Diante da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal proibindo o governo federal de divulgar a “lista suja” do trabalho escravo, solicitei, com base na Lei de Acesso à Informação, que o Ministério do Trabalho e Emprego (responsável pela lista desde 2003) fornecesse os dados dos empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final, entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014. Ou seja, um conteúdo aproximado do que seria a “lista suja” se estivesse disponível.
O extrato com o resultado foi recebido nesta sexta (6) e pode ser obtido abaixo.
Baixe a “lista suja” do trabalho escravo alternativa, clicando aqui (para versão em pdf) e aqui (para versão em xls).
Em meio ao plantão do recesso de final de ano, o ministro Ricardo Lewandowski garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo (cadastro de empregadores flagrados com esse tipo de mão de obra). A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro, afirmando, entre outros argumentos, que ele deveria ser organizado por uma lei específica e não uma portaria interministerial, como é hoje.
Os nomes permaneciam na “lista suja” por, pelo menos, dois anos, período durante o qual o empregador deveria fazer as correções necessárias para que o problema não voltasse a acontecer e quitasse as pendências com o poder público. Com a suspensão, uma atualização da relação que estava para ser divulgada no dia 30 de dezembro foi bloqueada. O cadastro, criado em 2003, é um dos principais instrumentos no combate a esse crime e tido como referência pelas Nações Unidas.
Considerando que a “lista suja” nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, solicitei, por meio da ONG Repórter Brasil, e com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) – que obriga o governo a fornecer informações públicas – e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 o seguinte:
A relação com os empregadores que foram autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa transitada em julgado, entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014, confirmando a autuação, constando: nome do empregador (pessoa física ou jurídica), nome do estabelecimento onde foi realizada a autuação, endereço do estabelecimento onde foi caracterizada a situação, CPF ou CNPJ do empregador envolvido, número de trabalhadores envolvidos e data da fiscalização em que ocorreu a autuação.
Ou seja, uma relação com o conteúdo mais próximo e atualizado o possível do que seria a “lista suja”, caso ela estivesse desbloqueada.
Não seria possível pedir o conteúdo exato porque a decisão do ministro Lewandowski, atendendo à Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Abrainc (ADI 5209), exigiu a suspensão da eficácia das portarias que criaram e mantêm a lista. A questão, portanto, não é apenas de divulgação, mas da existência do próprio cadastro. Por enquanto, por conta da decisão, deixou de ser atualizado.
Vale ressaltar que alguns empregadores que haviam obtido liminar judicial para terem seus nomes excluídos da “lista suja” original nos últimos meses aparecem nesta lista, uma vez que este extrato das autuações não sofre influência das decisões judiciais.
Outros que estavam na lista, mas tiveram seus processos administrativos finalizados antes de 2012, podem ter ficado de fora. O período de dois anos foi usado como referência por ser o tempo de permanência de qualquer empregador na “lista suja”, de acordo com a portaria que criou o cadastro.
Apenas como parâmetro de comparação, a última versão da “lista suja”, divulgada em julho de 2014, contava com 575 nomes. O extrato entregue pelo MTE possui 404 nomes de empregados pessoas física e jurídica. Conta com nomes, entre outros setores, de fazendas de gado, usinas de cana (como a Zihuatanejo do Brasil Açúcar e Álcool), empresas da construção civil (tal como a OAS), e do setor têxtil (a exemplo da Zara Brasil).
Direito à informação – De acordo com a sustentação da solicitação desse extrato, produzida pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (Cadhu), a sociedade brasileira depende de informações oficiais e seguras sobre as atividades do Ministério do Trabalho e do Emprego na fiscalização e combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
Informação livre é fundamental para que as empresas e outras instituições desenvolvam suas políticas de gerenciamento de riscos e de responsabilidade social corporativa. A portaria que regulamentava a suspensa “lista suja” não obrigava o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garantia transparência. Muito menos a relação aqui anexa. São apenas fontes de informação a respeito de fiscalizações do poder público.
Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais, sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.
Após a suspensão do cadastro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal, que usavam o cadastro antes de fechar novos negócios, deixaram de checar casos de trabalho escravo.
Outros bancos privados e empresas demonstraram sua preocupação ao Ministério do Trabalho e Emprego quanto à necessidade de ter a “lista suja” de volta para garantir análise de crédito e para possibilitar a formalização de novos negócios sem riscos.
Vale ressaltar que esta reportagem não desrespeitou a decisão judicial do STF porque não solicitou a “lista suja” prevista nas portarias e sim informações públicas com as características descritas acima, que são balizas bem próximas às do cadastro original.
A Advocacia Geral da União e a Procuradoria Geral da República já recorreram da decisão do ministro Lewandowski de suspender a “lista suja”. Não há prazo para julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Curiosamente, a MRV, que está na presidência da Abrainc, não consta desta relação. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, o processo administrativo dos flagrantes de trabalho escravo envolvendo a empresa finalizou antes de 2012.
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Foto: No campo, extração de carvão para siderurgia é foco de trabalho escravo. (foto: reprodução)