Luana Luizy- Assessoria de Comunicação Cimi
Jocikelle Martins Guarani-Kaiowá de 17 anos andava pela estrada de terra, rodeada por plantações de soja, a caminho da escola na manhã de 17 de novembro, quando um motoqueiro em alta velocidade veio na sua direção e a arremessou para longe.
Ainda no período da manhã, a adolescente foi encaminhada com escoriações nas pernas, braços e ouvido ensanquentado para o hospital de Coronel Sapucaia (MS), distante 30 km da Aldeia de Kurusu Ambá, onde só foi atendida às 16h da tarde. “Ela foi para o hospital e lá só deram soro”, afirma a liderança Eliseu Guarani-Kaiowá, segundo o indígena Jocikelle ainda passa mal. “Ela ta vomitando sangue, machucada na perna, nos braços. Como a liberaram nesse estado?”, questiona Eliseu.
Segundo a diretoria do Hospital de Coronel Sapucaia, a indígena ficou em observação durante toda à tarde de ontem, onde fez exames e se encontrava em estado estável quando foi liberada hoje, 19 de novembro. Os indígenas já acionaram a Funai para que a adolescente seja atendida na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
Infelizmente o caso de Jocikelle não é isolado, para os indígenas o atropelamento foi pré-meditado e arranjado por pistoleiros. Os Kaiowá de Kurusu Ambá estão expostos a um contexto alarmante de violência e já vêm denunciando a circulação de grupos armados na região que rondam e atacam constantemente o acampamento. Assim é o cotidiano dos Kaiowá na área: fome, ameaças frequentes, intimidações, pulverização proposital por agrotóxicos e mortes. Desde 2007 já foram mais de 10 assassinatos em processos de retomadas.
Em resposta ao atropelamento de Jocikelle, cerca de 30 famílias retomaram ainda ontem, 18 de novembro, mais uma parte dotekoha, o território tradicional que incide na Fazenda Barra Bonita.
Mesmo com ordem de reintegração de posse já em vigor para outra área de retomada, os indígenas prometem resistir. “Todos os Guarani-Kaiowá estão apoiando o movimento, a guerra não vai parar porque nunca resolveram a demarcação, enquanto isso lideranças são mortas e baleadas. Uma violência tamanha que já não aguentamos, mas vamos continuar resistindo”, reitera Eliseu.
O Grupo de Trabalho (GT) da Funai foi instaurado em 2008, mas ainda sim a demarcação do território não foi realizada. Os Kaiowá exigem a imediata continuação dos procedimentos demarcatórios e pedem em caráter de urgência ao Ministério Publico Federal e a Polícia Federal que todas as medidas para garantir a segurança das famílias sejam tomadas.
Durante visita a Brasília em outubro, uma comitiva composta por mais de 45 lideranças Guarani-Kaiowá pediram mais segurança ao Ministério da Justiça que se comprometeu a dialogar com a Força Nacional e a Polícia Federal a fim de instalar um programa de acompanhamento nas áreas e rotas de fronteira que hoje estão ameaçadas de despejos forçados pelos pistoleiros e jagunços dos fazendeiros, dentre elas Kurusu Ambá. No entanto, parece que nenhuma das reivindicações feita pelos indígenas foi feita desde então.
Os Kaiowá sofrem com o silêncio e omissão das autoridades governamentais frente ao extermínio em que estão expostos, mas ainda sim se recusam a desistir, com a única certeza de que a demarcação dos territórios tradicionais é a única forma de cessar a violência e permitir uma vida digna dentro de seus costumes e tradições.