Por Leandro Stein, em Trivela
“Um povo sem memória é um povo sem futuro”. A frase reluz em meio ao Estádio Nacional do Chile, em Santiago. A casa cheia para a abertura da Copa América se interrompe por alguns lances de arquibancada vazios. Um trecho de silêncio em meio ao barulho para a estreia da seleção chilena. Afinal, não importa nem um pouco se a federação e a Conmebol não lucraram com os ingressos em potencial. O significado do setor vazio vai muito além. É a tribuna viva, restaurada especialmente para a competição, e que resgata a história dos presos políticos que sofreram dentro do Estádio Nacional.
Durante os primeiros meses da ditadura de Augusto Pinochet, o estádio foi usado para prisões em massa dos “inimigos do regime”. Tornou-se uma gigantesca máquina de tortura, que também resultou na morte e no desaparecimento de dezenas de opositores. Entre 1973 e 1981, os militares realizaram 28 mil prisões, dentre as quais 2298 acabaram em mortes e 1209 em desaparecimentos. O estádio só deixou de ser utilizado de maneira sistemática por Pinochet em novembro de 1973, quando o Chile deveria enfrentar a União Soviética pela repescagem das eliminatórias da Copa de 1974. Os soviéticos boicotaram o jogo por motivos políticos, negando-se a entrar no cenário de dor, tornando a ocasião uma vergonhosa propaganda para a ditadura que acabara de se instaurar.
Apesar da história de sangue, o Estádio Nacional seguiu como principal palco do futebol chileno. E o povo faz questão de relembrar a história de medo que se viveu ali. Oito trechos do estádio são protegidos desde 2003, quando o governo declarou o local como monumento histórico. Já a tribuna em volta da Escotilha 8 foi preparada à Copa América, com os lances da antiga arquibancada de madeira restaurados como eram em 1973, ano do golpe de Pinochet, recebendo também uma iluminação nova.
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Especialmente escolhido, o trecho era o preferido dos presos na época, porque daquele espaço podiam ser vistos pelos familiares que se reuniam do lado de fora do estádio. De lá, conseguiam dar um sinal de vida. Mensagens de parentes e pedidos de justiça também ilustram o memorial, enquanto nas paredes do túnel que leva ao setor, há fotografias e nomes de muitas das vítimas da barbárie. A parte interna também passou por restauração, resgatando as marcas nas paredes feitas pelos próprios prisioneiros, para contar quantos dias passavam encarcerados, e outros sinais do desespero.
O Estádio Nacional do Chile, lotado, pulsou especialmente com o hino cantado à capela antes da estreia contra o Equador. Um sinal maior de amor ao país. Que, no entanto, consegue ser mais significativo pelo silêncio e pelo vazio que resistem na Escotilha 8. A memória que os chilenos não querem que se repita de maneira alguma no futuro.
Para quem quiser conhecer melhor a história do Estádio Nacional do Chile durante os meses em que serviu de prisão a Pinochet, está recomendadíssimo o especial escrito por Maurício Brum no Impedimento, em 2013. Material de primeira.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.