Por Julianna Malerba, em Brasil em 5
A Constituição Federal de 1988 estabelece que as jazidas e demais recursos minerais pertencem à União, que pode conceder, no interesse nacional, o direito de pesquisa e exploração, garantindo ao concessionário a propriedade do produto da lavra e ao proprietário do solo a participação no seu resultado.
Embora preveja aos proprietários e posseiros de terras onde se encontra uma jazida o direito a indenização pelos prejuízos causados e uma participação no resultado da lavra, o código mineral em vigor não estabelece a possibilidade de recusa em ceder os terrenos necessários à atividade. Por outro lado, o mesmo código garante que a autorização para lavra pode ser “recusada se for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo”.
Tem sido, entretanto, recorrente a defesa (vide pareceres da Procuradoria Geral da União) da prioridade da mineração frente a outras atividades, mesmo aquelas que também devem ser exercidas, segundo a Constituição, em prol do interesse nacional, como a reforma agrária.
É o caso do Assentamento Roseli Nunes, ameaçado de desafetação para fins de exploração mineral depois que o governo de Mato Grosso anunciou a descoberta de depósitos de minério de ferro e fosfato estimados em 11 bilhões e 450 milhões de toneladas, respectivamente.
O Brasil é importador de fosfato, um insumo essencial para o agronegócio. Já o minério de ferro contribuiria para manutenção do equilíbrio da balança comercial, graças à sua participação substancial na pauta exportadora.
As jazidas estão localizadas no município de Mirassol D’Oeste, onde, a despeito do acelerado avanço do agronegócio, existem projetos de produção de alimentos por meio de uma economia agrícola familiar, a exemplo do referido assentamento. Nele, um conjunto de famílias realiza um processo de transição agroecológica, implementando um modelo alternativo de práticas agrícolas sem o uso de insumos químicos e agrotóxicos. Essas famílias produzem uma diversidade de alimentos livres de venenos e, desde 2005, têm comercializado o excedente em mercados institucionais através do Programa de Aquisição de Alimentos e do Programa Nacional de Alimentação Escolar, abastecendo com alimentos saudáveis as escolas do município.
Do ponto de vista da garantia de direitos, da segurança alimentar e da geração de bem estar, parece evidente que manter a agricultura familiar, fixar cidadãos no campo e produzir alimentos saudáveis para o mercado local têm impacto, no mínimo, mais imediato se comparado à extração de minérios para exportação primária (no caso do minério de ferro) ou para utilização em monocultivos de larga escala (no caso do fosfato), igualmente destinados à exportação.
Nesse contexto, a resistência à desafetação do assentamento Roseli Nunes assume um papel fundamental ao colocar em debate os critérios que legitimam o que é considerado “interesse nacional”, desnaturalizando e ressignificando as prioridades que têm orientado a ação do Estado.
O juiz da questão seria então o Governo. À pergunta “o que são interesses nacionais”
se soma “o que é o juízo do Governo”? Seria o “juízo”, que à luz da Operação Lava-Jato, quebrou a Petrobrás, ou o “juízo” que aceita financiamento de empresas para campanhas eleitorais e portanto, atende apenas os interesses de seus benfeitores? Haveria um “juízo” a favor das famílias do assentamento Roseli Nunes, e onde ele estaria? Afinal, quem é o “juízo” que dá a cartada final, quem é o “juízo final”? Se a lei não estabelecer critérios regulamentando o tal “juízo”, pode ser qualquer coisa e nunca haverá justiça.