Confira Nota Pública da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo contra nomeação de um escravocrata para órgão no governo de Flávio Dino, no Maranhão. “Governador, não perca a oportunidade de, revendo a decisão questionada, manifestar sua determinação política de defender e promover a política nacional de erradicação do trabalho escravo hoje atacada em várias frentes. Governador, que seu sim seja sim e que seu não seja não. O resto é diabólico”, exige o documento
O Governador do Maranhão acaba de nomear como seu assessor especial na Casa Civil, Camilo Figueiredo, ex-deputado e sócio de empresa da família, flagrada em 2012 pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, com trabalhadores em regime de escravidão. Em junho de 2013 a empresa – Líder Agropecuária – foi incluída na Lista Suja do trabalho escravo.
Vindo de outro qualquer político, essa notícia seria infelizmente mais uma triste confirmação da pouca consideração que parte das nossas elites continua tendo para com o compromisso nacional de erradicar o trabalho escravo, firmado em 2003 pelo Brasil.
Com trajetória respeitada na militância contra o trabalho escravo, o antigo representante da Associação dos Juízes Federais na CONATRAE, Flávio Dino, seria mais um governante a sacrificar princípios sagrados em nome da oportunista “governabilidade” e da “real politik”?
Salvo por complicada ginástica argumentativa, não é possível justificar, como tentou fazer a sua Secretaria de Comunicação Social[1], a nomeação, para cargo de confiança, de um político envolvido na prática de trabalho escravo, como revelou o flagrante realizado em Codó, MA, na fazenda Bonfim, de sua propriedade – em sociedade, por meio da Líder Agropecuária, empresa que, à época, constava da declaração de bens de Camilo Figueiredo, então deputado pelo PSD.
Hoje inserido na máquina do Governo maranhense como sempre foram seus pares, Camilo Figueiredo é mais um representante do latifúndio maranhense: grila terras, grila vidas.
Segundo a CPT local (Diocese de Coroatá), Figueiredo e sua família – seu pai foi prefeito de Codó – estão envolvidos “em diversos conflitos agrários na região dos Cocais, em especial na Comunidade quilombola de Puraquê, onde homens armados, inclusive com a presença de alguns policiais, tentaram expulsar dezenas de famílias”.[2]
Segundo informação dos fiscais que resgataram da sua fazenda sete trabalhadores mantidos em condição análoga à de escravos, “a água consumida no local era a mesma que a utilizada pelos animais da fazenda. Retirada de uma lagoa suja, com girinos, ela era acondicionada em pequenos potes de barro e consumida sem qualquer tratamento ou filtragem. Os empregados tomavam banho nesta lagoa e, como não havia instalações sanitárias, utilizavam o mato como banheiro. Os trabalhadores resgatados cuidavam da limpeza do pasto e ficavam alojados em barracos feitos com palha, sem proteção lateral, e eram habitados por famílias inteiras, incluindo crianças. Em noites de chuva, as redes onde dormiam ficavam molhadas e todos sofriam com o frio”. Características típicas de condições degradantes que, no ordenamento legal brasileiro, trazem a qualificação jurídica de “condição análoga à de escravo”, de acordo com o artigo 149 do Código Penal: quando a pessoa é tratada como coisa, pior que animal.
Por este motivo, após um ano, tendo exercido seu direito ao contraditório, o nome do responsável por esta prática foi incluído no “Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo”, conhecido como “Lista Suja do trabalho escravo”. Segundo a regra deste Cadastro, criado em 2003, o nome fica dois anos na Lista até poder ser retirado, tendo o empregador sanado os problemas, pago as pendências e não ter apresentado reincidência no crime.
A nomeação de Camilo Figueiredo contradiz frontalmente o engajamento explícito que o candidato Flávio Dino assumiu ao assinar, em 30 de setembro de 2014, a Carta-Compromisso contra o trabalho escravo, proposta pela CONATRAE a todos os candidatos a cargo de governo. A mesma estipulava, in fine: “Garanto que será prontamente exonerada qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob minha responsabilidade que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra.” A inclusão do nome da Líder Agropecuária na Lista Suja constitui indicativo suficiente de que Camilo Figueiredo se beneficiou desse tipo de prática. E sua nomeação em conhecimento de causa é claro sinal de ruptura do compromisso.
Não pode ser aceito o hipócrita argumento apresentado pelo Governo maranhense de que “Camilo Figueiredo foi nomeado ‘após análise de todos os requisitos legais’ (…). Não foi verificado qualquer impedimento previsto em lei. [Pelo fato do servidor não constar em nenhuma lista de trabalho escravo], é impossível a seus superiores hierárquicos aplicar sanções com base em fatos ainda sem existência jurídica”. É notório que, desde o dia 27 de dezembro de 2014, pela decisão liminar tomada monocraticamente pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, em pleno recesso do Judiciário e em pronto atendimento à demanda de um lobby de construtoras, a ABRAINC[3], a Lista Suja adquiriu status de invisibilidade, sendo suspensa a sua publicação, no aguardo ainda da apreciação do caso pelo pleno do STF. Os autos da fiscalização, porém, não deixaram de existir, nem a lista no seu funesto esconderijo, mantendo aos fatos apurados a mesma qualificação legal. Além do mais, com base na Lei de Acesso à Informação, todo cidadão tem a possibilidade legal de conhecer o nome dos empregadores fiscalizados pelo Ministério do Trabalho e autuados por trabalho escravo. Basta solicitar.[4]
Nessa altura, só não vê quem não quer ver.
A exemplo do BNDES e da Caixa Econômica, que já franquearam financiamento aos incluídos na última lista suja conhecida (a de junho de 2014, com mais de 600 nomes), o Governo do Maranhão já estaria tomando como caso encerrado a supressão da Lista Suja, sem nem esperar a deliberação do STF nem consultar o Ministério do Trabalho e Emprego a respeito? E Flávio Dino estaria disposto a ratificar assim o desmantelamento programado da política nacional de erradicação do trabalho escravo após 20 anos de corajosa construção?
Governador, não perca a oportunidade de, revendo a decisão questionada, manifestar sua determinação política de defender e promover a política nacional de erradicação do trabalho escravo hoje atacada em várias frentes.
Governador, que seu sim seja sim e que seu não seja não. O resto é diabólico. (Mt, 5, 37)
Campanha Nacional da CPT contra o Trabalho Escravo
Goiânia, 06 de março de 2015.