Ameaças, invasões e escárnio: ri-se o Satanás da decisão do juiz Fábio Kaiut Nunes

Cimi Regional Mato Grosso do Sul

Mais uma decisão judicial contraria os direitos dos povos indígenas e sua dignidade. Dessa vez o caso espanta pela decisão de um magistrado frente ao vasto acervo de provas. O juiz Federal Fábio Kaiut Nunes, da 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados, e conforme informações oficiais integrante do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª região, negou o direito a danos morais coletivos para comunidades Guarani e Kaiowá comprovadamente atacadas por um ‘Consórcio da Morte’. Foram duas mortes, oito ataques e dezenas de feridos pelas mãos do bando criminoso. O roteiro das ações dessa milícia foi investigado pelas autoridades policiais, acompanhadas pelo Ministério Público Federal (MPF). Mais de 20 pessoas chegaram a ser presas como resultado de quase dois anos de investigação. As consequências da decisão do juiz, porém, foram imediatas: Elizeu Lopes Guarani e Kaiowá recebeu ameaças de pistoleiros, acampamentos foram invadidos, e lideranças que estiveram com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal foram procuradas por homens armados.

Para tudo se tornar mais revoltante, o Guayviry, tekoha – lugar onde se é – que desencadeou as investigações que comprovaram o consórcio e desconsideradas pelo juiz, na manhã desta terça-feira, dia 09, foi invadido por indivíduos não identificados. Por volta das 11 horas, uma caminhonete irrompeu abruptamente o espaço do acampamento de Guayviry, chegou até onde ficam as casas das famílias Kaiowá e em manobra arriscada avançou para cima das crianças, quase as atropelando. Demonstra que os assassinos, com vasto acervo de provas dos crimes que cometeram, riem da piada que o Judiciário virou com a postura do juiz Fábio Kaiut Nunes.

Nizio Gomes, líder indígena de aldeia de Amambai, em Mato Grosso do Sul
Nizio Gomes, líder indígena de aldeia de Amambai, em Mato Grosso do Sul

De dentro do veículo, entoando gritos de escárnio, homens ameaçaram os indígenas e deram partida no veículo, abandonando o acampamento. Em uma investida igual a esta, Nísio Gomes, liderança Kaiowá, foi fatalmente baleado por seguranças da Gaspen e teve seu corpo arrastado pelos pistoleiros. Nunca mais foi encontrado. Sem ainda saber da decisão do juiz, Genito Gomes, filho de Nísio, incrédulo e revoltado, ligou para comunicar os órgãos competentes de proteção pedindo ajuda para manter a segurança e a dignidade de sua comunidade.

O MPF, por meio de nota jornalística, registrou que o magistrado negou o pedido de indenização por danos morais coletivos contra Aurelino Arce, proprietário da empresa de segurança privada Gaspen, acusada do assassinato da liderança indígena Nísio Gomes e de promover atentados contra a vida de indígenas do acampamento de Guayviry, localizado no município de Arau Moreira, sul do estado.

O juiz, além de determinar o arquivamento da ação, decretou ainda o pagamento dos honorários advocatícios por parte do MPF, autor da ação. Fabio Kauit Nunes, além de não apresentar argumentos jurídicos claros para embasar o pedido de finalização do processo, ainda desconsiderou provas apresentadas tanto pelo MPF, quanto pelo inquérito policial em andamento. Sequer abriu possibilidade de inclusão de documentos que ainda se encontravam em fase de apuração.

Outras investidas e violações: entre disparos e cercos   

No último domingo, dia 07, um ônibus que transportava uma delegação de indígenas Guarani e Kaiowá foi alvejado por dois tiros. Os indígenas relatam que um primeiro ônibus que os transportava havia parado na entrada de Dourados, precisamente na altura de uma churrascaria chamada Querência. Parte dos indígenas seguiu para o sul do estado e parte ficou na cidade de Dourados. Segundos após a partida do veículo, os indígenas foram surpreendidos por dois disparos que acertaram a parte traseira do ônibus, estilhaçando um dos vidros e deixando marcas de bala pelo veículo.

Na noite de segunda, um dia depois, homens encapuzados e armados surpreenderam famílias Guarani e Kaiowá na Terra Indígena de Kurusu Ambá, no sul do estado. Os indivíduos perguntaram pelo nome de Elizeu Lopes, liderança indígena que há cerca de um mês esteve no Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA), denunciando casos violência e violações contra os povos indígenas.

Enquanto o acampamento Guayviry era abruptamente invadido, na manhã do dia 9, outro acampamento, Laranjeira Nhanderu, localizado nas imediações do município de Rio Brilhante, era também invadido. Duas caminhonetes adentraram o território indígena e fizeram ronda, mantendo cercada as amílias Guarani e Kaiowá. Indígenas afirmam que os indivíduos que dirigiam os veículos procuravam pelo nome de lideranças que estiveram em Brasília e também acompanhando a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, que esteve no estado durante a semana passada para apurar casos de violações contra os Guarani e Kaiowá.

Para lideranças de diferentes localidades, as investidas são claras são uma reação dos ruralistas locais, impulsionadas pelas decisões Judiciais, em represaria ao incansável desejo indígena de retomar seus territórios tradicionais sem encontrar fronteiras que os impeçam de fazer as denúncias daquilo que sofrem. Morrem de tiro, de fome, de suicídio, de atropelamentos. Dizem quem são as pessoas que os vêm matando, encaram de frente seus algozes.

A indignação de um povo altivo 

Para a liderança Kaiowá Ava Apyka Rendy Ju “trata-se claramente de um juiz anti-indígena, de posição política aliada aos fazendeiros e que está usando o poder do Judiciário para atacar os povos originários”. Segue: “Olhem suas decisões, são temerárias, Apykai é temerário, vai causar a morte de quantas pessoas? Estas decisões são irresponsáveis, cheias de desrespeito e racismo contra os povos indígenas e até mesmo desrespeito aos órgãos legais, está dando despejos e reintegração de posse como bem quer e deseja, sem documentos e fontes”.

Ava Apyka, em sua fala, refere-se também às concessões de reintegração de posse contra os acampamentos indígenas de Tey Jusu e Itaguá, ambas em áreas indígenas cujos estudos já comprovam a tradicionalidade, e, em especial, ao despejo desumano concedido pelo Judiciário contra as famílias do Apykai. Todas decisões do mesmo juiz: Fábio Kaiut Nunes.

Imagem destacada: Reprodução do Cimi

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