Debate realizado nesta terça-feira (09) na Câmara dos Deputados reuniu especialistas e gestoras para discutir impacto da mortalidade materna na vida de mulheres negras, bem como suas causas e formas de enfrentamento
O impacto da mortalidade materna na vida de mulheres negras, bem como suas causas e formas de enfrentamento foi tema de debate durante audiência pública na manhã desta terça-feira (09) na Câmara dos Deputados. Realizado pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados e a Subcomissão Especial das Políticas de Assistência Social e Saúde da População Negra, Procuradoria da Mulher do Senado, o evento faz parte do projeto Pautas Femininas, que mensalmente discute temas relacionados à mulher.
A audiência contou com a participação da diretora de programas da Secretaria de Ações Afirmativas da SEPPIR, Larissa Borges, e de especialistas no tema, como a Dra. Jurema Werneck, da Organização CRIOLA; da Dra. Alaerte Martins, da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB); da Dra. Isabel Cruz, do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra da Universidade Federal Fluminense; de Rurany Ester, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e de Esther Vilena, do Ministério da Saúde.
“A dor das mulheres negras é vista pelos profissionais de saúde de forma hierarquizada, como uma dor que pode esperar. Temos uma situação na qual o racismo determina a forma como vamos nascer, viver e morrer”, declarou a diretora de programas de Ações Afirmativas da SEPPIR, Larissa Borges. A diretora chamou a atenção para a necessidade de se adotar a perspectiva racial na formulação de políticas de saúde. “As mulheres negras são 1/3 da população brasileira. Não há como formular políticas universais sem considerar essa parcela significativa da população. E a SEPPIR tem o desafio de trabalhar junto a seus parceiros institucionais essa incorporação”, afirmou.
Entre as medidas necessárias para reverter o quadro atual de mortalidade materna entre mulheres negras, Borges destacou a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), a identificação étnico-racial nos registros de nascidos e a visibilidade da existência de mulheres negras nas políticas públicas de saúde.
Conforme afirmou Rurany Ester, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, mais de 60% da mortalidade materna ocorre entre mulheres negras, contra 34% da mortalidade entre mães brancas. “A hipertensão, a hemorragia e o aborto são as principais causas de óbito materno entre mulheres negras. O desafio é qualificar a assistência prestada pelos profissionais de saúde”, disse a representante da SPM.
Para a professora doutora Isabel Cruz, do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra da Universidade Federal Fluminense, o racismo institucional é a causa da elevada taxa de mortalidade materna entre as mulheres negras. “Essas pessoas não morrem porque são pobres. Morrem porque são pretas”, enfatizou. “Essa discriminação se manifesta pela iniquidade étnico-racial na taxa de (morbi)mortalidade materna das mulheres negras. Por isso é importante a ação fiscalizadora do Poder Legislativo sobre a execução da PNSIPN, no sentido de reduzir essas taxas, assegurando a todas as pessoas um Sistema Único de Saúde isento”, pontuou Isabel Cruz.
A representante do Ministério da Saúde, Esther Vilela, reconheceu que o problema está relacionado com os atendimentos no sistema de saúde. “O problema não é o número de consultas de pré-natal, mas a qualidade desses atendimentos. O Brasil tem feitos esforços para aumentar a vigilância de óbito materno, fortalecido os Comitês de Mortalidade Materna e apoiando as maternidades como estratégias de enfrentamento às mortes e melhoria na qualidade dos partos”, afirmou. Vilela lembrou ainda que a violência obstétrica está tipificada como violência contra a mulher no Ligue 180.
“Não queremos que nenhuma mulher morra, seja ela branca ou negra. O Estado conseguiu reduzir a mortalidade materna, mas a situação permanece a mesma quando se observa o diferencial entre o número de mortes entre mulheres negras e brancas, bem como suas causas”, enfatizou Alaerte Martins, da AMNB. Segundo a doutora, a violência obstétrica também é uma das causas do óbito materno entre as mulheres negras. “É necessário capacitar os profissionais de saúde para lidar com esse público”, considerou Martins, que também criticou o alto índice de cesarianas realizadas no país.
Também apontando o racismo como causa da mortalidade materna ao relembrar o caso de Alyne Pimentel e Rafaela Cristina de Souza Santos, a médica Jurema Werneck foi enfática: “O SUS admite que a mortalidade materna é uma tragédia evitável. Então por que não se evita? No Rio de Janeiro, que tem boa cobertura do sistema de saúde, a cada 2 dias morre uma mulher por causa materna, sendo que a maioria dessas mortes são evitáveis”, questionou. “É preciso fiscalizar, com a atuação do Congresso Nacional, do Ministério Público e da sociedade”, considerou Werneck.
Contexto
A redução da mortalidade materna é um tema que preocupa as autoridades brasileiras e internacionais, uma vez que o Brasil não atingiu o quinto objetivo do milênio estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que se refere à diminuição do número de mortes decorrentes de causas obstétricas. Para a ONU, os países deveriam chegar ao máximo de 35 óbitos por 100 mil nascidos vivos até 2015. Porém, a redução da mortalidade de mulheres brasileiras passou de 141, em 2000, para 63,9 em 2011. A questão se agrava quando observada a questão racial. De acordo com dados do último Relatório Socioeconômico da Mulher, elaborado pelo Governo Federal, a mulher negra é a mais morre por causas obstétricas (62,8% de mulheres negras versus 35,6% das mulheres brancas).
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Foto: “A dor das mulheres negras é vista pelos profissionais de saúde de forma hierarquizada”, declarou a diretora de programas de Ações Afirmativas da SEPPIR, Larissa Borges