“Essa é a quinta manifestação de rua desde o início da Nova República, que não vai dar em nada no final das contas. Mesmo que a presidente caia, quem irá governar são os mesmos de sempre, porque as ruas não querem falar do campo institucional, e política se faz com Estado, a não ser que todos sejam anarquistas ou comunistas”, adverte o sociólogo
Por Patricia Fachin – IHU On-Line
“Sabe quem irá pegar essa energia das ruas de ontem? O PMDB. O PMDB vai pegar a força das manifestações de ontem e vai colocar essa força no pescoço da Dilma dizendo que ou ela dá poder a eles, ou eles saem do governo e a lançam para fora”, afirma Rudá Ricciem entrevista à IHU On-Line na manhã de ontem, para avaliar as manifestações de domingo contra o governo da presidente Dilma.
O sociólogo, que tem acompanhado as manifestações desde junho de 2013, chama a atenção para o fato de que passados os protestos, “não tem nenhuma liderança da rua discutindo com a Dilma”.
Para ele, as manifestações de ontem, como as de junho de 2013, se assemelham por não proporem nenhuma alternativa política e, portanto, pouco avançam numa mudança política. “As pessoas que convocaram as manifestações de ontem são novatas em política, são adolescentes políticos que só sabem reclamar e não propõem nada para mudar o país”, avalia.
Rudá Ricci pontua que há um “fosso” entre as ruas e a política institucional e “as manifestações estão sendo fortes por causa desse fosso, mas elas não passam de manifestações por causa desse fosso. O dia que esse fosso tiver uma ligação com o campo institucional, vamos fazer reforma política no país. Enquanto não tivermos essa ligação, o campo institucional vai pegar a ameaça da rua e colocar a faca no pescoço do governante. É isso que está acontecendo agora”, adverte. Segundo ele, “o PMDB e também o Lula estão disputando quem passa a governar a Nova República. É por isso que as teses de que a Nova República acabou estão erradas”.
O sociólogo também chama atenção para a “ausência” dos nordestinos, principal base do governo federal, nos protestos. Segundo ele, essa ausência ainda é justificada porque o eleitor nordestino ainda está desconfiado acerca dos rumos do país, mas “se piorarem os indicadores sociais no próximo mês e se as manifestações de 12 de abril – que já foram convocadas – forem maiores por causa dos indicadores piores”, o apoio ao governo pode ser rompido e aí, sim, “teremos um governo na lona, completamente paralisado politicamente”.
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara, e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica) e Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), entre outros. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual foi o significado das manifestações de domingo e de sexta? Que semelhanças e diferenças vê nelas?
Rudá Ricci – Vou começar pela primeira semelhança: a ausência. Não vi o Nordeste se manifestar com peso e, historicamente, o Nordeste sempre se manifestou. Mas tanto nas manifestações de domingo quanto nas de sexta, não se viu o Nordeste se manifestar em peso. Claro que houve manifestações em Recife, Salvador, Fortaleza, mas nada muito importante.
E por que essa ausência é importante? Porque o Nordeste é a base eleitoral da Dilma, essa é a região mais importante. A Dilma ganhou a eleição em Recife. Assim, a primeira situação que gostaria de destacar é a de que o eleitorado da Dilma está inseguro e indeciso.
Segundo, percebemos que nas regiões onde se tem voto declaradamente oposicionista, como é o caso de Belo Horizonte — mas não de Minas Gerais —, Distrito Federal e São Paulo, as manifestações foram as mais gigantescas. A única exceção é o Rio de Janeiro, onde a manifestação foi muito grande, mas é uma base eleitoral da Dilma.
Avalio que as manifestações de ontem tiveram em torno de 500 mil pessoas e não um milhão como disseram — isso é um exagero absoluto, basta contar as 40 mil pessoas que estiveram no Rio de Janeiro. Na sexta-feira teve algo em torno da metade disso, 150/200 mil pessoas.
São duas manifestações surpreendentes, mas evidentemente que a base social antigoverno é muito superior neste momento à base social pró-governo, pelo menos em termos de mobilização, de população disposta a se manifestar publicamente. A minha dúvida é em relação à maioria silenciosa. Não consigo dizer o que ela está querendo dizer com o silêncio.
IHU On-Line – Essa pode ser aquela parte da população que está cansada e tampouco acredita no resultado político das manifestações?
Rudá Ricci – Acho que é uma transição. Se somarmos, mesmo com os dados de um milhão, todas as pessoas que estiveram nas ruas e que declararam oposição ao governo e compararmos com a diferença que a Dilma teve em relação à oposição ao Aécio no segundo turno, a Dilma venceria do mesmo jeito.
O que temos de ter clareza é que vivemos uma transição; não acabou o jogo. A maioria da população, até onde podemos avaliar, ainda sustenta o governo. O que estou dizendo é que a base mais importante do governo, que é o Nordeste, está em silêncio, e pode revelar uma reavaliação em relação a esse apoio. Se piorarem os indicadores sociais no próximo mês e se as manifestações de 12 de abril — que já foram convocadas — forem maior por causa dos indicadores piores, nós teremos um governo, aí sim, na lona, completamente paralisado politicamente.
IHU On-Line – Quais as razões dessa ausência do Nordeste? Por que a base política do Nordeste que apoia a presidente não foi às ruas, mas a base do Rio de Janeiro foi?
Rudá Ricci – Acho que tem uma deterioração das condições sociais, mas principalmente da expectativa em relação ao futuro. E você sabe que qualquer projeto social e político depende da projeção que a pessoa faz do futuro, seja em relação à estabilidade ou à expectativa de melhoria.
Segunda questão: grande parte dos estudos de processos de ruptura política de rua que avalia o start que gera a ruptura de vez com o campo institucional, é a quebra do código moral, ou seja, valores de relacionamento que criam certa segurança na vida. Isto quer dizer que eu sei que o outro lado me oferece certa segurança, que forma um código de relacionamento. Quando esse código se quebra, e eu sei que votando em determinado candidato eu não consigo mais “x coisa”, quebra-se o relacionamento com o campo institucional.
Acho que estamos caminhando para isso. A população votou a pouquíssimos meses numa candidata que disse que não faria isso que está fazendo, e dizendo que isso que está fazendo agora é o que a oposição sempre fez. A mudança é muito rápida e drástica em pouquíssimo tempo.
IHU On-Line – E a memória do eleitor ainda está fresca em relação às promessas?
Rudá Ricci – Exatamente. Acendeu a luz amarela do quadro de confiança, e se acender a vermelha, significa que há sensação de injustiça. Nesse quadro, o nordestino começa a ficar desconfiado com aquilo que foi prometido para ele. E pior, a Dilma está sinalizando que, na crise, quem irá perder mais é o pobre e não o rico.
IHU On-Line – Então, quem foi o público das manifestações de sexta e de domingo?
Rudá Ricci – A classe média, pelo que vi nas pesquisas. Em Porto Alegre, por exemplo, 44% dos que estiveram nas manifestações recebem mais de 10 salários mínimos. Depois vou analisar esses dados, mas em Porto Alegre, 55% recebem até cinco salários mínimos. Não foi a maioria da população pobre que esteve nas manifestações de Porto Alegre. Estamos analisando as manifestações de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e não vemos negros. Não estou dizendo que não havia pobres nas manifestações, mas a maioria dos pobres não saiu às ruas.
IHU On-Line – Se os pobres serão os mais atingidos com as mudanças e ajustes no governo, por que eles não estariam nas manifestações?
Rudá Ricci – Porque a classe média brasileira é a que mais sofre com o advento do lulismo desde 2002. A classe média brasileira foi a que mais perdeu prestígio social, é a que vem falando que os aeroportos viraram rodoviárias, que os shoppings não estão seguros. Ou seja, a classe média tradicional é a que não recebe nem dinheiro do Programa Bolsa Família, nem aumento real do salário mínimo, nem crédito popular, nem dinheiro do BNDES. Quem perdeu com o lulismo foi a classe média e ela está raivosa. Evidentemente que não foi só ela que saiu às ruas ontem, saíram os pobres também, porque começa a haver, na franja dos segmentos mais pobres do Brasil, uma desconfiança com as promessas do lulismo.
Apostaria — mas é uma aposta pessoal — que o Lula, neste momento, ainda tem um capital político que segura parte dos pobres a confiarem nele, mas não na Dilma. A situação da Dilma é muito pior que a do Lula. A situação dela começa a ficar próxima a do PT: ambos têm uma avaliação pior que a do Lula.
IHU On-Line – Mesmo com essa recusa ao PT, Lula ainda terá espaço na política?
Rudá Ricci – Sim, porque o PT sempre foi menor do que o Lula e menor do que a Dilma. Tanto é que a Dilma, em 2011, fez um governo com o apoio da oposição, como o PSDB. A Dilma passou a ter mais popularidade que o Lula. Logo, o PT sempre foi menos popular que seus governantes. O que está puxando a popularidade do governo para baixo é a economia e a fragilidade política da Dilma. Ela não sabe negociar, não sabe ser tolerante, nem cativante, não é carismática. Ela não é líder; é gestora. O Lula é líder.
IHU On-Line – O Brasil precisa de um gestor ou de um líder?
Rudá Ricci – De um líder. Gestor se encontra em qualquer esquina. Político é alguém hábil forjado na habilidade, na tolerância. Político é quem sabe jogar xadrez. Gestor não sabe nem jogar; olha de maneira retilínea e só pensa no resultado final. O político sabe lidar com a diversidade, como dizia Max Weber, ele tem de saber ouvir e não levar sua verdade como absoluta, porque do contrário ele vira tirano. Só o político tem capacidade de governar um país com a heterogeneidade do Brasil. Mas infelizmente a geração de políticos que aí está é a pior da história do país. São políticos que queriam ser empresários, e estão tratando o Brasil como empresa.
IHU On-Line – Concorda com a tese de que a Nova República acabou?
Rudá Ricci – Essa análise é muito exagerada. No máximo está acabando o governo da Dilma.
IHU On-Line – Houve razões para que os protestos de domingo tenham acontecido?
Rudá Ricci – Há razões, não tenho dúvidas. Há razões, inclusive, para grande parte da base política do lulismo sair às ruas porque há uma dirigente que não nos ouve. Qual é a forma de ela ouvir? Vou explicar melhor o que estou querendo dizer. Acho que o PMDB e o Lula torceram pela manifestação de ontem — talvez não tão grande como a de ontem —, mas torceram.
Neste momento em que estamos conversando, não tem nenhuma liderança da rua discutindo com a Dilma. As pessoas que convocaram as manifestações de ontem são novatas em política, são adolescentes políticos que só sabem reclamar e não propõem nada para mudar o país.
Sabe quem irá pegar essa energia das ruas de ontem? O PMDB. O PMDB vai pegar a força das manifestações de ontem e vai colocar essa força no pescoço da Dilma dizendo que ou ela dá poder a eles, ou eles saem do governo e a lançam para fora. É isso que vai acontecer neste momento. É o campo institucional que mais uma vez vai dar resposta, como aconteceu à época do impeachment do Collor. Os caras-pintadas saíram às ruas, mas quem resolveu foi o Ulysses, ou à época das Diretas, que quem resolveu foi Tancredo, ou ainda como aconteceu em 2013, que os “meninos” saíram às ruas, mas quem resolveu não foram eles.
Agora, de novo irá acontecer isso, porque temos um fosso enorme entre as ruas e a política institucional, tanto de um lado quanto de outro. As manifestações estão sendo fortes por causa desse fosso, mas elas não passam de manifestações por causa desse fosso. O dia que esse fosso tiver uma ligação com o campo institucional, vamos fazer reforma política no país. Enquanto não tivermos essa ligação, o campo institucional vai pegar a ameaça da rua e colocar a faca no pescoço do governante. É isso que está acontecendo agora. O PMDB e também o Lula estão disputando quem passa a governar a Nova República. É por isso que as teses de que a Nova República acabou estão erradas.
IHU On-Line – O senhor chama atenção para a falta de liderança das ruas e diz que os articuladores são adolescentes. Em que diferencia essa manifestação de ontem das de junho de 2013?
Rudá Ricci – Em nada, a não ser talvez o foco. Em 2013 não se tinha um foco; tinha-se uma multiplicidade de bandeiras, mas era algo bem difuso, entrava esquerda, direita. A manifestação de ontem era anti-PT, antigoverno.
Mas do ponto de vista da engenharia política, do potencial político de mudança, é a mesma coisa: assusta, mas não muda nada, porque não há ainda — pode ocorrer — nenhum braço de ligação dessas movimentações com o campo institucional. Eles não falam de reforma política, ou seja, esse pessoal não sabe fazer política: eles sabem sair às ruas e, talvez, mexer nas redes sociais.
Vou fazer um paralelo com o que aconteceu na Espanha: ocorreram manifestações gigantescas em 2012 na Espanha e em 2013 eles deram um novo passo, mas não em direção ao impeachment, ao contrário, abraçaram o Congresso gritando “vão para casa”. Na sequência, ainda em 2013, nasceu um partido e em 2014 nasceu o Podemos que, com cinco meses de existência, elegeu cinco deputados para o parlamento europeu.
Você vê algo parecido acontecer no Brasil? Nada, porque o brasileiro não tem cultura política institucional, não tem cultura democrática. Temos a cultura da queixa: nós nos queixamos do guarda da rua, do técnico de futebol, mas não mudamos nada porque não sabemos ser poder e nem nos propomos a ser poder. A bandeira mais importante de junho era a reforma política. A Dilma a colocou no colo das lideranças políticas e elas disseram que não a queriam. Erraram e agora perderam a onda. Agora estão falando de impeachment, mas se isso acontecer, sabem quem vai governar? OPMDB.
IHU On-Line – Qual deve ser o impacto político das manifestações?
Rudá Ricci – Eu acho que tem um impacto político enorme, mas não a favor dos “meninos” que saíram ontem, o impacto será contra a Dilma. O impacto será mais ou menos o seguinte: é como se estivéssemos vendo um jogo de xadrez, que tem dois jogadores e que tem uma plateia enorme. Essa plateia começou a gritar tanto contra um dos jogadores, que esse jogador ficou abalado. Sabe quem vai ganhar com isso? O adversário dele, mas não a plateia. É isso que estou dizendo. Essa manifestação gigantesca nada mais foi do que uma plateia que vai ver agora o PMDBfazer política, que é o que a plateia não sabe fazer, ela só sabe sair às ruas.
IHU On-Line – A mudança política se dará pela institucionalização?
Rudá Ricci – Não, ao contrário, estou dizendo que o Brasil só vai mudar quando quem sair às ruas parar de ficar fazendo selfie com o celular e começar a discutir política. E qual seria o meio de transformarmos a rua em política? A reforma política. Se mudarmos o campo político, se, por exemplo, impedirmos que um deputado consiga se reeleger mais de uma vez, ou se implantarmos aqui um recall, fazendo com que qualquer político eleito, se não estiver fazendo o que queremos, possa cair na metade do mandato.
Eu sou contra o impeachment, porque o impeachment é um julgamento de pares, entre pares. Eu não quero julgamento entre pares, eu quero o julgamento de quem votou no outro, porque o poder do eleito é meu, eu sou o dono do mandato. Como, agora, eu pego e mando outra pessoa, que foi escolhida por mim, decidir o que eu quero? Isso é o que gera corrupção. O que o pessoal que vai à rua não entende é que, neste momento, porque não se discute política, está aumentando a corrupção, porque tem muito partido que está colocando o dedo no olho do governo e falando se o governo quer apoio, terá de dar mais cargos, mais dinheiro.
A ingenuidade das ruas
É ingenuidade esses milhões, esses milhares que saíram às ruas no domingo e na sexta-feira fazerem o que eles estão fazendo mais uma vez neste país. Essa é a quinta manifestação de rua desde o início da Nova República, que não vai dar em nada no final das contas. Mesmo que a presidente caia, quem vai governar são os mesmos de sempre, porque as ruas não querem falar do campo institucional, e política se faz com Estado, a não ser que todos sejam anarquistas ou comunistas. Tem que entrar no Estado e mudar o Estado para fazer política, porque senão eles serão simplesmente massa de manobra de quem sabe fazer política.
IHU On-Line – Qual é a perspectiva agora?
Rudá Ricci – Eu diria o seguinte: qual é a solução do governo neste momento? É radicalizar. Qual é a radicalização que a presidente pode fazer? Em primeiro lugar, mudar o ministério dela em peso.
Em segundo lugar, algumas ações que neste momento terão de ser espetaculares; ela precisa alimentar o “cachorro louco”. Então ela precisa jogar algumas cabeças na arena, ou seja, aumentar imposto sobre as riquezas, radicalizar em algum outro item que não seja muito exagerado, mas que diga “olha, eu ouvi mesmo o que vocês estão pedindo”, garantir emprego.
Ela terá que jogar fora o pacote econômico, ela terá que fazer algo diferente, mas o que ela estava fazendo é um cadafalso.
Bom, se ela não fizer isso, o que vai acontecer com ela? Em primeiro lugar, ela fica na mão do PMDB, porque o PMDB é quem tem voto no Congresso. Então, se Dilma não conseguir reconstruir sua imagem pública, ela irá depender cada vez mais do Congresso, e depender do Congresso é PMDB. Se eu fosse do PMDB, eu estaria neste momento ameaçando sair do governo, porque este é o momento ideal para negociar, por exemplo, que o Renan Calheiros e que o Eduardo Cunha não sejam, nem de longe, arranhados pela lista do Janot. É nesse sentido que estou dizendo que o pessoal da rua vai dar força a corruptos. E é isso que eles não entendem.
Aí o governo passa a ser do PMDB, como o governo do Sarney foi do Ulysses Guimarães, por isso eu acho que a tese do fim da Nova República está completamente errada. Nunca estivemos tão perto da Nova República como agora. Porque nós temos o PMDB de novo governando o país, sem ter sido eleito para isso, como foi na época do Sarney.
Terceira possibilidade, a situação econômica piora, o PMDB isola o governo Dilma, as manifestações de abril passam a ser maiores do que as de agora, há uma solução radical: a Dilma convocar um Pacto Nacional e novas eleições. Isso ela pode, mas aí a oposição terá que ceder, ou seja, como se fosse parlamentarismo, porque isso só dará certo se ela fizer um acordo com toda a linha sucessória, ou seja, ela renuncia, o vice renuncia, o presidente do Senado renuncia e o Supremo Tribunal Federal, que é o último da linha sucessória, concorda em convocar novas eleições. Aliás, acho que a Constituição define que a nova eleição deve ser convocada em 90 dias. Então, essa seria a solução trágica.
IHU On-Line – Mas como enxerga que isto poderia resolver a situação?
Rudá Ricci – A tempestade perfeita — para usar o termo da economia do Delfim Neto — é se você conjugar uma ampla manifestação em abril, que já está sendo convocada, com a piora dos indicadores sociais — o desemprego em especial — e o abandono e afastamento do PMDB do governo. Se juntar estes três elementos nós teremos o xeque-mate do governo Dilma.
IHU On-Line – Qual é o seu ponto? O que mudaria com as novas eleições em relação ao que temos hoje, uma vez que a crise econômica e social continuaria?
Rudá Ricci – Você sacia as ruas, você vira a página.
IHU On-Line – Mas os problemas não se resolvem.
Rudá Ricci – Aí que está a falta de inteligência da agenda de domingo. Se você quer a “cabeça” da presidente e ela te dá, acabou.
IHU On-Line – Mas o pedido pela “cabeça” da presidente não está mais ligado a uma situação de insatisfação geral no Brasil do que ao nome da presidente em si?
Rudá Ricci – Você tem razão e é isto que estou dizendo. O problema é a ingenuidade e a adolescência política das manifestações de domingo. Ou seja, quando você pega e coloca como foco a “cabeça” do governo e o PT, basta você afastar o PT e a presidente que todo mundo vai ficar como está.
Então esta é a burrice que eu estou vendo de ontem. Se você quer mudar o país, você tem que falar: nós queremos uma nova política econômica. Foi isso que se discutiu na Grécia, na Espanha, na Islândia em 2008, na Revolução das Panelas. Ou seja, olha-se para o campo institucional e se diz: essa política econômica é ruim, essa política social é ruim, e não é assim que se aplica a Constituição.
IHU On-Line – Quem irá fazer isso?
Rudá Ricci – Nós estivemos a um passo disso em junho de 2013. Na minha perspectiva de mudança sociológica, hoje, por incrível que pareça, nós estamos muito mais distantes de mudar efetivamente a política brasileira do que em 2013. Neste momento são pessoas despolitizadas nas ruas, com ódio, com rancor. Sabe quem ganha? Quem sabe jogar mais.
Em 2013 todo mundo que sabia jogar no campo institucional estava pendurado pela corda, ali ninguém tinha poder, ali era a rua quem tinha poder, só que a rua não se lançou para a reforma, aí ficou ocupando Câmara e Prefeitura e acabou.
IHU On-Line – Não há saída, por enquanto?
Rudá Ricci – Eu espero que as forças de junho consigam voltar à tona. E espero que aquelas lideranças, até partidárias, sociais que são responsáveis pelo país e até pessoas como eu, ou seja, analistas, intelectuais, jornalistas, assumam a responsabilidade pelo país e tentem colocar um pouco o debate no eixo. Eu não sei se vamos conseguir colocar o país no eixo, mas ao menos o debate. E sem reforma do Estado, não vamos mudar este país, porque nós temos sempre uma elite que só pensa em si para governar o Brasil.
IHU On-Line – O senhor gostaria de acrescentar algo?
Rudá Ricci – Estou sentindo que a situação está piorando; é isso que eu quis dizer. Estamos caminhando para uma situação muito perigosa como foi a gestão Jânio Quadros, ou seja, há um isolamento muito acelerado da presidente, perdendo apoio dos partidos mais importantes. Quando o presidente perde a autoridade e o respeito, aí a política vira a pior possível e acho que a presidente está perdendo a autoridade e o respeito, e não é só das ruas, é dos aliados. Eu já vi isso, será horrível, horrível.