Por Elvino Bohn Gass, em Imagem Política
Ir às ruas pedir um país melhor, como aconteceu no dia 15 de março, é um movimento que deve ser respeitado por quem defende a liberdade democrática. Não se confunda, pois, respeito com aquiescência a opiniões políticas equivocadas e cinicamente seletivas que, neste dia, tentaram atribuir a uma pessoa, Dilma, ou a um partido, o PT, a culpa pelos males históricos do Brasil. Para respeitar o 15 de março, é preciso retirar dele o viés eleitoreiro (“não tenho culpa, votei no Aécio”), golpista (“impeachment”), violento (“intervenção militar”, bonecos enforcados), anti-democrático (“fim do Supremo”), incoerente (Bolsonaro e alguns do investigados da Lava Jato estavam nas ruas) e desumano (“feminicídio, sim”). Sobra pouco? Ainda assim o exercício do respeito é necessário, porque este “resto” é o que de mais precioso há numa nação democrática: o direito de as pessoas dizerem o que pensam. Este direito também é meu, e exerço-o para repudiar quem sustentou, no dia 15, um cartaz com a aberração “basta de Paulo Freire”.
Talvez alguns dos que protestaram não saibam, mas 15 de março é o Dia da Escola. E Paulo Freire é uma das maiores referências da pedagogia popular moderna do mundo! Talvez os manifestantes também não saibam, mas a contribuição deste brasileiro à educação, fez dele Doutor Honoris Causa em mais de 40 universidades internacionais – entre elas as celebradas Oxford e Harward – e sua vasta obra integra a formação de educadores em todos os continentes.
Aquele cartaz seria apenas uma estupidez se não fosse uma ignomínia contra todo o país e sua cultura. Não por acaso, no Dia da Escola, a Unesco (braço das Nações Unidas par a educação, a ciência e a cultura), escolheu publicar em suas redes sociais, justamente uma frase de Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
Sim, para Freire a educação é prática política. Então, quando um movimento autoriza, sem contestação que se diga “basta de Paulo Freire”, é porque sua organização contém a ideia de que basta “da prática” difundida por este educador. Nada pode ser mais equivocado. A maior lição de Freire é que a educação tem o poder de dar fim à opressão da classe dominante sobre a classe trabalhadora, dos patrões sobre os empregados, da patroa sobre a doméstica, do doutor sobre o motorista. Aquele cartaz carregava, portanto, uma espécie de confissão ideológica daqueles que com ele desfilaram. E que, não por acaso, eram brancos, ricos e conviviam “pacificamente” com inúmeros outros cartazes que pediam “intervenção militar”. O absurdo faz lógica entre os seus portadores, afinal, para os militares, a prática desse brasileiro cuja importância o mundo celebra e reconhece, rendeu-lhe cadeia e proibição de suas obras.
Talvez, a única resposta à tamanha estupidez seja mesmo a escolhida pela ONU. Não há transformação sem pessoas educadas. E pessoas educadas não permitem que se enxerte no conceito de democracia qualquer crime contra a honra, a memória ou a cultura de um povo. Aquele cartaz não apenas despreza uma das mais bonitas, generosas e profundas contribuições de um brasileiro ao mundo. Mas revela, também, o caráter anti-democrático de quem fez e de quem permitiu que desfilasse entre as palavras de ordem do dia. Foi apenas um cartaz, mas disse muito sobre o 15 de março.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.