Por Ruth Previati e Cesar Mangolin
Não queremos dar ibope para uma besta como o Alexandre Frota, muito menos para o sujeito que o entrevistava, menos ainda para os que relincham de prazer diante do preconceito e da violência. Apenas chamar a atenção para dois aspectos do ocorrido. Queremos apenas propor uma reflexão rápida…
Óbvio que não haveria nada de interessante de uma figura escrota sendo entrevistada por outro tonto que já demonstrou inúmeras vezes que é preconceituoso e acredita que fazer piada é, necessariamente, ridicularizar pessoas e, especialmente, os mais pobres, os socialmente mais vulneráveis, os que são marginalizados. Há uma geração desses por aí…
Mas os dois aspectos que queremos ressaltar são os dois crimes confessados ali… Isso! Dois crimes! Estupro é crime e discriminação e/ou intolerância religiosa é crime e, ambos, não têm graça alguma.
Mas o que mais assusta mesmo é isso: no processo da narração do infeliz episódio, a platéia ria e aplaudia… O apresentador, Rafinha Bastos, pediu um salva de palmas para aquela “história” no final e se portava como se o sujeito ali estivesse contando um grande feito… Os abanadores de orelhas não têm limites…
Pois bem… por que achavam graça de algo tão grotesco e violento? Temos certeza de que o desprezo (que é cultural) por dois elementos envolvidos na história faz com que não se pense na violência (direta e simbólica)… É como se esses dois elementos merecessem qualquer tipo de tratamento, ou não merecessem respeito… Esses dois elementos são a MULHER e a religião AFRO-BRASILEIRA.
Quanto à MULHER, apenas lembramos que no Brasil a cada 12 SEGUNDOS uma mulher é estuprada… Por essa média, somente no tempo em que você está lendo este texto até aqui, duas mulheres já foram vítimas dessa violência brutal… Insistimos: 12 SEGUNDOS!!! São mais de 50.000 casos por ano… Fora a violência física, a dupla ou tripla jornada de trabalho, receber menos pelo mesmo trabalho realizado pelo homem etc.. Todos e todas ouvem essas estatísticas, mas ainda assim a mulher é vista como um objeto que pode ser submetido à vontade de quem tem mais força… E essa força não é física: é social, é cultural… A mulher, mesmo vítima da violência, é culturalmente vista como alguém passível desse tipo de violência e é socialmente culpabilizada pela violência que sofreu… Chega a dar pena, inclusive, perceber que a maior parte do auditório que ria e aplaudia era composto de mulheres…
Quanto às religiões AFRO-BRASILEIRAS podemos pensar na mesma disposição cultural e social que se tem com relação às mulheres. A vestimenta – “roupa da baiana” – que é citada na narrativa – é símbolo de força feminina, luta, resistência e religiosidade.
O chão de um Ilê Asè ou barracão/terreiro/templo é sagrado, assim como as respectivas vestimentas representam ancestralidade, entre outras coisas. O candomblé e a umbanda são religiões como quaisquer outras e associá-los ao “mal” é um equívoco que precisa ser desfeito. Esse tipo de discriminação e agressão se repete há séculos, nossos ancestrais foram massacrados, assim como sua cultura e religião. Não se pode admitir que esse tipo de opressão ainda aconteça em pleno século XXI.
Aliás, o Candomblé e a Umbanda são religiões que deveriam servir de exemplo no trato com o humano: todos os que procuram esses espaços são acolhidos igualmente, independentemente de sua etnia, gênero, origem social, orientação afetiva e sexual… Também são as únicas religiões nas quais as mulheres têm uma grande representatividade (talvez maior que a dos homens) na liderança, ocupando os postos mais relevantes das suas hierarquias.
Enfim, temos certeza de que se a história ocorresse num espaço (templo) de uma religião que não vem dos escravizados e se a vítima da violência não fosse uma mulher, ninguém teria achado graça, nem o infeliz contaria a história… Pense aí: caso fosse um homem e o nome do representante da religião e suas respectivas casa sagrada, vestimentas, forma de auxílio e orientação espiritual fossem mudados, também seria tão engraçado para o apresentador e aplaudido pela platéia? Soaria da mesma forma?
Vamos testar então se fica engraçado!!! Reproduzimos alguns trechos da entrevista de forma quase literal. O discurso do infeliz entrevistado é misógino e estimula o estupro, e ao mesmo tempo é preconceituoso com relação às religiões afro-brasileiras. Vejamos como ficaria o mesmo discurso quando colocamos no lugar da mulher líder religiosa, o homem líder religioso; também quando colocamos no lugar de uma religião afro-brasileira alguma outra religião tradicional. Vejamos se a historinha fica com o tom de naturalidade e graça e se ainda merece risos e aplausos:
Eu comi um RABINO cara… entrei na PORRA DA SINAGOGA lá… fiquei olhando ele virado e falei: esse rabino tem um jogo aí, dá pra comer… falo pro rabino: quero te comer?O rabino pode fazer um mal grande para mim, mas eu vou comer, malandro, porque ele é bom, eu estava olhando pelas canelas, sacou? Fiquei olhando aquele bundão e falei: vou comer, vou pegar… Eu não acredito nessas coisas que você faz mas e aí, tem jogo? Ele não falou nada…TIREI O SEU BEKISHE, SEU QUIPÁ E XALE DE ORAÇÕES CAÍRAM E AGARREI O RABINO PELA NUCA… E COMECEI A SAPECAR O RABINO… Eu tava a fim de gozar, né ? Cara, eu fiz tanta pressão na nuca do homem que ele dormiu, ele apagou igual no “ultimate”… acabei a parada e… levanta aí Ô RABINO FILHO DA PUTA: levanta aí… ele apagou.
Eu comi um PADRE cara… entrei na PORRA DA IGREJA lá… fiquei olhando ele virado e falei: esse padre tem um jogo aí, dá pra comer… falo pro padre: quero te comer? O padre pode fazer um mal grande para mim, mas eu vou comer, malandro, porque ele é bom, eu estava olhando pelas canelas, sacou? Fiquei olhando aquele bundão e falei: vou comer, vou pegar… Eu não acredito nessas coisas que você faz mas e aí, tem jogo? Ele não falou nada… LEVANTEI SUA BATINA, SEU TERÇO CAIU E AGARREI O PADRE PELA NUCA… E COMECEI A SAPECAR O PADRE… Eu tava a fim de gozar, né? Cara, eu fiz tanta pressão no homem que ele dormiu, ele apagou igual no” ultimate”… acabei a parada e… levanta aí Ô PADRE FILHO DA PUTA: levanta aí… ele apagou.
Eu comi um PASTOR cara… entrei na PORRA DO TEMPLO lá… fiquei olhando ele virado e falei: esse pastor tem um jogo aí, dá pra comer… falo pro pastor: quero te comer? O pastor pode fazer um mal grande para mim, mas eu vou comer, malandro, porque ele é bom, eu estava olhando pelas canelas, sacou? Fiquei olhando aquele bundão e falei: vou comer, vou pegar… Eu não acredito nessas coisas que você faz mas e aí, tem jogo? Ele não falou nada…ABAIXEI SUA CALÇA E AGARREI O PASTOR PELA NUCA… E COMECEI A SAPECAR O PASTOR… Eu tava a fim de gozar, né? Eu fiz tanta pressão no homem que ele dormiu, ele apagou igual no “ultimate”… acabei a parada e… levanta aí Ô PASTOR FILHO DA PUTA: levanta aí… ele apagou.
Eu comi um PROFETA cara… entrei na PORRA DA MESQUITA lá… fiquei olhando ele virado e falei: esse profeta tem um jogo aí, dá pra comer… falo pro profeta: quero te comer? O profeta pode fazer um mal grande para mim, mas eu vou comer, malandro, porque ele é bom, eu estava olhando pelas canelas, sacou? Fiquei olhando aquele bundão e falei: vou comer, vou pegar… Eu não acredito nessas coisas que você faz mas e aí, tem jogo? Ele não falou nada… LEVANTEI O SEU THOUBH , SEU TAQIYAH CAIU, E AGARREI O PROFETA PELA NUCA… E COMECEI A SAPECAR O PROFETA… Eu tava a fim de gozar né? Cara, eu fiz tanta pressão no homem que ele dormiu, ele apagou igual no “ultimate”… acabei a parada e… levanta aí Ô PROFETA FILHA DA PUTA: levanta aí… ele apagou.
Agora, leia de novo o história que foi contada…
Essa é praticamente a íntegra dos trechos retirados do vídeo:
“eu comi uma mãe de santo… entrei na porra do terreiro… fiquei olhando ela virada e falei: essa mãe da santo tem um jogo ai , dá pra pegar, dá pra comer… falo pra mãe de santo: quero te comer? Mãe de santo pode fazer um mal grande pra mim… mas eu vou comer, malandro, porque ela é boa, eu tava vendo pelas canelas, sacou? – Nesse momento uma menina da platéia simula, orientada por ele, a situação. – MEXE NAS VELAS, NO PRATO DE FAROFA, NESSAS PARADAS…fiquei olhando aquele bundão e falei: vou comer, vou pegar… eu não acredito nessas coisas que você faz mas e aí, quero te dar um pega,tem jogo? Ela não falou nada… botei a mãe de santo de quatro (E REPETE VÁRIAS VEZES…) levantei a saia da mãe de santo e agarrei ela pela nuca… e comecei a sapecar a mãe de santo… eu tava a fim de gozar né? Cara, eu fiz tanta pressão na nuca da mulher que ela dormiu , ela apagou igual no ultimate… acabei a parada e… levanta aí, ô mãe de santo filha da puta, levanta aí… levanta entidade!… ela apagou”.
–
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.