A presença do geógrafo marxista David Harvey lotou o Teatro da Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR) na noite desta terça-feira (18). Com o auxílio de aparelhos de tradução de áudio, o geógrafo britânico falou para mais 700 pessoas sobre a Economia Política da Urbanização. Houve também a transmissão simultânea da palestra, acompanhada por internautas de vários estados brasileiros. O professor está no Brasil para lançar sua nova obra: Para entender o Capital: Livros II e III, que chegará às livrarias junto com o segundo volume de O Capital.
Conhecido pelas suas análises das dinâmicas do capital nas cidades, Harvey falou sobre a forma com a construção do capital nas cidades interfere no âmbito econômico e na insatisfação social. O pensador marxista destacou que as manifestações ocorridas em todo o Brasil, em junho de 2013, refletem isso. Os protestos, que começaram por razões isoladas, rapidamente se espalharam pelo país, e envolveram diferentes camadas da população.
Algo semelhante aconteceu na Turquia, no mesmo ano. Ambos os países estavam em crescimento econômico. Para Harvey, a resposta para a razão das manifestações terem sido realizadas em períodos de prosperidade é relativamente simples. “A renovação do crescimento econômico se dava em nível global, mas o crescimento não era do bem-estar social”. Segundo o geógrafo, os protestos são resultados de mais de uma década de insatisfação social.
A concentração de renda mundial é um dos sintomas dos limites do capitalismo. Harvey aponta que duas mil famílias do mundo possuem metade da riqueza gerada. “A classe capitalista não está interessada em mudar nada”. Desde 2007 e 2008 o grupo que se recuperou muito bem da crise financeira é o 1% mais rico, e as empresas capitalistas operam com altas taxas de juros. “O capital está indo muito bem. Mas povo está mal, e por isso levanta a voz”.
Direito à moradia X especulação imobiliária
Como exemplo dos problemas urbanos no capitalismo, o professor fala a questão da moradia, da construção de condomínios de alto nível, que geram empregos, mas potencializam a especulação imobiliária: “Muitas pessoas estão achando impossível arcar com os custos de viver na cidade onde moram. Nos Estados Unidos, por exemplo, a população de baixa renda gasta 80% da sua renda em aluguel”. Nesse país, a grande maioria da população tenta viver com menos de 30 mil dólares ao ano. No entanto, grande parte das pessoas paga mais de mil dólares ao mês de aluguel.
“Em Istambul [na Turquia] é impossível para pessoas normais encontrar um lugar para morar”, dispara o geógrafo, afirmando que as pessoas estão preocupadas com lugar para morar, enquanto o estado está preocupado em incentivar a construção de condomínios. “Por isso ateiam fogo nas favelas, e mandam o pessoal longe 30km, na periferia. Mas esse fenômeno não e só em Istambul. É em São Paulo, é global”, em referência a casos recorrentes de incêndios em favelas no Brasil.
Megaprojetos e megaeventos
Para Harvey, sempre houve acúmulo de riquezas e concentração de poder econômico na construção das cidades. “A idéia de urbanização é planetária. Estamos urbanizando o planeta a uma velocidade absurdamente alta”, provocando a platéia a lembrar de Curitiba nos anos 1970, e depois imaginar o que será daqui a algumas décadas, diante da velocidade do crescimento.
E megaprojetos e megaeventos estão na ponta dos processos de crescimento e mercantilização das cidades, em detrimento das necessidades da população. Esta situação pode ser vista no Brasil, em decorrência da Copa do Mundo de 2014: “O capital adora megaprojetos, megaestádios. Adora construir coisas para espetáculo, porque tem movimento instantâneo. Espetáculos são cada vez mais elaborados. Interessante que toda cidade onde ocorrem jogos olímpicos quebram”, aponta Harvey.
Diante do quadro crônico de desigualdade e do acirramento da exploração, Harvey concluiu a necessidade de lutar contra a maneira como o capital é construído nas cidades. “Se você está num sistema em que tudo está indo mal o tempo todo, temos que ver a teoria de Marx. Tirar o capital do caminho. O capital é um problema. E temos que inventar novas maneiras das pessoas irem bem sem depender do capital. A habitação é um direito, educação é um direito, e devia ser aberta para todos”. E assume um lado: “É por isso que sou anticapitalista”.
Importância da discussão
Na apresentação de Harvey, Luana Coelho Xavier, advogada popular da Terra de Direitos e integrante do Mobiliza Curitiba, reforçou a importância de receber esta aula e este debate sobre o direito à cidade, já que Curitiba vive o processo de revisão do Plano Diretor, com pouco incentivo à participação popular.
“Será que o direito à cidade que a gente pensa é o direito a esta cidade? Ou precisamos lutar pelo direito à cidade que queremos?”, fazendo relação ao modelo de cidade que ganha força atualmente no capitalismo, com forte especulação imobiliária, expulsão dos mais pobres para a periferia e realização de megaprojetos e megaeventos que prejudicam a população.
Durante a mesa de abertura do evento, o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, destacou que a palestra realizada foi uma “oportunidade impar de enfrentarmos os problemas que a cidade vive, dando ênfase ao processo de revisão do Plano Diretor”. Frigo também apontou a visão positiva construída sobre Curitiba, que, na verdade, é marcada pela desigualdade.
Hilma de Lourdes, também presente na mesa pela União Nacional de Luta por Moradia, e representando a Frente Mobiliza Curitiba, destacou que “a luta hoje não é apenas pela cidade, mas ao Centro da cidade”.
O evento foi realizado pela Terra de Direitos, Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR, Pró-polis (Núcleo de estudos de Direito Administrativo, Urbanístico, Ambiental e Desenvolvimento), e teve o apoio da Frente Mobiliza Curitiba.
Vera Karan, representando a reitoria da UFPR e professora do curso de Direito da universidade, Angela Cassia Costaldello, da pós-graduação em direito da UFPR, e Artur Renzo, Boitempo, também participaram da mesa de abertura.