Quando era pequeno, William Reis olhava para si mesmo no espelho e desejava que sua pele fosse mais clara, seu nariz mais fino, seu cabelo mais liso e que seus olhos fossem azuis. Na adolescência, ele alisou o cabelo e planejou fazer cirurgia plástica no nariz quando fosse mais velho. Ele era contra cotas e começou a antagonizar seus amigos negros.
Tudo isso mudou quando Reis começou a ler Malcolm X.
“Eu peguei um livro do Malcolm X e fiquei abismado de ver um negro inteligente, de um negro ser bonito, de um negro ter poder, de o negro ter construído civilizações”, disse William. “Do porquê a gente ser tão submisso ao branco. Ele fala da época da segregação racial – porque que o branco nasce livre e o negro tem que ir ao tribunal pra ser livre? Eu me descobri e pensei: vou falar para os outros jovens que passam pela mesma coisa que eu passei, e vou querer transformar e fazer esse trabalho junto com o AfroReggae”.
Essa foi a experiência que William, colaborador do AfroReggae em questões étnicas e raciais, contou à uma platéia na Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Sua fala fez parte de um evento de uma semana, de 12 a 16 de novembro, para comemorar o Mês da Consciência Negra organizado pelo Teatro Mário Lago e o grupo comunitário Pé na Raiz.
O evento incluiu a exibição de filmes, oficinas de dança, debates, performances e comida tradicional para comemorar a cultura afro-brasileira. Foi também um esforço para estimular o interesse da comunidade nas artes performáticas depois do encerramento, em 2012, do Teatro Mário Lago, que agora luta pela reabertura e para atrair visibilidade.
Pé na Raiz
Vera Duma, de Campo Grande, Verõnica Marcílio, de Bangú, e Rene Silva, do Complexo do Alemão fazem parte do grupo cultural Pé na Raiz. Ao invés de estabelecer raízes em uma comunidade específica, o grupo circula em diferentes favelas que precisam de seus serviços culturais–que variam de performances teatrais com a atriz Vera, à círculos de leitura com Verônica, professora de português.
“Pé na Raiz articula com o teatro e qualquer lugar que chamar. Nos chamou, a gente tá lá pra dar uma articulada. O grupo nasceu disso, eu tinha umas ideias pra cultura, Verônica também tinha e a gente começou, e nos juntamos com Rene Silva”, explica Vera.
Para o Mês da Consciência Negra da Vila Kennedy o Pé na Raiz organizou performances e debates. Vera realizou um monólogo no papel da autora negra Carolina Maria de Jesus, moradora de uma favela de São Paulo que, em 1960, publicou seu diário Quarto de Despejo.
Mais tarde na semana, Verônica coordenou um círculo de leitura onde a história de Esperança Garcia foi contada. Esperança era uma escrava que ousou escrever uma petição ao governador do Piauí em 1770 reportando abusos de seu patrão e pedindo para ser devolvida à sua família. A leitura incluiu contribuições da audiência sobre seus desejos para o futuro.
Esperança para o Teatro Mário Lago
O morador da Vila Kennedy Guilherme Junior aprendeu sobre teatro e cultura através do Teatro Mário Lago, mas em 2012 o estabelecimento foi fechado por falta de verba do governo.
“Praticamente tive contato com a cultura a partir do Teatro Mario Lago desde minha infância, o que teve um papel muito importante na minha educação, então sempre apreciei muito o teatro e sempre tentei participar dos eventos daqui”, disse ele. “Sendo que em 2012 ele foi fechado, ele sempre foi do Estado – era Estado e Prefeitura. Chegou uma hora que nenhum dos dois quiseram [financiar] e o teatro foi fechado”.
Este ano, Guilherme e alguns amigos começaram a trabalhar juntos na reabertura do espaço. O grupo tem tentado trazer mais eventos ao teatro desde agosto, contando as celebrações do Mês da Consciência Negra como uma grande vitória para a comunidade.
“Hoje em dia, com a facilidade da comunicação, a internet, através das redes sociais, a gente começou a ser conhecido então começaram as parcerias pra trazer eventos pra cá”, disse Guilherme. “Uma semana falando sobre a consciência negra que era algo que me interessava muito–um assunto que envolve muito os brasileiros porque boa parte da cultura brasileira surgiu da África–então eu achava muito importante fazer algo que lembrasse África com o Teatro Mario Lago”.
Guilherme espera que esses eventos “movimentem a comunidade”. Ele quer trazer uma diversidade de tópicos para o teatro no futuro.
A celebração de uma semana terminou no dia, 16 de novembro, com feijoada e a exibição de filmes com protagonistas negros promovida pelo Circuito Cinegrada. A semana também exibiu o filme O Estopim, filme sobre Amarildo de Souza, pedreiro morador da Rocinha que desapareceu, foi torturado e morto pela UPP em 2013, além de trazer uma performance de capoeira, workshops de dança e uma noite de festas de funk para celebrar a herança afro-brasileira.
“É um assunto delicado e importante que deveria ser mais discutido e espero que a comunidade cada vez mais abrace essa causa”, disse o morador Vinícius. “Tem muita coisa acontecendo aqui dentro que é muito importante pra comunidade”.