Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil
A família de Vladimir Herzog, jornalista assassinado nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) durante a ditadura militar, doou seu acervo, com documentos, fotos, matérias publicadas e até cartas pessoais, ao Centro de Documentação e Memória (Cedem) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) ontem (26). O acervo estará disponível ao público para consulta até o mês de outubro, quando a morte de Herzog completa 40 anos.
A viúva do jornalista, Clarice Herzog, disse que juntou o material ao longo de 40 anos, desde a morte de Vlado, como ela o chama, em 25 de outubro de 1975. “Eu fui juntando, fui juntando e, de repente, cheguei à conclusão de que não é uma história minha, é uma história da sociedade, é uma história que tem que ser documentada. Se aquilo ficasse comigo, nunca chegaria para a sociedade”.
“Foi difícil dar [o acervo], porque eu fiquei umas quatro horas selecionando todo o material e veio muita coisa durante essa seleção que me comoveu muito, que mexeu muito comigo. Eu revivi tudo, mas eu tinha que passar para a frente essa história do Vlado”, acrescentou, emocionada.
Ivo Herzog, um dos filhos do jornalista, afirmou nunca ter visto todos aqueles documentos, jornais e fotografias, porque se trata de um assunto muito dolorido. “Eu nunca vi esse material, estou vendo pela primeira vez hoje, esse arquivo era da minha mãe. É um assunto do qual eu mantinha distância”.
“[Doar o acervo] é uma maneira nossa de colaborar com aquelas pessoas que queiram pesquisar, conhecer sobre esse período, que tenham acesso a mais material. Esse é um material que mostra um pouco do caminho que a gente seguiu nesses 40 anos, tentando a busca da verdade e da justiça no caso Herzog”, completou.
Para a coordenadora do Cedem, Sonia Maria Troitiño Rodriguez, o assassinato do Vladimir Herzog é um dos casos mais simbólicos sobre o sistema de tortura no Brasil. “Receber esse conjunto de documentos significa preservar e dar acesso à sociedade ao registro de um período bastante obscuro da história brasileira”, disse.
Todo o material passará por um processo de conservação, depois receberá tratamento arquivístico e, posteriormente, será digitalizado. Até outubro, os documentos estarão disponíveis para consulta pública.
Na noite de hoje, houve ainda a apresentação dos trabalhos da Comissão da Verdade da universidade (CV-Unesp), instalada há um ano, com o objetivo de pesquisar e esclarecer os impactos da ditadura civil-militar dentro da instituição. A presidente da CV-Unesp, Anna Maria Martinez Corrêa, informou que existe um acervo de entrevistas com professores, funcionários e estudantes, que começou a ser produzido em 1990 e que serviu de base para os trabalhos. A previsão é de que mais dois anos serão necessários para a conclusão. Outra documentação utilizada foi uma pesquisa feita em jornais da capital e do interior, já que a universidade tem campi espalhados por todo o estado de São Paulo.
A comissão identificou prisões, tanto de docentes quanto de alunos, nas unidades de Assis, Rio Claro, Marília, Araçatuba e Rio Preto. Alguns professores foram destituídos ou transferidos de uma unidade para outra, sem que fossem consultados. Houve ainda invasões policiais nos campi de Botucatu e de Assis, de acordo com Anna Maria.
Edição: Aécio Amado.