Uma coisa é o pensamento conservador. Outra, é o dodói, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

A esquerda foi para a rua na redemocratização do país e não saiu mais. Não poderia se assustar, portanto, que a direita também esteja ocupando o espaço público. Pelo contrário, deveria achar isso saudável.

A histórica ausência de debate político nas ruas, criou alguns problemas. Por exemplo, a incapacidade de muita gente de separar o que é um discurso conservador (que tem suas pautas a respeito do papel do Estado) e os dodóis que, em número insuficiente para organizarem suas próprias manifestações, tentam empurrar um ato de terceiros para o fundo do poço com suas ideias que – não raro – vão contra a dignidade e a legalidade.

O problema não é pedir o impeachment de Dilma – apesar de cheirar a golpismo, isso faz parte do jogo. E, sim, querer que isso seja feito via intervenção militar.

Muitos dos ultraconservadores não têm respeito pela dignidade alheia e, neste sábado (15), bateram em uma pessoa que vestia vermelho com uma estampa do qual discordavam e agrediram uma fotógrafa durante manifestação na avenida Paulista em São Paulo.

Se você acha que não dá para separar esses dois grupos, a direita e os dodóis, é porque precisa sair mais à rua.

No primeiro, colocaria um senhor, muito simpático, com quem travei um rápido diálogo, em uma livraria, neste domingo. Ele veio até mim, disse que discordava dos pontos de vista deste blog e travou um debate cordial sobre o papel do Estado no desenvolvimento e sobre algumas liberdades individuais. Afirmou que participou do ato, foi duro na argumentação mas, ao mesmo tempo, polido. Esperou para ouvir minhas considerações, e educadamente, se despediu.

No segundo, incluiria uma senhora que, no domingo de segundo turno, parou seu carro diante de mim, gritou “Volta pra Cuba!”, seguido de um elogio à minha progenitora, cuspiu na minha direção e saiu cantando pneu. Sorte que a mira dela era tão boa quanto o seu nível de cultura política.

Quanto mais juntarmos esses dois grupos no mesmo balaio, mais eles vão se aproximar. Sei que PSDB e PT trouxeram muito lixo para perto de si como estratégia eleitoral (burra) e, agora, como diria Antoine de Saint-Exupéry, são responsáveis por aquilo que seus marqueteiros cativaram. Mas eles não são os demônios – apenas andaram invocando besouro-suco vezes demais.

Mas nós (de esquerda) também precisamos fazer essa distinção no dia a dia. Caso contrário, por identidade reativa, jogaremos no colo dos amantes do ódio uma parcela da sociedade que apenas discorda de nós do ponto de vista ideológico.

E é isso o que desejam os dodóis, que insistem em batizar algumas atitudes criminosas de “reivindicações conservadoras”.

Pois uma coisa é o pensamento de direita, que merece ser respeitado e, na minha opinião, questionado – quando for o caso – nas arenas de discussões. A outra é gente que acha que a Constituição é papel higiênico e as instituições democráticas – que levamos décadas para reconstruir – são um grande vaso sanitário de onde só exala fedor.

Reivindicações que incluem uma “intervenção militar constitucional” (haha), o bloqueio da transformação do país em uma “ditadura gayzista e feminazi (hahahaha) e uma ação para evitar a “implantação do comunismo” pelo partido que está no poder (kkkkkkkkkk…#morri).

Em que país eles vivem?

Li, tempos atrás, um panfleto que dizia que o PT está rompendo com o capital, o que vai colocar o país em uma grave crise. Sério? Para com isso… Dá vergonha alheia! Desde quando o PT ou qualquer partido grande cria entraves para bancos, empreiteiras, empresas de telefonia e demais doadores de campanha?

Se assim fosse, eu ia promover três dias e três noites de balada open bar.

É fundamental que a extrema direita continue mostrando sua cara e dizendo quem é.

Afinal, você não está cansado de ser xingado por anônimos na internet?

Não tem curiosidade de saber quem prega a violência contra minorias?

Nunca ficou curioso, como criança na Sexta-Feira Santa que pergunta para a mãe como é uma cabeça de bacalhau, como eles são de verdade?

(O que comem? Como vivem? Como se acasalam?)

Pois bem, essa é a hora.

Uma das maiores consequências das manifestações de junho do ano passado foi trazer pessoas para ocuparem espaços públicos e darem suas opiniões que, antes, estavam restritas aos espaços privados.

Ruas, praças e avenidas não são apenas rotas de passagem de pedestres e automóveis, mas é onde se faz política e se exerce a cidadania. Que nos dedicamos à fomentar a cultura política e não apenas chamar o outro de inimigo. E, aos dodóis que ultrapassarem os limites democráticos, a força da lei.

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