Por Clarinha Glock, em Extra Classe
Cerca de 8 mil indígenas cursam o Ensino Superior no Brasil, conforme dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC). Em 2010, havia praticamente a metade desse número nas faculdades. Poran Potiguara, estudante de Engenharia Florestal na Universidade de Brasília (UNB), acredita que o crescimento se deve à Lei 12.711, a chamada Lei de Cotas, instituída pelo Governo Federal em 2012, e às ações afirmativas de algumas universidades que, mesmo antes da Lei, abriram vagas em seus cursos para os indígenas.
Poran Potiguara, que tem no sobrenome a identificação de seu povo, é um dos coordenadores da Rede de Juventude Indígena (Rejuind), criada em 2009 para facilitar o diálogo entre a diversidade de juventudes indígenas na defesa de seus direitos. A Rejuind mantém uma página na rede social Facebook, grupos de discussão fechados no WhatsApp e já programa para 28 de setembro a 2 de outubro de 2015, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o 3º Encontro Nacional de Acadêmicos Indígenas (Enei).
Os potiguaras habitam o Ceará e a Paraíba, e somam cerca de 20 mil pessoas. “É o único povo do litoral que não mudou de lugar desde a colonização”, assegura Poran. Essa determinação se mantém em seu representante quando o assunto é educação. Os acadêmicos reunidos na Rejuind temem que haja uma queda no número de vagas no Ensino Superior porque muitas universidades estão adotando apenas a Lei de Cotas, que deve atender também a população negra e parda e aos critérios de renda. Um cálculo feito por estudantes da UNB mostrou que, dividindo o número de vagas das Cotas pela população indígena, e o resultado é de 0,05 vagas por indígena. É muito pouco. Poran vive na Aldeia Tambar, em Baia da Traição, município com 8,6 mil habitantes com 90% do seu território situado dentro de reserva indígena no litoral da Paraíba, conforme dados do IBGE.
“Estamos discutindo alternativas para que, além das cotas, seja garantido o ingresso nas universidades de forma diferenciada por um vestibular específico”, informa Poran. Outra preocupação é com a permanência dos estudantes indígenas nos cursos, já que muitos saem de seus locais de origem, geralmente em zonas rurais, para morar nas cidades. “O Programa de Bolsa Permanência do MEC ajudou muito, mas é apenas para universidades federais. Quem está cursando as estaduais e particulares não têm direito”, observa. A Bolsa Permanência prevê a concessão de auxílio financeiro a estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior em situação de vulnerabilidade socioeconômica e para estudantes indígenas e quilombolas. No caso dos indígenas, o valor é de R$ 900,00.
Esses benefícios servem de estímulo a quem quer estudar, reconhece Poran. “Na minha própria aldeia não se buscava o Ensino Superior pela falta de apoio e dificuldades de se manter, mas hoje se vê o contrário. No dia da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) notei que havia mais gente fazendo”, descreve. Poran lembra ainda que algumas universidades criaram Programas de Licenciatura Indígena. “São cursos criados por indígenas para indígenas. É um avanço, porque os professores indígenas não têm reconhecimento como um segmento diferenciado no Brasil, apesar de tantos anos trabalhando nas comunidades”. As discussões dos jovens da Rejuind passam também pela falta de material didático específico em nível escolar para a educação das crianças indígenas. Com mais de 200 povos, e tantas línguas, é difícil publicar algo que sirva para todos, admite Poran.
Um dos desafios é romper com a invisibilidade dos acadêmicos e a discriminação. “Falo que nossa vida é muito louca, no mínimo três vezes mais que dos estudantes convencionais, porque precisamos estudar, resistir ao preconceito dos alunos e professores, e fazer política para quebrar paradigmas. Sem falar na adaptação, porque se sai da vida na comunidade, que é muito diferente da vida na universidade, onde todo mundo está por si e quer derrubar o outro. Na comunidade é o inverso, tudo parte do coletivo. Há um choque cultural”, critica Poran.
Os indígenas ainda têm uma longa jornada até conseguir efetivamente ocupar seus espaços na Graduação e Pós-Graduação, onde começam a seguir carreira como pesquisadores. Mas Poran tem uma certeza: “Temos a obrigação de não esquecer de onde viemos, para que a gente possa voltar às comunidades ou ficar na cidade ajudando o povo, onde quer que esteja”.
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Destaque: Poran Portiguara, um dos coordenadores da Rede de Juventude Indígena (Rejuind). Arquivo Pessoal