Por Marcela Belchior, na Adital
A cada 10 minutos, uma pessoa é assassinada no Brasil. De acordo com o 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que acaba de ser publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com apoio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), daOpen Society Foundations(OSF) e do CAF – Banco da América Latina, somente em 2013, um total de 53.646 mortes violentas foram registradas, incluindo vítimas de homicídios dolosos e ocorrências de latrocínios e lesões corporais seguidas de morte.
No caso dos estupros, 50.320 casos foram registrados no país no ano passado, representando um leve aumento em relação a 2012, quando foram relatados 50.224 casos. O anuário aponta ainda que 35% das vítimas de estupro não costumam relatar o episódio às polícias, segundo pesquisas internacionais. “Assim, é possível que o Brasil tenha convivido, no ano passado, com cerca de 143 mil estupros”, alerta o documento.
O número de pessoas encarceradas no Brasil, em 2013, chegou a 574.207. Já a quantidade de presos provisórios, aguardando julgamento, alcançou 215.639 pessoas, o que corresponde a 40,1% do total de presos no sistema penitenciário, o que não inclui os presos sob custódia das polícias. “Negros são 18,4% mais encarcerados e 30,5% mais vítimas de homicídio no Brasil”, acrescenta o levantamento.
Dos 20.532 jovens cumprindo medidas socioeducativas no Brasil, em 2012, apenas 11,1% correspondem a crimes violentos contra a vida (homicídios e latrocínios). “Haverá disposição para se abrir o necessário diálogo sobre mudanças no tratamento da questão, com o exame de alternativas, como a descriminação e o uso de políticas de redução de danos?”, indaga Fábio de Sá, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao governo federal.
“Qualquer que seja a resposta, será necessário resgatar o vínculo entre a política prisional e a política pública de segurança. Reeleita presidente, Dilma Rousseff [do Partido dos Trabalhadores – PT] teve como principal proposta para essa área a articulação das forças de segurança, no âmbito dos Centros Integrados de Comando e Controle, utilizados durante a Copa do Mundo. Mas será preciso dar a esses centros uma orientação estratégica que, mais uma vez, volte a repressão para grandes organizações criminosas e ajude a prevenir e a solucionar crimes contra a vida e contra o patrimônio”, aponta o pesquisador, no anuário.
No ano passado, 490 policiais tiveram mortes violentas. De acordo com o levantamento, nos últimos cinco anos, a soma é de 1.770 policiais vitimados. “Embora o número tenha decrescido do ano passado para este ano, parece haver na sociedade uma aceitação como natural a perda da vida do policial. Um Estado onde é natural que um policial perca a sua vida em razão da sua profissão é um Estado que está sob a lógica da barbárie”, comenta no anuário Rafael Alcadipani, professor de estudos organizacionais da FVG.
No mesmo período, as polícias brasileiras mataram 11.197 pessoas, o equivalente ao que as polícias dos Estados Unidos assassinaram em 30 anos, somando 11.090 mortes. “Ao menos seis pessoas foram mortas por dia pelas polícias brasileiras, em 2013. 81,8% do total de mortes registradas foram cometidas por policiais em serviço; enquanto 75,3% das mortes de policiais ocorreram fora de serviço”, aponta o documento.
Para as pesquisadoras Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, e Beatriz Rodriguez, cientista social do FBSP, a despeito dos avanços observados no país desde a redemocratização, a sociedade brasileira e suas instituições ainda são coniventes com o abuso policial, compreendido por muitos como instrumento legítimo de controle do crime. “A máxima do ‘bandido bom é bandido morto’ continua a se reproduzir diariamente nas periferias dos grandes centros urbanos, sob o aplauso de segmentos expressivos da sociedade. E, na lógica do ‘mata-mata’, a espiral de violência continua”, discutem as pesquisadoras no anuário.
Quanto à confiança nas instituições e nas leis, 81% dos entrevistados pela pesquisa concordam que é “fácil desobedecer” às leis do país. Já 33% dos que responderam ao estudo acionaram as polícias para resolverem problemas em que foram vítimas ou partícipes. Desses, apenas 37% declararam-se muito ou pouco satisfeitos com os serviços por elas prestados. 62% declararam-se insatisfeitos.
No mesmo quesito, 32% das pessoas entrevistadas declararam confiar no Poder Judiciário, 33% na Polícia e 48% no Ministério Público. Outros 59% dos brasileiros dizem acreditar que a maioria dos juízes é honesta e 51% afirma crer que a maioria dos policiais é honesta. Com relação às finanças, o Brasil gastou, em 2013, o valor de R$ 258 bilhões com custos da violência, segurança pública, prisões e unidades de medidas socioeducativas. Essa verba é equivalente a 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Rumos para o Brasil
Avaliando experiências bem-sucedidas em reduzir a taxa de homicídios nos anos 2000, cuja principal característica foi a cooperação, e a mudança de práticas institucionais, focando na integração de recursos, o documento aponta que, hoje, o Brasil reúne condições de assumir uma meta: reduzir em até 65,5% os casos de homicídios até 2030, uma diminuição média de 5,7% por ano.
“O Brasil pode e deve fazer a diferença ao liderar um movimento de redução global dos homicídios”, sugere o anuário. De acordo com o informe, as melhores práticas na redução da violência e da criminalidade têm se concentrado sobre o tripé: aproximação com a população, uso intensivo de informações e aperfeiçoamento da inteligência e da investigação.
“A questão é que tais práticas, sozinhas, não conseguem dar conta de um elemento central, que é a carência de coordenação, de integração e de articulação, marcas registradas da segurança pública brasileira e da arquitetura jurídica que embasam as políticas públicas no país. Sem que ataquemos essa grande fragilidade, o país continuará refém do medo e da insegurança”, aponta o documento.
Falta de transparência
Segundo a equipe responsável pelo anuário, vários órgãos federais não coletaram dados primários e, no plano estadual, alguns estados tiveram dificuldades em fornecerem dados sobre suicídios e sobre letalidade e vitimização policial. Alguns deles classificaram tais informações como estratégicas e se negaram a fornecê-las nos termos da Lei de Acesso à Informação. Um exemplo é o Ceará, que se recusou a enviar tais informações.
“Sem informações qualificadas, pouco conseguiremos fazer frente à escalada do crime e da violência e pouco saberemos sobre o como enfrentar um quadro endêmico, que precisa, urgentemente, ser debelado”, afirmam Regina Miki, secretária nacional de Segurança Pública, e Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Conselho de Administração do FBSP. “Preocupa a deterioração da capacidade das instituições públicas, federais ou estaduais, em manter dados sobre a área da segurança atualizados e transparentes. Não se pode aceitar a descontinuidade da divulgação desses dados”, acrescentam.
Acesse na íntegra o 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.