Decisão atende pedido feito pelo MPF em ação cautelar para resguardar direitos da comunidade, que vive em área de intensa especulação imobiliária, no bairro Grajaú
O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) obteve liminar que impede o Município de Belo Horizonte/MG de conceder licenças de construção em terrenos situados no território quilombola dos Luízes, região Oeste da capital. A prefeitura também está impedida de emitir alvarás de construção, sejam obras iniciais ou obras de modificação, como também revalidar alvarás ou licenças previamente concedidas.
O território da Comunidade dos Luízes, já certificada pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo, está situado em área urbana, no bairro Grajaú, região densamente ocupada por imóveis de médio e alto valor comercial e atualmente alvo de intensa especulação imobiliária.
Há cerca de sete anos, em 2008, o Núcleo de Estudos de Populações Tradicionais e Quilombolas da Universidade Federal de Minas Gerais (NUQ/UFMG) finalizou o relatório antropológico que identificou a área do território que deveria ser delimitado e regularizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Ressalte-se que o NUQ/UFMG foi contratado pelo próprio Incra para realizar os estudos, que fazem parte do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI) da comunidade.
Segundo o relatório antropológico, os casais fundadores da comunidade dos Luízes instalaram-se às margens do córrego Piteiras, em 1895, em glebas de terras doadas ou adquiridas, correspondentes hoje a um território de 2,87 hectares.
No entanto, de forma inusitada, ou como disse o magistrado na decisão judicial, “à míngua de vícios técnicos ou jurídicos no procedimento”, o Incra reduziu o território, excluindo do perímetro 10 imóveis. A justificativa para a exclusão foi tão somente a de que as desapropriações desses imóveis seriam de alto valor.
Contra essa decisão do Incra, foi ajuizada ação civil pública pelo MPF e Defensoria Pública da União (DPU). A ação continua em andamento, assim como outras ações civis públicas propostas pela DPU em favor da comunidade quilombola, especialmente a de nº 26644-75.2011.4.01.3800, por meio da qual requereu-se a declaração do dever do Município de proteger, preservar e recuperar o patrimônio histórico-cultural da comunidade, além de condenar as construtoras que invadiram a área a restituir a posse dos terrenos ilegalmente ocupados por elas.
Certo é que, ao longo dos anos em que a questão vem sendo discutida, a indefinição resultou no acirramento dos conflitos fundiários, especialmente porque a prefeitura de Belo Horizonte continua liberando alvarás, ignorando por completo a determinação constitucional de respeito à integridade do território quilombola.
“A demora natural no julgamento das ações, pois tratam de questões complexas, aliada à indiferença da Prefeitura Municipal para com os direitos da Comunidade dos Luízes, pode levar a uma situação irreversível. Se forem concedidas novos alvarás de construção de edifícios ou mesmo de reforma e ampliação dos atuais, caso a ação de reconhecimento da comunidade venha a ser julgada procedente, de nada adiantará, pois já existirá uma situação consolidada”, afirma o procurador da República Helder Magno da Silva.
Por isso é que, no último dia 13 de abril, o MPF ingressou com nova ação, desta vez de natureza cautelar, pedindo que a Justiça Federal impedisse a prefeitura de continuar liberando alvarás para construções na área originalmente delimitada pelo relatório do NUC/UFMG como território quilombola.
Consumidor sujeito a riscos – Ao conceder a liminar, o juiz da 8ª Vara Federal lembrou que, se os Luízes já foram reconhecidos pelo Estado como comunidade tradicional, ainda que o RTID do Incra tenha excluído parte da área que pleiteiam, o que deve prevalecer é a determinação constante do art. 68 da ADCT, que reconheceu o direito fundamental às comunidades remanescentes de quilombo à propriedade definitiva do território que ocupam.
“O dispositivo constitucional obriga o Estado, portanto, a promover a regularização fundiária dos territórios remanescentes de quilombos, na forma do Decreto n. 4887/2003 e IN 57/2009”, afirma a sentença.
O magistrado também destacou que, além da regularização fundiária do território reivindicado pelos quilombolas, deve-se proteger também o consumidor em geral, sujeito ao risco de adquirir um imóvel situado em área que está sendo objeto de discussão judicial. De outro lado e não menos importante, “há que se resguardar o interesse público sobre o orçamento da União, que poderá ser comprometido com o pagamento de eventuais indenizações” decorrentes de futuras desapropriações.
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