Atingidos pela usina questionam critérios para indenizações e reassentamento e não contam com assistência do governo nas negociações com a Norte Energia
O Ministério Público Federal (MPF) promoveu ontem (12) em Altamira audiência pública para ouvir os moradores da cidade que são atingidos pelo deslocamento compulsório para dar lugar ao reservatório da usina de Belo Monte. O processo de realocação e reassentamento na área urbana vai afetar cerca de 9 mil famílias, incluindo 600 famílias de indígenas que moram na cidade. Os critérios usados pela empresa Norte Energia na seleção de quem vai ter direito a casas novas e sobre os valores das indenizações são questionados por muitos.
Para o MPF, a presença do estado brasileiro em Altamira tem sido marcada pela parcialidade, com foco excessivo no cronograma e na rapidez da obra, deixando de atuar na garantia dos direitos da população atingida. “Essa é a primeira condicionante de Belo Monte que precisa ser cumprida”, disse a procuradora da República Thais Santi, ao abrir a audiência pública. Estavam presentes representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, Fundação Nacional do Índio, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Ministério da Pesca, Prefeitura de Altamira e Defensoria Pública da União.
A ausência de mediação governamental e de assistência jurídica (não há atualmente defensoria pública na região) no processo de deslocamento compulsório deixa os atingidos em situação vulnerável, sem capacidade de se defender ou argumentar diante das avaliações impostas pela empresa Diagonal, subcontratada da Norte Energia que faz o trabalho de negociação com os atingidos. Pelo Plano Básico Ambiental de Belo Monte, todos os atingidos deveriam ter direito a optar entre o reassentamento – uma casa nova fora da área a ser atingida pelo alagamento – ou a indenização – que deveria dar acesso à moradia em situação igual ou melhor que a anterior.
São incontáveis denúncias de que isso não está sendo cumprido e que muitos estão sendo pressionados a aceitar indenizações que variam entre R$ 15 e R$ 50 mil, insuficientes para que novas moradias sejam adquiridas, já que a obra de Belo Monte fez explodirem os preços de imóveis em todas as faixas de poder aquisitivo em Altamira.
Uma moradora do bairro do Açaizal, de 80 anos, Maria dos Santos, analfabeta, denunciou durante a audiência ter sido obrigada a assinar um papel em branco e aceitar uma indenização de R$ 42 mil. Outra atingida, Elissandra Oliveira, chegou a gravar um comercial para a Norte Energia na casa nova que receberia no bairro Jatobá, construído para receber os impactados. O comercial foi gravado no final de 2013 e ela disse que até agora não foi contemplada com a casa. “Para onde vamos mandar os sem-teto que a Norte Energia está criando aqui?”, questionou Giácomo Shaffer, presidente da Colônia de Pescadores Z-12.
Com o fechamento do escritório da Defensoria Pública do Estado no primeiro semestre de 2014 e com a ausência da Defensoria Pública da União (DPU), esses e outros moradores que se sentem prejudicados começaram a procurar o MPF em grande número, o que gerou a necessidade da audiência pública. Um primeiro resultado da audiência é que o representante da DPU, Francisco Nóbrega, anunciou que chegarão defensores em Altamira ainda esse ano, em caráter emergencial, para garantir a assistência jurídica dos atingidos.
“Não é possível que uma pessoa seja retirada de casa sem ter outra casa e sem receber a indenização prévia. É preciso que isso conste nos critérios aplicados a todos os casos de deslocamento para Belo Monte”, lembrou Nóbrega. Outro resultado anunciado imediatamente na audiência foi a criação de uma espécie de câmara de conciliação interinstitucional, que funcione como uma instância superior para os casos em que a empresa não chega a acordo com os moradores. Até agora, a última palavra sobre todos os casos era da Norte Energia S.A. O representante da Casa Civil, Johanness Eck e a empresa concessionária concordaram com a câmara. Os movimentos sociais devem apresentar uma lista de casos de conflitos entre moradores e a empresa para que a revisão comece imediatamente.
O MPF apontou ao Ibama e ao governo a necessidade de flexibilização das regras aplicadas nas negociações, que geram questionamentos legítimos: por exemplo, são negadas moradias aos moradores de reservas extrativistas e até terras indígenas que mantém casas de apoio na periferia de Altamira para quando necessitam de acesso a serviços públicos básicos – porque educação e saúde são muito precárias nas áreas rurais.
“Esse morador que mantém uma casa em Altamira mas não ocupa a casa o ano inteiro é uma realidade da região, ele não pode ser tratado, como está sendo, da mesma forma que um especulador. É necessário revisar e contextualizar as regras aplicadas pelo empreendedor para a realidade da região”, disse a procuradora Thais Santi. Os critérios também causam problemas nas dezenas de casos em que várias famílias ocupam o mesmo imóvel e apenas um dos moradores é contemplado com a nova casa.
A representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Regina Coeli, confirmou que o PBA prevê que todas as pessoas afetadas pelo empreendimento devem ser compensadas de maneira a ter moradia igual ou melhor ao que tinham antes da usina. Todos os compromissos assumidos pelas autoridades presentes foram registrados em ata, assinada ao final da audiência pública.
Veja a íntegra dos compromissos assumidos.