Juiz proíbe revista vexatória em presídios de Itirapina (SP), em Ação Civil Pública movida pela Defensoria, por Marcelo Semer

Por Marcelo Semer, em Sem Juízo

Decisão da 1ª Vara do Foro Distrital de Itirapina, proferida pelo juiz estadual Felippe Rosa Pereira, concedeu medida liminar em Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de SP*, proibindo as revistas vexatórias nas Penitenciárias I e II, localizadas na cidade.

A decisão está fundada na Lei Estadual 15.552/14, que entrou em vigência em 12/08/14 e na transposição do prazo de 180 dias para sua regulamentação. O juiz entendeu que as disposições da lei são autoaplicáveis e que o prazo de transição, para a adoção de providências administrativas, também já se exauriu há meses.

Com base nisso, determinou ”que os Diretores das Penitenciárias I e II de Itirapina se ABSTENHAM de realizar, através do corpo de agentes de segurança, qualquer procedimento de revista nos visitantes que, nos termos da fundamentação, englobem o desnudamento do seu corpo, a realização de agachamentos ou saltos ou mesmo exames clínicos invasivos, a partir de 3/6/2015. Por outro lado, remanesce legítima, de acordo com o comando legal mencionado alhures, a adoção de qualquer meio de revista mecânica e, em caso de fundada suspeita e insistência no ingresso, o seu encaminhamento a “ambulatório onde um médico realizará os procedimentos adequados para averiguar a suspeita“.

Leia abaixo a íntegra da decisão

 

Vistos.

1) Aceito a conclusão às 18h21min do dia 3/6/2015.

2) A Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Sinteticamente, depois de fazer minucioso levantamento das condições das Penitenciárias I e II de Itirapina, asseverou que está em vigência a Lei Estadual nº 15.552/2014, que proibiu a realização de “revistas íntimas”.

Alegou que, a despeito disso, os visitantes que se dirigem aos estabelecimentos prisionais em questão ainda são submetidos a tal procedimento, o que caracterizaria, além de ilegalidade, evidente violação à dignidade da pessoa humana.

Requereu o acolhimento do pedido, inclusive em sede liminar, para que os responsáveis se abstenham de “realizar a revista íntima, com as violações já apontadas, em todos os visitantes de presos custodiados nas Penitenciárias I e II de Itirapina” (fl. 41). Juntou farta documentação à exordial (fls. 43/194).

O Ministério Público (fl. 196), em seu parecer, manifestou-se pela parcial concessão da medida antecipatória, para que “a Penitenciária Ii de Itirapina, desde logo, se abstenha de adotar procedimento que obrigue o visitante a despir-se, fazer agachamento ou dar saltos ou submeter-se a exames clínicos invasivos, nos termos do mencionado artigo, sem prejuízo, evidentemente, da aplicação, também imediata, do disposto no art. 4º da mesma Lei Estadual nº 15.552/2014”.

É o relato do essencial.

FUNDAMENTO E DECIDO.

A liminar deve ser concedida em parte.

Os argumentos sustentados pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo – e corroborados, ao menos em parte, pelo Ministério Público – são idênticos àqueles apostos no mandado de segurança nº 0000155-08.2015.8.26.0283, que tramita perante este Foro Distrital de Itirapina, impetrado por Vera Lúcia Costa Gama.

E, desde aquela ocasião, venho sustentando que a vedação ao procedimento mencionado na inicial é, antes de tudo, uma questão de legalidade. Isso porque, em 12 de agosto de 2014, entrou em vigor a Lei Estadual nº 15.552/2014, responsável por proibir, logo em seu art. 1º, que os estabelecimentos prisionais do Estado realizem, indistintamente, revistas íntimas nos visitantes, estas compreendidas, de acordo com o art. 2º, III, “1” a “3”, como todo e qualquer procedimento que os obrigue a “despir-se”, “fazer agachamentos ou saltos” ou, ainda, “submeter-se a exames clínicos invasivos”.

É bem verdade que o art. 5º da mesma legislação concedeu ao Poder Executivo “prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar de sua publicação” para expedir um “regulamento”. Porém, o dispositivo sofre com a má-redação legislativa, pois os arts. 1º e 2º – que, em tese, deveriam ser “regulamentados” – são autoaplicáveis, revelando, com clareza e exatidão, a mens legislativa.

Na realidade, parece-me que a intenção do legislador era a de estabelecer um “período de transição” – este absolutamente razoável, diga-se passagem – imprescindível à adoção das medidas necessárias à aquisição do maquinário e treinamento de pessoal para que os visitantes passassem a ser submetidos a outros mecanismos de segurança, menos invasivos que aqueles estipulados pela Resolução SAP nº 144/2010.

A dizer, então, durante esse prazo a manutenção das propaladas “revistas íntimas” não violava a Lei. Ocorrém, porém, que a Lei entrou em vigor em 13 de agosto de 2014 e o prazo de 180 dias findou em 9 de fevereiro de 2015, sendo que, desde então, não foram adquiridos ou instalados os equipamentos necessários ao cumprimento da determinação explícita do legislador. Ou seja, vão-se quase 4 meses com a manutenção – já adianto ilegal – do procedimento estipulado pela Resolução SAP nº 144/2010.

Noto que foi o próprio Estado de São Paulo, pelos representantes eleitos pelo povo paulista, que estipulou a necessidade de por fim às visitas íntimas, aderindo a um processo paulatino compartilhado por outras Unidades da Federação e pela União. E foi o próprio Estado que estipulou o prazo necessário para a adoção dos procedimentos imprescindíveis à execução dessa opção. Esse prazo esgotou-se e nada foi feito. Por isso, não há mais como aceitar qualquer outra justificativa a emperrar ou postergar, de forma indefinida, sua aplicação.

Leia-se bem: não afirmo, com isso, que o procedimento seja ou não (in)constitucional, por ferir a garantia da dignidade da pessoa humana. E nem que concordo, ou não, com a necessidade de adotar mecanismos mais modernos para a fiscalização da entrada de substâncias ilícitas nos estabelecimentos prisionais do Estado.

Todas essas ilações se tornaram, para todos os efeitos, desnecessárias e irrelevantes, dada a literalidade e a imperiosidade da legislação estadual vigente. Parece-me óbvio que vivemos num Estado Democrático de Direito. E, neste, cumpre-se – ou, pelo menos, deveriam ser cumpridas – as Leis. E, no caso concreto, a matéria é regulada especificamente pela legislação estadual, de forma absolutamente discrepante das normas administrativas que, até hoje, regulam o ingresso de quem quer se seja nas Penitenciárias. E, havendo tal conflito, soa inviável privilegiar o segundo em detrimento da primeira, hierarquicamente superior.

Por mais que o Eg. TJ/SP ainda não tenha se manifestado sobre o assunto, constatei que em julgados recentes a Corte vem reafirmando, obliquamente, a aplicabilidade da novel legislação. É o caso, por exemplo, do acórdão proferido no julgamento do recurso nº 7011694-65.2014.8.26.0482 pela 3ª Câmara de Direito Criminal, datado de 27/1/2015, no qual o relator, Des. Toloza Neto, asseverou que: […] “não apenas o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente ressalta que o menor deve ser colocado a salvo de tratamento vexatório, como também, com a recente promulgação da Lei nº 15.552/14, em vigor desde 13 de agosto de 2014, houve proibição desta modalidade de revista em todo e qualquer tipo de situação. Em outras palavras, embora a referida lei ainda esteja no prazo de sua regulamentação pelo Poder Executivo, já tendo sido publicada e estando em vigor, não mais se admite a revista íntima consistente em fazer com que o visitante retire a roupa e realize agachamentos ou saltos, bem como seja submetido a exames clínicos invasivos”.

Duas ressalvas, contudo, são imprescindíveis.

Primeiro, que com a concessão da liminar nesta ação civil pública, somente ficará obstado que os responsáveis pelas Penitenciárias I e II de Itirapina submetam os visitantes a qualquer procedimento de revista, conduzido por agentes de segurança penitenciária, que envolvam o seu desnudamento, ainda que parcial, a realização de agachamentos ou saltos ou, ainda, a realização de exames clínicos invasivos (art. 2º, I, II e III da Lei Estadual nº 15.552/2014).

Ou seja, não se trata de propiciar o “livre acesso” às dependências das Penitenciárias, o que seria absolutamente irresponsável. Os visitantes poderão (para não dizer deverão) ser submetidos à revista mecânica, através de detectores de metais, aparelhos de raios X ou equivalentes (art. 3º). Se, depois disso, ainda persistir fundada suspeita de que estejam portando objetos ilícitos, poderá a autoridade penitenciária adotar quaisquer das medidas do art. 4º da Lei em questão, a saber: (a) repetição da revista mecânica, preferencialmente através de equipamento distinto; (b) vedação do acesso à unidade e, em caso de insistência da interessada, o seu encaminhamento a “ambulatório onde um médico realizará os procedimentos adequados para averiguar a suspeita”.

A segunda ressalva que faço – até por conta do consequencialismo e da accountability que devem nortear as decisões judiciais – é que tal decisão passará a ser exigível apenas a partir da próxima sexta-feira (dia 5 de junho de 2015), não produzindo efeitos imediatos já no dia de amanhã.

Embora pouco usual, a postergação é necessária pelas circunstâncias do caso concreto, que passo a expor ainda que resumidamente. Tal como mencionei no item “1”, o processo veio à conclusão em adiantado horário, às vésperas de um feriado prolongado. Dessa forma, ainda que a Oficial de Justiça parta do Fórum neste minuto, ainda assim encontrará, nas penitenciárias, o setor administrativo já fechado. Ou seja, na prática, não haverá tempo hábil para que os Diretores tomem as medidas necessárias ao cumprimento desta decisão já no dia seguinte, o que, certamente, ensejará um dos três males: (a) a decisão será descumprida; (b) será autorizado o ingresso livre de todo e qualquer visitante; ou, (c) haverá tumulto dentro (e fora) das unidades penitenciárias em função do atraso do início das visitas.

Não é possível combater uma medida pouco razoável com outra de igual natureza. Faz-se necessário assegurar que os Diretores tenham prazo mínimo para reorganizar os serviços e instruírem, ainda que com agilidade, os agentes de segurança penitenciária. E é isso que, neste momento, determino.

Ante o exposto, CONCEDO EM PARTE A LIMINAR para DETERMINAR que os Diretores das Penitenciárias I e II de Itirapina se ABSTENHAM de realizar, através do corpo de agentes de segurança, qualquer procedimento de revista nos visitantes que, nos termos da fundamentação, englobem o desnudamento do seu corpo, a realização de agachamentos ou saltos ou mesmo exames clínicos invasivos, a partir de 3/6/2015. Por outro lado, remanesce legítima, de acordo com o comando legal mencionado alhures, a adoção de qualquer meio de revista mecânica e, em caso de fundada suspeita e insistência no ingresso, o seu encaminhamento a “ambulatório onde um médico realizará os procedimentos adequados para averiguar a suspeita”. 2) Serve esta como mandado, ficando a Oficial de Justiça autorizada a efetuar a intimação na pessoa de cada responsável pelo plantão noturno, caso o Diretor não esteja presente no local no ato da diligência. 3) No mais, cite-se o Estado de São Paulo por carta precatória. Intimem-se.

(http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?localPesquisa.cdLocal=283&processo.codigo=7V0000DMF0000&processo.foro=283)

 

*A ACP é subscrita pelos Defensores Públicos Vinicius da Paz Leite, Arthur Rega Lauandos, Adriano Pinheiro Machado Buosi, Maria Auxiliadora Santois Essado, Patrick Lemos Cacicedo, Bruno Shimizu e Verônica dos Santos Sionti

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