Tania Pacheco* – Combate Racismo Ambiental
O desembargador federal Kássio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, aceitou as alegações da Funai de que está cumprindo seu Plano Plurianual 2012-2015, demarcando Terras Indígenas nas regiões Centro-Sul, Sudeste e Nordeste (resta saber em qual país) e suspendeu liminar concedida pela Justiça Federal no Pará, favorável aos Munduruku da Terra Indígena Sawré Muybu.
O juiz Rafael Leite Paulo havia acatado as ponderações do Ministério Público Federal e dado prazo de 15 dias para que a direção da Funai aprovasse ou não o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da T.I., que descansa na mesa de sua presidência desde setembro de 2013. Caso aprovado, a Funai teria outros 15 dias para publicá-lo no Diário Oficial da União e do Pará, com o respectivo memorial descritivo e mapa da área.
O desembargador Kássio Nunes Marques entendeu, entretanto, que, embora o processo de demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu tenha começado em 2001 e esteja pronto para aprovação há mais de um ano [repito], não há “manifesto propósito protelatório ou infundada omissão atribuíveis à FUNAI”. Para ele, a procrastinação é explicável considerando-se a “inegável complexidade da questão”. E ele esclarece sua posição:
“… se os problemas de conflitos narrados na peça vestibular são decorrentes da incerteza provocada pela inexistência da demarcação, por outro lado, a indicação da delimitação, de forma açodada, sem que carreada da estrutura necessária para a garantia imediata destes limites, o que exige orçamento para pagamento de indenizações, desapropriação para assentamos e uma série de providências que seriam exigidas imediatamente após a divulgação da delimitação, pode provocar maiores conflitos na região”.
Abaixo, publico a íntegra da decisão do desembargador do TRF, seguida de reprodução da decisão de Primeira Instância, proferida pelo juiz Rafael Leite Paulo.
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AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0064080-17.2014.4.01.0000/PA
Processo Orig.: 0001258-05.2014.4.01.3908
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES
AGRAVANTE : FUNDACAO NACIONAL DO INDIO – FUNAI
PROCURADOR : ADRIANA MAIA VENTURINI
PROCURADOR : LUIZ FERNANDO VILLARES E SILVA
AGRAVADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR : LUIS DE CAMOES LIMA BOAVENTURA
DECISÃO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) em face de decisão proferida pelo MM. Juízo da Subseção Judiciária de Itaituba/PA que, em autos de ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, deferiu parcialmente o pedido liminar para determinar que a Autarquia Indígena se manifestasse acerca da aprovação ou não do relatório circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Sawré Muybu, a ser realizado pelo Grupo Técnico, no prazo máximo de 15 (quinze) dias; e que, havendo a aprovação daquele relatório, que fizesse publicar, dentro dos mesmos 15 (quinze) dias, o resumo de seu teor no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da Unidade Federada, acompanhado de memorial descritivo e de mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada dia de atraso, bem como do bloqueio de valores pelo sistema BACENJUD, no caso de decorrido o prazo sem manifestação.
A Agravante alega, em síntese, a ausência dos requisitos necessários à antecipação da tutela e a patente irreversibilidade do provimento antecipado. Entende inexistir verossimilhança nas alegações do MPF pelos seguintes argumentos:
a) inocorrência de violação ao princípio da razoável duração do processo administrativo, por inexistir mora na regularização da terra indígena Sawré Muybu;
b) a determinação judicial implicará em violação ao Princípio da Separação dos Poderes estatais e em usurpação das funções do administrador, pois a implementação de políticas públicas não compete ao Poder Judiciário, estando presente a discricionariedade da Administração;
c) inexistência da fixação de prazos fatais ou peremptórios para a deflagração e a conclusão dos procedimentos demarcatórios.
Além disso, pugna pela redução do valor das astreintes e aduz a impossibilidade de bloqueio via BacenJud, dada a impenhorabilidade do bem público.
Requer liminarmente a aplicação do efeito suspensivo, por entender presentes a verossimilhança de suas alegações recursais e o perigo de dano irreparável com a manutenção da decisão combatida; e, no mérito, o provimento do recurso.
É o relatório. Decido.
Atento aos elementos probatórios que instruem o traslado e às argumentações desenvolvidas pela Agravante, reputo presentes os requisitos autorizadores do pretendido efeito suspensivo.
O processo de demarcação da terra indígena Sawré Muybu iniciara-se no ano de 2001, havendo sido o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) finalizado em 13/09/2013, pendente de aprovação pela Presidência da FUNAI, nos termos do Decreto 1.775/96.
Embora o feito venha perdurando por longos anos, não se verifica, nesse juízo perfunctório, manifesto propósito protelatório ou infundada omissão atribuíveis à FUNAI.
Há, de fato, demora na conclusão do referido procedimento, mas justificável que é pela inegável complexidade da questão (muitas vezes a exigir uma necessária interface com as políticas fundiárias e de ordenamento territorial, executadas inclusive por outros órgãos públicos federais e estaduais), aliada ao reconhecimento da escassez de recursos orçamentários e humanos de nossas instituições públicas, tal qual a referida Autarquia, que deve atender a demandas oriundas de todo o território nacional.
Note-se, ademais, que há um cronograma de atuação da FUNAI presente no Plano Plurianual – PPA 2012-2015, com definição de prioridades para a realização dos estudos de identificação para delimitação das terras indígenas presentes nas regiões Centro-Sul, Sudeste e Nordeste.
Embora o referido PPA 2012/2015 não haver contemplado a região da terra indígena Sawré Muybu, a elaboração do referido documento, num juízo de probabilidade, afasta a idéia de inércia estatal e indica razoável planejamento e execução das ações perpetuadas pela Autarquia, a qual, em atividade essencialmente discricionária, é quem possui os melhores critérios para eleger a prioridade de cada caso, circunstâncias essas que evidenciam ser indevida a atuação do Poder Judiciário na hipótese apontada dos autos, qual seja, a de omissão.
Na hipótese, a intervenção do Poder Judiciário se desloca do poder dever de agir diante de uma omissão da administração em efetivar direitos fundamentais para o campo da análise dos critérios pelos quais a administração elegeu prioridades, elencando e sistematizando seu calendário de atuação plurianual 2012/2015 sem a contemplação da conclusão da delimitação da terra indígena Sawré Muybu.
Ressalto que a análise destes critérios também não foge da esfera de competência do Poder Judiciário, acaso eivados de ilegalidade ou vício que tenham o condão de provocar dano irreparável ou de difícil reparação aos jurisdicionados. Todavia, o pedido de primeiro grau e as provas trazidas aos autos não possibilitam, neste momento processual, a confrontação da situação da terra indígena objeto da lide com as demais que constam do plano plurianual, para se aferir a possibilidade fática de inversão do planejamento delimitado para FUNAI.
A determinação judicial para o anúncio precário da demarcação pretendida, de forma isolada, ou seja, sem que contenha as medidas necessária para a sua efetiva e imediata implementação, a meu ver, acabaria por provocar maiores riscos do que o seu silêncio, diante da certeza da delimitação confrontada com a ausência de efetividade de sua implementação imediata.
Neste sentido, se os problemas de conflitos narrados na peça vestibular são decorrentes da incerteza provocada pela inexistência da demarcação, por outro lado, a indicação da delimitação, de forma açodada, sem que carreada da estrutura necessária para a garantia imediata destes limites, o que exige orçamento para pagamento de indenizações, desapropriação para assentamos e uma série de providências que seriam exigidas imediatamente após a divulgação da delimitação, pode provocar maiores conflitos na região.
Ademais, destaco que, apesar de necessária, a demarcação da referida terra indígena de Sawré Muybu, por si só, como foi determinada na decisão agravada, não solucionará os problemas e os conflitos ora vivenciados pelos seus habitantes, em que se têm notícias de invasões, conflitos, explorações ilegais de madeira, etc. Isso porque tais situações demandam ser combatidas por meio de ações de fiscalização e monitoramento territorial (as quais estão previstas naquele cronograma, vale dizer), sem prejuízo de medidas integradas dos órgãos competentes e das forças de segurança.
Ainda que assim não o fosse, o exíguo prazo assinalado pelo Juízo de primeiro grau para a conclusão do processo de demarcação e a sua publicação pode influir decisivamente na viabilidade e no sucesso dos trabalhos demarcatórios, devido às dificuldades cediças que ainda se enfrentará para a conclusão dos trabalhos.
A ponderação destes elementos leva a crer que a medida, como deferida pelo juízo de primeiro grau, não deve ser mantida, diante do risco de afetar gravemente os trabalhos demarcatórios a ponto de inviabilizá-los.
Tal o contexto, reputo que a pretensão atende aos requisitos do art. 558 do CPC, a autorizar a concessão, em face do seu caráter nitidamente acautelatório e, por isso, compatível com a tutela deduzida nesse recurso.
Por todo o exposto, defiro o pedido de efeito suspensivo, restando sobrestada, por conseguinte, a eficácia da decisão agravada, até o julgamento final do presente recurso ou até a prolação de sentença nos autos da ação principal – o que primeiro ocorrer.
Comunique-se, com urgência, via FAX, ao juízo monocrático, para fins de ciência e imediato cumprimento desta decisão (inciso III do art. 527 do Código de Processo Civil).
Ao MPF, para contraminuta (inciso V do art. 527 do CPC).
Após, dê-se visa ao MPF, na condição de fiscal da lei.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 7 de novembro de 2014.
DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES
Relator
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Decisão do Juiz Rafael Leite Paulo, da Justiça Federal no Pará
Informações enviadas para Combate Racismo Ambiental por Marquinho Mota.