Não dá mais para desprezar os impactos do desenvolvimento a qualquer custo

Por Amelia Gonzalez, no G1

Cento e sessenta e sete árvores derrubadas é o primeiro dos muitos transtornos que estão sendo esperados pelos moradores de Duque de Caxias por conta da já anunciada inauguração, para outubro deste ano, de um shopping no Centro da cidade. O calor já aumentou e já há mais mosquitos depois que a área verde foi retirada para dar lugar às torres de concreto no espaço de 11,5 mil metros quadrados.

Inconformados, cidadãos associados em 29 instituições (sindicatos, museus, associações de moradores , movimentos sociais etc) criaram um Fórum de Oposição e Resistência ao Shopping (Foras), que perpetua uma luta muitas vezes inglória, já retratada até na ficção, do homem contra o capital que chega prometendo empregos, geração de renda e atropelando os recursos naturais já em escassez.

Pedro Pereira, coordenador do Centro de Defesa dos Direitos da Criança (Cedeca) foi quem me contou sobre o movimento da sociedade civil de Caxias que está se reunindo todas as quintas-feiras na Catedral de Santo Antonio, tradicional na região. A história é aquela que se repete: inconformadas com o que chamam de “omissão do poder público”, pessoas passam a funcionar como representantes da sociedade civil e tentam gerar algum tipo de barulho para chamar a atenção, inclusive da mídia, sobre o problema. Encontrei Pedro Pereira na quarta-feira (4), quando ele estava indo para uma audiência no Ministério Público Federal a respeito do assunto:

“Não teve resultado nenhum aquela reunião porque o procurador que nos recebeu não estava ciente do inquérito civil que foi instaurado no ano passado. Vamos ter que nos reunir de novo”, contou-me ele nesta sexta-feira (6), por telefone.

Como se vê, os caminhos são difíceis para que os cidadãos – mesmo quando reunidos e instituídos, como exige o poder público – sejam ouvidos. Esta história começou há dois anos, quando os moradores de Duque de Caxias reiniciaram um movimento pelo tombamento da Escola Dr. Álvaro Alberto, colada ao terreno onde o shopping será erguido, justamente com o intuito de preservar um monumento construído em 1921 e que hoje, por conta da derrubada das árvores, já está apresentando rachaduras no muro e na quadra, segundo informações que Pedro Pereira me enviou por e-mail.

Ao mesmo tempo, os párocos da Catedral de Santo Antonio – sede da diocese de São João de Meriti e de Duque de Caxias – também vizinha ao megaempreendimento, começaram a se sentir ameaçados.  Os dois grupos – escola e igreja – se encontraram há um ano e decidiram criar o Foras.

Aos jornais, a empresa que cuidará de erguer o shopping anunciou um certo conformismo diante da insatisfação da sociedade com seu trabalho. E acenou com números que certamente farão balançar os alicerces dos queixosos: 4.500 empregos (não se sabe se esse número é só da fase de construção) e R$ 28 milhões de arrecadação de impostos. Mobilidade urbana caótica, rede de captação de esgoto já saturada, fechamento do pequeno comércio local que levará desemprego a centenas de pessoas… serão males postergados por aqueles que se deixarão levar pela promessa de sucesso imediato. Não estou sendo pessimista.

O que o Foras quer, porém, é ir mais fundo e checar informações sobre impactos ambientais do empreendimento. Como não conseguem saber o que querem através das secretarias municipais, os cidadãos pediram apoio ao Ministério Público e à Defensoria Pública da União.

O Cedeca, coordenado por Pedro Pereira, fez uma representação e propôs uma Ação Civil Pública para tombar a escola quase centenária. Tudo está em andamento, seguindo o sempre lento e anacrônico tempo da Justiça.

“Somos contra a obra por todos os impactos negativos que ela vai trazer ao entorno, mas principalmente porque vivemos na cidade e queremos que o direito constitucional de acesso à informação seja respeitado e que os moradores sejam reconhecidos como cidadãos, e não apenas como contribuintes, que através de uma construção coletiva pensam e planejam a cidade onde vivemos e onde devem viver nossos descendentes”, diz o texto que recebi de Pedro por e-mail.

É um processo vagaroso, necessário, mas espinhoso, o de não se deixar levar unicamente pelo canto da sereia do sucesso a qualquer custo. Não dá mais para fechar olhos e ouvidos tanto para os limites planetários quanto para os limites urbanos. Regiões já densamente povoadas costumam atrair empreendimentos que, dentro do sistema de “business as usual”, serão beneficiados e causarão benefícios. No pensamento econômico, quanto mais gente gastando, mais capital girando.

Se empreendedores em Caxias julgam inúteis as informações sobre superação de fronteiras do planeta que nos chegam de cientistas do mundo todo, ao menos que parem para pensar no impacto severo que causarão ao entorno demonstrado pelos estudos feitos pelas representações civis. Talvez dê para conversar e se chegar a um novo projeto melhor para todos.

É o que acaba de acontecer no Paraná. Por coincidência, recebi nesta mesma semana uma mensagem da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná, dando conta de uma luta semelhante que já conseguiu, ao menos, paralisar uma obra para que mais atores possam opinar e sugerir mudanças em prol do meio ambiente.

O empreendimento habitacional na área Mata Arroio dos Pereiras, no centro do município de Irati, foi temporariamente suspenso após um acordo entre Governo do Estado, Prefeitura Municipal e os proprietários da área, diz o e-mail que recebi. A decisão foi tomada nesta quinta-feira (5), durante reunião em que surgiu a proposta da criação de um grupo técnico do Estado e Prefeitura de Irati para avaliar a possibilidade de implantação de um parque municipal no local.

Defesa animal

Para terminar, mudo um pouco de assunto, mas só um pouco. É que devido ao meu último post em que relato a mortandade de bichos mundo afora para satisfazer um mercado ilícito, recebi uma mensagem do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, ONG que eu desconhecia.

A notícia é que essa rede começou uma campanha para que um frigorífico se comprometa com o fim do confinamento de porcas reprodutoras em gaiolas, prática muito cruel que já proibida em diversos países e foi abolida por outras empresas do setor.

O Fórum informa que uma pesquisa feita pelo Instituto Akatu dá conta de que 87% dos brasileiros entrevistados condenam sujeitar animais a sacrifícios e dores enquanto esperam morrer para servir de alimento aos humanos. Não me surpreende. Além disso, em todos os 28 países-membros da União Europeia, a proibição do confinamento contínuo em gaiolas entrou em vigor em 2013.

Não publico o nome do frigorífico em questão, foco da campanha, porque não pude entrevistar nenhum representante dele e porque o que me interessa agora nessa notícia, especificamente, é, de novo, focar na mobilização de pessoas para conseguir um objetivo.

Filósofo e sociólogo, o pensador francês Gabriel Tarde (1843 – 1904) dedicou uma obra “A opinião e as massas” (Ed. Martins Fontes) à propagação dos comportamentos sociais, o contágio das multidões. E alertou para a ideia de organização e método para se conseguir algo fugindo da inconsequência das multidões. Gosto de pensar sobre isso.

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