Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Na véspera da reunião da Comissão Especial da PEC 215, marcada para o dia 3 de dezembro, os direitos dos Povos Indígenas estarão igualmente sob ataque, na Comissão Mista Especial do Congresso Nacional que tem por função “consolidar a legislação federal e regulamentar dispositivos da Constituição Federal”. Às 14 horas do dia 2, terça-feira, o senador Romero Jucá (PMDB RR) anunciou que vai finalmente apresentar sua proposta de regulamentação do “§ 6º do artigo 231 da Constituição Federal, sobre a demarcação de Terras Indígenas”, promessa (ou ameaça?) que vem fazendo desde meados de 2013.
A marcação para 24 horas antes da reunião sobre a PEC 215 é claramente estratégica. Além de quase 50 laudas a menos, a grande diferença entre as duas propostas diz respeito a uma questão indubitavelmente central: a quem cabe a demarcação das Terras Indígenas. Enquanto a PEC 215 vai contra a Constituição, pretendendo entregar os direitos indígenas diretamente à sanha ruralista, o Projeto de Lei de Jucá respeita pelo menos o texto constitucional e mantém a atribuição do Executivo.
Essa diferença provavelmente levará muitos a defender o PL apresentado pelo senador de Roraima, sob a lógica do “menos ruim” cada vez mais presente no nosso dia a dia. Para tornar ainda mais palatável a proposta, o curto parecer que a antecede menciona os casos de demarcação nos quais as áreas das Terras Indígenas foram subestimadas, necessitando de revisão para aumentá-las. Fala, em seguida, que em consequência disso terras do entorno foram ocupadas por fazendeiros e posseiros – “muitos de boa fé e detentores de títulos legítimos” -, levando a conflitos para os quais “o arcabouço legal não permite soluções de consenso”. E diz que é por conta disso que ele propõe a regulamentação do parágrafo 6º do artigo 231, de forma a permitir desapropriações das benfeitorias e terras necessárias à “expansão de terras indígenas”, reduzindo o potencial de conflito etc e tal.
Acontece que as bondades inscritas no PL não se sustentam. Primeiro, porque tem-se como certo que o autor real não seria Jucá, mas Luís Inácio Adams – aquele mesmo, da AGU 303! Segundo porque, até onde sei, a desapropriação de benfeitorias e mesmo da terra já está prevista e é praticada, exceto quando comprovada, no segundo caso, a má fé e a invasão e ocupação indevidas da área indígena ou, mesmo, de terras da União. Terceiro porque, se formos olhar os artigos e parágrafos da Proposta de regulamentação, vemos que ela, em lugar de tratar da “expansão” das Terras Indígenas, cuida na verdade das restrições a serem a elas feitas, inclusive as já demarcadas. E o faz repetindo, com outras palavras e mais sinteticamente, outros projetos em discussão, a começar pela PEC 215 e todas as demais que o Relatório de Osmar Serraglia (PMDB PR) propõe nela absorver, sem falar na execrável Portaria 303 que claramente a inspirou.
Embora já venha rolando há mais de um ano, assim como a discussão a respeito, posto abaixo o PL de Jucá. Vale reler e considerar até onde vão o cinismo e o ataque aos povos indígenas e ao Capítulo VIII da Constituição Federal. E o pior: ter que considerar isso sabendo que no dia seguinte será a vez da PEC de Serraglia e companhia.
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