do México, então nossa luta teve uma repercussão muito boa”, encerra.
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Imagem: Reprodução do Meio Norte.