por Egon Heck
Há mais de duas décadas se repete um ritual que ecoa como um grito ensurdecedor pelo país e mundo afora. É o lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, organizado pelo Cimi, com informações recolhidas na imprensa, com as comunidades indígenas, os missionários do Cimi e instituições públicas e privadas, relacionadas com a questão indígena. É um recolher criterioso dos gritos de mais de 300 povos indígenas e em torno de 100 comunidades/grupos de povos isolados, em situação de isolamento voluntário, na Amazônia brasileira. Apesar de não conseguir ser revelador da totalidade do sofrimento, dor e crueldades e violências contra os povos indígenas, é sem dúvida uma denúncia inequívoca de que continuamos sendo um país contra os seus povos originários.
O desejo seria que esse relatório fosse diminuindo a cada ano, com o crescimento da consciência do povo brasileiro com relação ao respeito aos direitos, vida e dignidade desses povos e a ação enérgica do Estado na defesa constitucional dos direitos indígenas e punição dos infratores. Lamentavelmente está ocorrendo o contrário. A cada ano vemos e sentimos que as violências vêm aumentando. De chofre surge, como uma flecha no coração do sistema e do poder, a interrogação fatal: até quando? Ao ultrapassar o umbral dessa vergonha nacional nos sentimos todos, de alguma forma, cúmplices dessa secular e atual violência, etnocídio e genocídio.
Esse relatório deveria ser livro de cabeceira dos responsáveis por essa situação. Que o sangue derramado, as vidas ceifadas, a natureza destruída, as culturas e religiões indígenas vilipendiadas, soassem diuturnamente na cabeça e consciência dos responsáveis por esse sistema e situação iníqua a clamar por justiça e reparação.
O lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil com os dados de 2014, contou com a presença do Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner. Ele enfatizou que a violência contra os povos indígenas exige de todos nós uma conversão em nosso modo de nos relacionarmos com esses povos e que atinja nossos corações. O presidente do Cimi, Dom Erwin Kraütler, que vem há anos fazendo pronunciamentos e manifestações contundentes em defesa dos direitos dos povos indígenas, exorta uma vez mais a ações concretas e urgentes que acabem com as violências impetradas contra os povos indígenas em nosso país.
Lúcia Rangel, antropóloga, que nos últimos anos vem coordenando a pesquisa e elaboração dos dados do relatório, lembrou que a publicação é dedicada a um dos esteios das lutas contra as violências que vitimaram os povos indígenas nas últimas décadas. Pe. Antônio Iasi, que faleceu no início deste ano, foi um bravo lutador e um exemplo de compromisso radical com a vida e os direitos dos povos indígenas. A antropóloga destacou o grande aumento das violências durante o ano de 2014. Lembrou que as violências atingem principalmente os jovens indígenas: “Essa é uma realidade latino-americana”.
Tito Vilhalva, Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul, veio com muita disposição para denunciar que continuam matando seu povo de diversas maneiras. Ele é liderança de Guyraroká, terra indígena já reconhecida, mas cujo processo foi recentemente anulado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Fato esse, como outros do mesmo teor, considerados extremamente graves e preocupantes. De certa forma essa decisão sinaliza para a total insegurança de qualquer terra indígena no país.
Cleber Buzatto, secretário do Cimi, chamou atenção para a intensa campanha anti indígena registrada nos Três Poderes no ano que passou. A intenção dessas articulações é destruir os projetos de vida dos povos indígenas. A causa principal das violências continua sendo o não reconhecimento, demarcação e respeito às terras e territórios indígenas.
A voz do Papa pela vida dos povos aborígenes/indígenas e o respeito à criação, à natureza
“A encíclica sobre ecologia é uma declaração de amor à humanidade e aos povos indígenas”, expressou o deputado Edmilson, no final do lançamento do relatório de Violência. E concluiu dizendo que “não existe dignidade da sociedade brasileira se não houver a dignidade dos povos indígenas”.
Dom Erwin também fez referência às citações do Papa Francisco em sua recente encíclica sobre ecologia. Disse estar feliz por terem sido contempladas as questões às quais fez menção pessoalmente no encontro com o Papa: a questão indígena e a Amazônia.
No próximo mês o Papa Francisco irá se encontrar com os movimentos sociais da América Latina, na Bolívia. Quem sabe os relatórios e relatos de violências contra os povos indígenas e seus projetos de vida possam aos poucos diminuir e emergir um novo cenário em nosso continente marcado por tantas contradições e violações de direitos.
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Foto: Laila.