Por Carolina Fasolo, Assessoria de Comunicação – Cimi
Um memorial sobre a situação fundiária da Terra Indígena (TI) Limão Verde, no Mato Grosso do Sul, foi entregue aos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Teori Zavascki, da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde dessa quarta-feira (10) por advogados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
O documento (leia aqui) demonstra a nulidade da decisão proferida em dezembro de 2014 e publicada em fevereiro deste ano pela 2ª Turma, que, sob relatoria de Teori Zavascki, declarou a inexistência da ocupação indígena na área e anulou a homologação da TI Limão Verde, decretada em 2003 pela Presidência da República como de posse tradicional do povo Terena e registrada em 2007 em nome da União.
Nos 5 mil hectares da TI, localizada próximo ao município de Aquidauana, vivem cerca de 2,2 mil indígenas, que serão despejados caso a decisão se mantenha no Plenário do Supremo. “Essa decisão tem o condão de atingir milhares de indígenas no país e tende a lastrear uma instabilidade sem precedentes. Além de anular um ato da administração pública que demorou quase 20 anos pra ser concluído, o Judiciário não aponta nenhuma alternativa. Coloca tudo na estaca zero e acaba por alimentar o conflito numa área já pacificada”, explica o assessor jurídico Adelar Cupsinski.
Além disso, o fato da comunidade não ter sido citada como parte poderia anular todos os atos processuais, segundo Cupsisnski. Um pedido de ingresso no processo foi protocolado pelos Terena, que também entregaram uma carta ao ministro relator, reivindicando o direito de serem ouvidos antes de novo julgamento. “O prejuízo da comunidade é imensurável, pois não pode demonstrar nos autos o esbulho, as indenizações feitas aos posseiros não índios, a reintegração de posse em seu favor, o registro da área em nome da União e a pacificação do conflito na região. O memorial leva estas informações substanciais aos ministros, e esperamos que sirva de fonte para o julgamento dos recursos”, afirma Cupsisnski.
No memorial constam o Relatório Figueiredo, o capítulo indígena da Comissão Nacional da Verdade e um relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, que realizou minucioso estudo da situação fundiária indígena em Mato Grosso do Sul, além de inúmeros documentos oficiais que comprovam a ocupação Terena na área desde o século XVI. De acordo com o relatório da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai), são “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios Terenas e seus antecessores, que, se delas foram afastados momentaneamente, o foram por espoliação”. O documento da Funai, fundamentado em laudos antropológicos, reforça que “não consta tenham os indígenas deixado de ocupá-la algum dia, por vontade própria”.
Todos os 27 posseiros que tinham títulos de boa-fé incidentes sobre a Terra Indígena receberam indenizações. O autor da ação contra os Terena recebeu do Estado em 2011 uma indenização de mais de R$ 407 mil pelas benfeitorias construídas na área. O memorial ressalta o prejuízo ao erário e à comunidade como importante elemento a ser considerado pelos ministros. “Além da indenização, foram quase 20 anos de estudos, trâmites processuais e dispêndio de pessoal (profissionais), custeados pela União, para acompanhar o deslinde do pleito, o que já foi concluído com o registro da área em nome da União. […] além de que o prejuízo físico, cultural e psicológico da comunidade, o prejuízo jurídico à CF/88 e aos índios é imensurável”.
Esta é a terceira decisão da 2ª Turma que limita o direito indígena à terra tradicional, previsto constitucionalmente. Em 2014, foram anuladas as portarias declaratórias das TIs Porquinhos, do povo Canela-Apãnjekra, no Maranhão; e Guyraroká, dos Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul.
Baseadas na tese do ‘marco temporal’, as decisões da 2ª Turma restringem os direitos constitucionais indígenas, contidos nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. A tese, trazida do entendimento do caso Raposa Serra do Sol, condiciona o direito indígena à ocupação do território na data da promulgação da Constituição, exceto tenha ocorrido esbulho contra a comunidade. O esbulho, no caso da TI Limão Verde, fica comprovado nos documentos juntados ao memorial entregue nessa quarta-feira (10).
O ministro relator, entretanto, conceituou o “esbulho renitente”, determinando que, para ter direito à terra os indígenas deveriam, em outubro de 1988, estar disputando sua posse judicialmente ou em conflito deflagrado com os proprietários. “Primeiro, os índios eram tutelados na data da promulgação da CF/88 e por isso impossibilitados de ingressar com ação judicial e, em segundo, o Estado, como consta nos Relatórios Figueiredo e da CNV, mantinha os indígenas confinados sob sua tutela e em pequenos nacos de terra, enquanto entregava seus territórios a particulares”, explica Rafael Modesto, assessor jurídico do Cimi.
O Cimi, a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) contestam a interpretação de Teori Zavascki. “A exigência de comprovação material de disputa possessória, quiçá judicializada, antes de 1988 não se mostra como adequada, porquanto ignora a realidade histórica do Brasil e da relação dos povos indígenas e minorias com o Estado antes da democratização do país, trazida com a promulgação de nossa CF atual.”, consta no documento da Funai. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que apresentou recurso contra decisão em março, declarou que “A observância cega do marco temporal importa desrespeito à Constituição, porque impede qualquer possibilidade de reconhecimento do direito da comunidade indígena em questão às terras tradicionalmente ocupadas”. Os recursos da Funai e do MPF estão agora sob análise da 2ª Turma.