Comissão da Verdade de SP mostra colaboração de VW e Cobrasma com ditadura

Documentos ‘confidenciais’ e depoimentos comprovam participação de estrutura de grandes empresas na delação de trabalhadores ao comando da ditadura civil-militar no país

Por Eduardo Maretti, em Repórter Brasil Atual

São Paulo – A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa, promoveu dia 27/02 audiência pública em que mostrou documentos e depoimentos contundentes de trabalhadores sobre a colaboração da Volkswagen e da Cobrasma, de Osasco, com a repressão no período da ditadura civil-militar (1964-1985).

Um documento de 1980, por exemplo, obtido nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), mostra uma lista de trabalhadores ligados ao movimento sindical que teria sido fornecida pela própria Volkswagen aos organismos da repressão.

Outro documento “reservado” dos arquivos do Dops, segundo pesquisadores que apoiam a comissão estadual, revela o controle dos trabalhadores exercido pela empresa para alimentar os serviços de informações da repressão. Nele, são descritas atividades de sindicalistas do ABC paulista e falas de Luiz Inácio Lula da Silva dirigidas aos trabalhadores da empresa, que teriam sido repassadas pela Volks ao Dops: “Tomem cuidado, porque o coronel Rudge e os tenentes do Exército que trabalham aí dentro, eles têm um circuito fechado de televisão onde conseguem ver vocês dentro da seção”.

Não está claro se Lula era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema ou se o PT já havia sido fundado, o que aconteceu em 1980.

Em outro trecho do discurso de Lula do documento do Dops ele cita a TV Globo: “A Rede Globo veio filmar na Volks para mostrar depois na televisão que o pessoal está trabalhando. Essa filmagem é falsa, não acreditem”.

Um documento “confidencial” do Ministério da Aeronáutica de julho de 1983 (quando o general João Batista Figueiredo era presidente da República) cita pormenorizada e detalhadamente inúmeras atividades de trabalhadores e do movimento sindical consolidadas a partir de “Reunião do Centro Comunitário de Segurança do Vale do Paraíba”.

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A reunião é assim descrita no documento: “Composta por elementos de segurança e informações de grandes empresas da região, destacando-se entre elas: Avibras, Caterpillar, Confab, Embraer, Engesa, Rhodia, Ford, Ericsson, F.N.V., General Motors, Petrobras, Johnson, Kodak, Philips, Telesp ,Villares, Volkswagen, Embrape e Vibasa S/A, além de várias unidades do Exército, do Centro Técnico Aeroespacial e das Polícias Militar, Civil e Federal, representadas pelos respectivos Chefes dos OIs”.

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Outra passagem do relatório da Aeronáutica descreve a liderança de Lula: “Atendendo a um pedido de seu ex-dirigente, Luiz Inácio da Silva (Lula) os metalúrgicos, reunidos por ocasião do IV Congresso dos Metalúrgicos, decidiram deflagar (sic) uma greve em solidariedade aos petroleiros da Refinaria do Planalto – Replan, de Paulínia (sic), na data de hoje (O6.O7.83)”.

Trabalhadores da Volks

O ex-ferramenteiro da Volks Lúcio Bellentani relatou como foi preso nas dependências da empresa, com uma metralhadora nas costas, sob a “supervisão” da segurança da Volkswagen, na presença do coronel Adhemar Rudge, que chefiou a Divisão de Segurança da empresa de 1969 até 1991, e descrito pelos ex-funcionários da Volks como um homem truculento.

Segundo Bellentani, a segurança da empresa acompanhava as prisões. Repetindo depoimento prestado na Comissão Nacional da Verdade, ele contou como foi preso às 23h30 de um dia de junho de 1972. “No departamento pessoal (da Volks) já comecei a levar porrada e tapa na cara, e dali fui para o Dops.”

Ele ficou preso 45 dias, foi torturado e ficou incomunicável, sem que sua família soubesse o que havia acontecido. “Além de explorar o trabalhador, a empresa ainda colaborou para sua tortura. E não foi só na Volkswagen”, disse.

Seu caso foi um entre muitos que aconteceram nas dependências da multinacional alemã no Brasil. Tudo indica que as “listas negras” de trabalhadores que participavam de atividades sindicais circulavam em todo o setor metalúrgico. Os relatos dão conta de que, uma vez que um nome constava dessas listas, o trabalhador não conseguia mais emprego.

As pesquisas apontam para o fato – corroborado pelos depoimentos na comissão da Assembleia Legislativa – de que toda empresa do setor automotivo-metalúrgico que “se prezava” tinha militares em postos-chave, como na própria segurança e no departamento de recursos humanos.

O gerente de Assuntos Jurídicos da Volkswagen, Rogério Vargas, presente à sessão da comissão, negou a participação da empresa na delação de trabalhadores aos órgãos de repressão. “A Volkswagen reconhece a importância (dos documentos e do trabalho da comissão estadual), mas de forma nenhuma colaborou com a violência contra os direitos humanos.”

“A Volkswagen um dia vai explicar sua colaboração perversa com a ditadura”, afirmou o deputado Adriano Diogo, presidente da comissão.

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Na audiência pública de 27/02 foram mostrados documentos e depoimentos contundentes de trabalhadores

Cobrasma

Trabalhadores da Cobrasma relataram, na sessão, a participação da empresa na delação de operários que participaram da histórica greve desencadeada em 1968 na esteira da greve de Contagem (MG), realizada três meses antes.

Como no caso da Volks, documentos mostram a colaboração da antiga Cobrasma com os órgãos de repressão. A jornalista Cristiane Alves, do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco (Sindmetal), apresentou documento mostrando uma correspondência com o timbre da empresa, de 24 de março de 1965, assinada pelo então responsável pelo departamento pessoal da empresa, Roberto Luiz Pinto Silva, endereçada ao delegado titular do Dops Adrico Tinoco.

No documento, fica clara a troca de informações entre o Dops e a Cobrasma sobre “os antecedentes de elementos” pertencentes ao quadro de funcionários da empresa, que apresenta uma lista com os nomes completos de 19 trabalhadores, nacionalidade, data e local de nascimento.

Na exposição, a assessora do Sindmetal apresentou um vídeo produzido pelo sindicato por ocasião dos 40 anos da greve da Cobrasma. Nele, tanto o empresário Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho, diretor da empresa em 1968, como Roberto Luiz Pinto Silva negam conhecer a lista. “Sinceramente, não me recordo (…) Não me recordo, posso ter assinado algo que foi determinado pela diretoria”, disse Pinto Silva no vídeo apresentado. “Se o Roberto não soube responder, eu muito menos”, afirmou Vidigal.

A Cobrasma foi fundada em 1944 e se tornou a mais importante empresa da indústria metalúrgica do setor ferroviário do estado de São Paulo. Com a crise do setor, encerrou as atividades em 1994.

A fábrica voltou a operar em 2003 com o nome de Grupo Flanel, sob liderança do empresário Carlos Seiscentos, com apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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