Postamos há pouco a notícia “MPF e lideranças Xikrin tratam sobre a mineração Onça Puma no Pará“, juntamente com um link para o Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, onde a questão é situada no tempo e no espaço até meados de 2014. Do ponto de vista dos danos e ameaças à saúde, entretanto, publicamos aqui, em 29 de maio de 2015, documento bem mais recente: um relatório enviado pelo médico João Paulo Botelho Vieira Filho ao Ministério Público Federal. Ele pode ser lido na íntegra na matéria Relatório ao MPF denuncia contaminação dos Xikrin e do rio Cateté por metais pesados de usina da Vale.
O abaixo, recebido hoje, é complementar a ele, tratando expressamente das doenças provocadas nos Xikrin pela contaminação do rio Cateté. Como diz seu autor, não queremos que aconteça aos Xikrin “uma tragédia como aconteceu na baía de Minamata, no Japão”. A saúde desse povo não vale qualquer condicionante calculada em casas, projetos ou bolsas famílias. Assim, para além da ação da 6ª Câmara, é fundamental que tod@s nos indignemos e denunciemos esse absurdo inominável. (Tania Pacheco)
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DOENÇAS CAUSADAS PELO AUMENTO DOS METAIS PESADOS NA ÁGUA DO RIO CATETÉ – FERRO, COBRE, CROMO E NÍQUEL: RELATÓRIO COMPLEMENTAR
JOÃO PAULO BOTELHO VIEIRA FILHO – JUNHO 2015
FERRO
Os índios Xikrin colocam suas mandiocas de molho na água do rio Cateté, por vários dias para absorverem água e amolecerem, poderem fazer suas farinhas de puba tão consumidas e apreciadas. As mulheres e crianças comem suas batatas doces assadas e quentes, embebidas d’água nas margens do rio Cateté. Se o ferro está aumentando na água será incorporado a esses alimentos. O ferro foi encontrado em nível elevado para o Código de Legislação Ambiental na água do rio Cateté.
O ferro é absorvido pela dieta e não pode ser excretado, excessão pela menstruação, acumulando-se com a idade.
Concentrações altas do ferro na água e na terra da zona rural de Taiwan teriam uma relação com o carcinoma hepatocelular ou do fígado.
A hemosiderose é a doença ocasionada pela deposição do ferro ingerido em excesso nos diversos órgãos.
O ferro em excesso no organismo deposita-se em muitos tecidos como fígado, cérebro, olhos, coração, glândulas endócrinas.
A toxidez do ferro no coração leva à disfunção diastólica, arritmias, isquemia miocárdica, cardiomiopatia, elevada morbidade e mortalidade.
Pacientes com altas concentrações de ferro nos tecidos endócrinos apresentam diabetes mellitus pela deposição do metal no pâncreas, hipopituitarismo pela deposição do metal na hipófise e falta dos hormônios hipofisarios ocasionando hipogonadismo.
Água esquentada contendo pó de ferro usado no aquecimento das mãos no inverno de Hong Kong, quando ingerida em quantidade, ocasiona toxidez justificando tratamento agressivo.
O ferro em excesso no organismo causa doenças oculares como catarata, degeneração da mácula e da retina pelo acúmulo do metal intraocular.
O ferro em excesso acumulando-se no sistema nervoso ocasiona neurodegeneração, ataxia de Friedreich.
O metabolismo ósseo tem relação com o ferro. O ferro em excesso inibe a atividade osteoblástica ou de formação óssea.
COBRE
Os índios Xikrin colocam suas mandiocas de molho na água do rio Cateté, por vários dias para absorverem água e amolecerem, poderem fazer suas farinhas de puba tão consumidas e apreciadas. As mulheres e crianças comem suas batatas doces assadas e quentes, embebidas d’água nas margens do rio Cateté. Se o cobre está aumentando na água será incorporado a esses alimentos. O cobre foi encontrado em nível elevado para o Código de Legislação Ambiental na água do rio Cateté.
O cobre em nível tóxico deposita-se nos rins, fígado e olhos.
O cobre presente no sangue deposita-se como grânulos no fígado, ocasionando hepatite crónica, cirrose e ascite.
A ingestão do cobre em nível elevado ocasiona na cavidade oral fibrose submucosa que é uma doença potencialmente maligna.
O envenenamento crônico pelos alimentos contendo cobre de pesticidas ocasiona fraqueza, dor abdominal, dor de cabeça, tontura, rigidez no pescoço e das pernas com dor, anemia.
Os indivíduos que trabalham com metais como cobre e zinco apresentam incidência e mortalidade aumentada pelos cânceres do pulmão e linfomas não Hodgkin.
O cobre inalado ou aspirado ocasiona síndrome de distres respiratório necessitando ventilação mecânica, anemia hemolítica, falência hepática, falência renal pela tubulopatia aguda.
CROMO
O cromo foi encontrado em nível elevado para o Código de Legislação Ambiental na água do rio Cateté.
Os índios Xikrin colocam suas mandiocas de molho na água do rio Cateté por vários dias para fazerem suas farinhas de puba. As mulheres e crianças levam suas batatas doces assadas e quentes para comerem na água do rio Cateté. O cromo elevado na água será incorporado nesses alimentos de consumo diário.
O cromo incorporado nos alimentos ou na água ingerida é reconhecidamente mutagênico pelo dano ao DNA, teratogênico e carcinogênico. Possui ação citotóxica no intestino ocasionando tumores como adenomas e canceres intestinais, que sucedem à hiperplasia e expansão clonal. A tumorogênese intestinal devida ao cromo ingerido é tardia.
O cromo pela sua ação definitiva carcinogênica aumenta o risco de câncer do fígado, dos pulmões, do cérebro, do linfoma maligno.
O cromo afeta a imunidade celular e humoral, agindo nos granulócitos sanguíneos e nos linfócitos T. A imunossupressão aparece na exposição crônica ou aguda aos metais pesados, cromo no caso entre animais e humanos.
NÍQUEL
O níquel foi encontrado em nível elevado para o Código de Legislação Ambiental na água do rio Cateté.
Os índios Xikrin colocam suas mandiocas de molho na água do rio Cateté por vários dias para fazerem suas farinhas de puba. As mulheres e crianças levam suas batatas doces assadas e quentes para comerem na água do rio Cateté. O níquel elevado na água será incorporado nesses alimentos de consumo diário.
O níquel e cromo plasmáticos dosados mostram correlação positiva com alterações ou anomalias nas células bucais (núcleos), que indicam genotoxidade, que aumenta com o tempo de exposição.
O níquel como metal carcinogênico relaciona-se com o stress oxidativo que pode ser constatado no marcador urinário.
O níquel em contato com a pele ocasiona dermatite.
EPÍLOGO
Este médico que assiste os índios Xikrin há 49 anos, que prestou assistência a muitos outros grupos indígenas desde o Oiapoque até Rondonia e Mato-Grosso, trabalhando juntamente com as comunidades indígenas e suas lideranças, missionários católicos, Companhia Vale do Rio Doce e Banco Mundial, FUNAI, FUNASA e SESAI, não quer que possa se repetir no Brasil uma tragédia como aconteceu na baía de Minamata no Japão, com mortalidade e morbidade enorme por metal pesado despejado no mar pela indústria, envenenando os peixes e japoneses que se alimentavam desses animais. As lesões provocadas pelo metal pesado entre os japoneses foram neurológicas e definitivas, uma vergonha como não cuidaram do meio ambiente e não se preocuparam com os seres humanos através de medidas preventivas.
Venho pedindo insistentemente medidas preventivas para defesa do rio Cateté e índios Xikrin à Companhia VALE desde 2013 sem ser atendido.
Chegamos à triste situação da água do rio Cateté estar sem condições ou inapropriada para o consumo pela presença de metais pesados ferro, cobre, cromo e níquel.
JOÃO PAULO BOTELHO VIEIRA FILHO
- Consultor médico das Associações Indígenas Xikrin, Kakarekré, Porekrô e Baypran
- Professor Adjunto da Escola Paulista de Medicina
- Preceptor do Centro de Diabetes – UNIFESP
Podemos acrescentar a isto os elevados níveis de mercúrio detectados em muitas terras indígenas da Amazônia, com efeitos semelhantes aos metais pesados citados neste estudo, e a intoxicação crônica por agrotóxicos, com efeitos ainda mais letais do que estes, e teremos um quadro da agressão ambiental que se abate sobre os povos indígenas em todo o país sem que nenhuma medida concreta seja adotada pelas autoridades responsáveis.