A moça não era Silas Malafaia e estou longe de ter a desenvoltura de Ricardo Boechat, mas esse tipo de vigilância é uma forma de violência que vem crescendo rápida e bizarramente.
Reconstruindo a conversa da melhor maneira possível:
– O senhor vai para o inferno, sabia?
– Opa? É comigo?
– Sim, sua alma vai para o inferno.
– Tá bom.
– Como assim “tá bom”?
– O inferno é beeeem melhor. Tem um monte de gente legal por lá.
– Pare de blasfemar! Pare de defender as abominações gays!
– A senhora acha que se uma inteligência superiora existir, vai estar se preocupando em quem dá para quem? Tem outros buracos negros pelo universo, bem mais complexos, para ela se preocupar.
– Ela quem?
– Ela, ué, Deus.
– Como o senhor tem coragem de dizer que Deus é mulher?
– E a senhora, como tem coragem de dizer que Deus é homem? Se eu tivesse que desenhar Deus, ela seria mulher, trans e negra.
– O senhor não conhece as sagradas escrituras para dizer isso.
– Olha, nove anos frequentando escola adventista, tendo feito comunhão e crisma em igreja católica, ter sido até coroinha, sem contar a participação em grupos de jovens da igreja, me dão algum conhecimento sim.
– Isso não significa nada.
– Decerto. Mas posso citar alguns trechos da bíblia se preferir. Quer um pouco de Malaquias? Gosto muito de Malaquias. Principalmente a passagem sobre o desvio do dízimo (capítulo 3, versículo 9): “Com maldição serás amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda”. E como vai o dízimo da sua igreja? Bem empregado no bem comum?
– A sua hora vai chegar.
– A de todos nós, por certo.
– O senhor acha que estamos brincando?
– O pior é que não acho. E esse é o problema.