CPP Nacional – A edição de março do jornal Mundo Jovem traz artigo do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) sobre as comunidades tradicionais pesqueiras do Brasil. O modo de vida, a cultura e a religiosidade dessas populações tradicionais ganham espaço no veículo que também aborda como o modelo de desenvolvimento vigente no Brasil vem ameaçando a existência de pescadoras e pescadores artesanais. Leia o artigo:
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Pescadores e pescadoras artesanais: arte e sustento em terras e águas brasileiras
Elionice e Rosalvo fazem parte dos cerca de 1,5 milhões de pescadores e pescadoras artesanais que integram comunidades tradicionais pesqueiras espalhadas por todo Brasil. De norte a sul, elas vivem ao longo dos 8.500 km da costa brasileira e em torno dos 13% das águas doces do mundo localizadas no país.
Rosalvo da Silva é pescador artesanal no município de Petrolândia, no Sertão pernambucano. Com 64 anos, ele exerce a atividade da pesca desde a adolescência, oficio ensinado por seus pais em uma tradição de troca de saberes passados de geração a geração. A alguns quilômetros da região de Rosalvo, em Salinas da Margarida, na Bahia, vive Elionice Sacramento, jovem pescadora que também tira das águas seu modo de vida.
As comunidades tradicionais pesqueiras são assim chamadas por terem na pesca sua principal atividade, desenvolvida em espaços de terra e água conhecidos como território pesqueiro. Carregados de mística e da magia dos conhecimentos pesqueiros, como técnicas e apetrechos tradicionais que retiram da natureza o que ela é capaz de repor, esses ambientes são fundamentais para manter o modo de vida e a reprodução social dessa população tradicional.
Cultura e fé
As comunidades pesqueiras possuem riquezas culturais diversas, múltiplas religiosidades, crenças, danças e festejos. Suas manifestações mais conhecidas são as cirandas, o coco e o samba de roda, o samba de veio, o fandango, os bordejos e a puxada de rede. No campo da fé, as devoções a São Pedro, padroeiro dos povos pesqueiros do país, unem as crenças dos pescadores e das pescadoras.
A criatividade é marca destas comunidades. Assim, elas acumulam inúmeros contos, lendas e causos, em que misturam a imaginação e as experiências que vivenciam na beleza e nos riscos de ser pescador e pescadora artesanal.
As comunidades pesqueiras estabelecem com as águas dos rios, dos mares, dos manguezais e das lagoas relações de convivência e respeito, o que contribui com a conservação do meio ambiente e a manutenção da riqueza dos recursos naturais. Essa forma de lidar com a natureza é refletida em uma produção saudável, já que existe aí um cultivo livre de insumos químicos.
Luta e resistência
Segundo as comunidades, o peixe, a lagosta, o marisco, o caranguejo, e tantos outros frutos do mar e dos rios, originários da pesca artesanal, representam cerca de 70% do pescado nacional de qualidade. Essa produção abastece a mesa dos brasileiros, contribuindo com sua segurança alimentar e nutricional.
No entanto, o modo de vida e a própria existência dessas comunidades estão em risco, o que tem levado diversos pescadores e pescadoras artesanais do país a estabelecerem processos de luta e resistência. Essas ameaças, que levam a vários casos de violação de direitos humanos, são representadas pelo avanço desordenado dos grandes projetos e empreendimentos, além da Aquicultura (criação de peixe em cativeiro e com uso de produtos químicos) e da Pesca industrial, que invadem os territórios pesqueiros expulsando das terras e das águas quem ali sempre viveu e preservou.
O que acontece no Brasil é um processo silencioso de extermínio das populações tradicionais. Cada vez mais se faz necessário o conhecimento da sociedade sobre as situações que se encontram as comunidades pesqueiras do país. Organizados no Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e em outras organizações a nível nacional e local, como associações, colônias, sindicatos e cooperativas, os homens e as mulheres das terras e das águas estão se articulando na luta por políticas que respeitem seu modo de vida e que os incluam nas dinâmicas de desenvolvimento do Estado.
A força que brota na união dos grupos pesqueiros está viva e avança para tornar visível toda a magia e a importância que esses povos representam para o Brasil e para a humanidade.
Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras
Em 2012, foi lançada a Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, propondo um projeto de lei que garanta o direito ao território das comunidades pesqueiras do país. Para que a proposta chegue ao Congresso Nacional, é preciso a assinatura de 1.5000.000 eleitores brasileiros.
A Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras também está presente reafirmando a importância em se defender o território pesqueiro.
Foto: Uendel Galter