Quem guarda esta fronteira?

Abandonados pelo Estado e pressionados pela invasão de madeireiros, cada vez mais índios se arriscam para defender a floresta 

por Piero Locatelli, Repórter Brasil

As terras indígenas guardam um quarto de tudo o que sobrou da floresta amazônica. Dentro delas, o desmatamento é três vezes menor do que em unidades de conservação, segundo dados de 2013 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Ibama. Mas os índios estão pagando um preço alto pela preservação: suas terras são invadidas por madeireiros, garimpeiros e até narcotraficantes. Depois de ouvir da Funai e do Ibama que é “impossível” fiscalizar todas as áreas demarcadas, alguns povos tomaram uma atitude extrema: a defesa do seu território com as próprias mãos.

É o caso dos Ka’apor, no Maranhão, dos Munduruku e Arapium, no Pará, e dos Suruí, em Rondônia. Eles decidiram colocar a vida em risco para defender a floresta, da qual depende sua sobrevivência. E já sentem os efeitos dessa ação. Em abril, um líder Ka’apor foi assassinado após o grupo expulsar e receber ameaças de madeireiros. Começando com esse caso, a Repórter Brasil abre uma série de reportagens sobre a saga dos indígenas que colocam a vida em risco para proteger a floresta.

Façam vocês mesmos!

Os órgãos de controle reconhecem que os índios ajudam a manter a floresta de pé. “Eles protegem estas áreas ”, diz o diretor de proteção ambiental do Ibama, Luciano de Meneses Evaristo. “Por que eu tenho hoje um milhão de metros quadrados [preservados em Terras Indígenas]? Por que o índio está lá. Se ele não estivesse lá, já tinha ido”. A partir dessa percepção, deriva uma perigosa conclusão: a de que os índios podem assumir essa proteção. Evaristo admite que o trabalho do Ibama seria impossível sem as “valiosas” informações indígenas. Ele defende que os índios sejam remunerados para proteger suas terras.

A Funai também reconhece sua incapacidade de proteger as áreas, mas não recomenda que os indígenas confrontem os invasores. A fundação tem reduzido as operações de “fiscalização e prevenção” em terra indígenas. De 227 em 2011 o número de ações caiu para 134 em 2013. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão atribuiu a diminuição a “restrições orçamentárias.”

A omissão do Estado coloca os indígenas que defendem sua terra em uma situação perigosa. Além do enfrentamento direto, outros deles são ameaçados pelos madeireiros. “É uma ação legítima, mas aumenta a percepção dos madeireiros de que é preciso atacar os índios para poder usar as terras”, diz Cleber César Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Caminho contrário

As ameaças de madeireiros fizeram outros povos desistirem de protegerem suas terras sozinhos. “A gente parou de fazer conflitos porque a ameaça era muito grande, não íamos colocar em risco a vida da nossa equipe, do nosso pessoal” diz Almir Suruí, liderança dos Suruí. Até 2012, eles faziam a segurança por conta própria da Terra Indígena Sete de Setembro, na divisa do Mato Grosso e Rondônia. Almir recebeu tantas ameaças, na época, que teve de andar escoltado pela Força Nacional.

Hoje, agentes indígenas Suruí se limitam a enviar a localização dos madeireiros e outras informações aos órgãos públicos, o que não dá o mesmo resultado. Em 2014, a Sete de Setembro foi a segunda terra mais desmatada do país, segundo dados do Imazon.  Mesmo assim, Almir diz que não cogita voltar a confrontar os invasores. “Não temos como arriscar só a nossa vida se a floresta é bem comum de todos. Quem deveria fazer isso são eles [o Estado]”, diz Almir.

No mapa abaixo, é possível ver como a área dos Suruí está cercada por devastação. A fronteira da terra indígena é quase a mesma da floresta remanescente.

ti sete de setembro

Além da repressão: investigação e reforma agrária

A incapacidade de a União repreender os madeireiros mostra a necessidade de outras soluções para este problema. Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, diz que é necessário uma investigação maior da origem do dinheiro. Segundo ele, é preciso fazer processos que envolvam crimes como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, com penas mais severas que os crimes ambientais. A alternativa para a população próxima aos indígenas, muitas vezes hostis a eles, passa pela reforma agrária.  “Em alguns lugares, [grandes madeireiros] tentam dar um verniz social a essas histórias. Regimentam pessoas pobres, porque aí é mais difícil tirar a população pobre de lá. Isso tudo é maquinado, não é por acaso.”

Para conhecer a realidade dos povos indígenas que assumiram a defesa da floresta e saber o que tem sido feito para solucionar este problema, acompanhe a série de reportagens. Na primeira delas, contamos a história dos Ka’apor, protetores do pouco que sobrou da floresta amazônica no Maranhão. Nas próximas semanas, vamos contar a história de resistência dos Ashaninka, Arapium e Munduruku.

Leia as demais reportagens da série:

“Tomba árvore, tomba índio”

O BNDES descobriu os índios?

Imagem destacada: No Pará, os Arapium organizaram grupos de vigilantes para andar pela terra e expulsar os madeireiros (Foto: Ana Aranha)

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