Decisão judicial anterior destinava 1 hectare para a comunidade. Liminar de reintegração de posse foi revogada e processo judicial está suspenso até o fim do procedimento de demarcação da Terra Indígena Pyelito Kue.
A Comunidade Indígena Pyelito Kue, com cerca de 150 pessoas da etnia guarani-kaiowá, vai permanecer em 97 hectares da fazenda Cambará, em Iguatemi, fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai. A sede da fazenda deve ser desocupada até 4 de dezembro.
O acordo foi celebrado em audiência de conciliação solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF) em Naviraí, no bojo do processo de reintegração de posse. A audiência começou às 10 h do dia 13 e só foi encerrada às 0:30 do dia 14, sendo suspensa no período da tarde para que o procurador da República e os procuradores federais se deslocassem até a terra indígena para discussão dos pontos propostos. Antes do início, foi deferido o pedido dos indígenas para realizarem suas rezas tradicionais. Participaram da audiência o proprietário da fazenda, indígenas, intérprete, um antropólogo, representantes da Funai e do Ministério Público Federal.
Ficou estabelecido que a área de 97 hectares seria destinada à comunidade indígena em regime de comodato, não havendo oposição do autor da ação à eventual construção de escola, posto de saúde, casa de reza, bem como “a quaisquer benfeitorias eventualmente necessárias para manutenção da sobrevivência da comunidade no local”. Será permitido o acesso de instituições de assistência aos indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) se comprometeu a prestar auxílio aos indígenas na preparação do solo para plantio.
Para o procurador da República Francisco Calderano, o acordo inédito “deve ser comemorado, pois aponta para um outro caminho na condução desses litígios. É de se louvar a disposição das partes ao diálogo e também a postura do Judiciário neste caso específico, ao deferir a audiência de conciliação antes da tomada da decisão, procurando solucionar um sensível conflito social para além da lógica individualista que marca as ações possessórias. No entanto, é uma solução paliativa. O flagelo dos indígenas só irá ter fim quando suas terras tradicionais forem definitivamente demarcadas”.
Pyelito Kue
Os indígenas ocuparam área de reserva legal da Fazenda Cambará em novembro de 2011, se refugiando no local – situado do outro lado do rio que corta a região – depois de ataque de pistoleiros em agosto do mesmo ano. Crianças e idosos ficaram feridos e o acampamento, montado à beira de estrada vicinal, foi destruído.
Em 2012, a comunidade Pyelito Kue ficou nacionalmente conhecida quando divulgou carta de repúdio à decisão judicial que determinou a reintegração de posse. À época, eles disseram que a determinação da Justiça levaria a comunidade a morrer pela terra, já que a sobrevivência dos indígenas na região estaria inviabilizada, o que foi interpretado como um aviso de suicídio coletivo.
A carta gerou comoção nacional e manifestações a favor da causa indígena em diversas capitais de todo o mundo. As redes sociais também foram utilizadas pela sociedade para manifestar apoio à comunidade.
Decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região cassou a ordem de reintegração e determinou a permanência dos índios em 1 hectare. A impropriedade do solo para o plantio, a dificuldade de acesso ao local, que atrasava a prestação de assistência pela Funai e pela Agência de Saúde, além de sucessivos ataques de pistoleiros sofridos pela comunidade os colocaram em uma situação de extrema vulnerabilidade, levando-os a se deslocarem da área inicialmente ocupada para a sede da fazenda.
Em janeiro de 2013 foi publicado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Iguatemipeguá I – tekoha Pyelito Kue, que atesta a tradicionalidade da terra indígena. O próximo passo do procedimento demarcatório é a expedição de portaria pelo Ministro da Justiça, declarando os limites da terra e determinando sua demarcação.