Cyrela doou montante a desabrigados de uma favela que pegou fogo em abril. Famílias cadastradas pela prefeitura receberam R$ 2 mil; outras, migraram para um terreno próximo
Luís Adorno, Ponte Jornalismo
A construtora Cyrela desembolsou R$ 850 mil para “limpar” a antiga favela da Fazendinha, na Penha, zona leste de São Paulo, que sumiu depois de ter pegado fogo em 2 de abril deste ano. A empresa entrega no mês de dezembro um empreendimento de alto padrão que beirava a favela, na rua Aracati. Sobre os escombros, diversas famílias tentaram reerguer seus barracos nos dias seguintes ao incêndio. A construtora, porém, interveio para que a comunidade não se reconstruísse e, por meio de um cadastro feito pela Prefeitura de São Paulo e pela ONG MDF (Movimento em Defesa do Favelado – Região Episcopal Belém), doou às famílias R$ 2 mil.
Quase 7 meses depois do fogo se alastrar no local, muros de aproximadamente 4 metros de altura foram erguidos para cercar o terreno. Só restou uma torre de energia no centro da antiga Fazendinha, que ficava à beira do córrego Aricanduva. A maior parte das 650 famílias que alegavam morar lá se espalhou por outras favelas da cidade. Cerca de 100 famílias, que afirmam não ter recebido a verba da construtora apesar de terem se cadastrado para receber a ajuda, migraram para um terreno próximo por não terem onde morar.
O empreendimento “Way Penha” tem 400 apartamentos, de 2 e 3 dormitórios, com 53 e 66 metros quadrados respectivamente, divididos em 6 torres, num terreno de 19.716 metros quadrados. Com piscina, campo de futebol, bosque privativo, salão de festa, academia, sala de massagem, espaço gourmet, entre outros, o preço de cada unidade, para quem comprou antes da entrega, foi de aproximadamente R$ 323,8 mil. Segundo um corretor de imóveis de plantão, até abril, quando ainda existia a Fazendinha, apenas 10 unidades haviam sido vendidas. Agora, segundo ele, faltam 40. A Cyrela nega. E em nota diz que “toda e qualquer informação a respeito dos nossos empreendimentos são feitas através de nossos porta-vozes oficiais”.
Depois que o incêndio destruiu suas casas, os remanescentes da favela migraram para o outro lado do córrego Aricanduva. Primeiro, as famílias ficaram debaixo do viaduto Alberto Badra. Depois, foram para o terreno que ocupam até hoje. O local deve ser utilizado como área de interesse social a partir de 2017. Jair Dias, de 62 anos, que trabalha com reciclagem, é um desses desabrigados. “Fui um dos primeiros a incluir meu nome no cadastro que a prefeitura veio fazer. Deram R$ 2 mil para um monte de família. Para mim, nada. Por isso, continuo aqui”, afirmou.
Passado todo esse tempo, as causas do incêndio ainda são um mistério. Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), os desabrigados e os bombeiros que atenderam a ocorrência prestaram depoimento no 10º DP (Distrito Policial), na Penha, mas o laudo que apontaria a causa do fogo não saiu. Segundo o Corpo de Bombeiros, até o fim de julho deste ano, 50 incêndios em favela foram registrados na cidade.
“Estou na rua há 8 anos, desde que meu pai e minha mãe morreram. Eles eram muito pobres. Fiquei sem nada”, diz Anderson Silva, de 50 anos. “Parei de estudar no 4º ano do primário para ajudar meus pais. Hoje, sobrevivo de bicos. Tem dia que eu como, tem dia que não”, afirmou. Silva vive com um amigo que também perdeu a casa no incêndio da Fazendinha. Os dois reclamam de falta de assistência. “Desde que pegou fogo, não tenho aonde ir. A gente não quer saber se o incêndio foi criminoso ou não. Não vai mudar em nada a minha vida. Fico pensando que ainda bem que não tenho filho. Qual seria o futuro dele?”, questiona Anderson.
Cícera Oliveira, de 55 anos, está na rua há 7 anos com suas 4 filhas. “Saí de casa porque apanhava do meu marido. Acabei trocando seis por meia dúzia”, diz. As filhas estão matriculadas na escola, mas frequentemente faltam às aulas. “Primeiro a barriga. Depois, a cabeça”, afirma antes de acrescentar que as meninas ajudam na renda familiar fazendo trabalho de reciclagem.
A líder comunitária Maria das Graças, de 64 anos, diz que as famílias têm recebido apoio de igrejas e de pessoas que passam por lá e deixam alimentos e roupas. “Quando cercaram a favela, tiraram o nosso único ponto de água. Então, a gente só consegue tomar banho de mangueira em uma mecânica próxima”, relata.“Todos aqui trabalham. Mas pelas condições de vida, não conseguimos pagar aluguel nem na periferia”, conclui.
Outro lado
Em nota, a Cyrela confirma o pagamento. A empresa diz que há um termo de cooperação com a prefeitura e com a ONG MDF (Movimento em Defesa do Favelado – Região Episcopal Belém) para fornecer o dinheiro às famílias cadastradas pela administração municipal. “A comunidade estava em uma área de risco situada às margens do córrego Aricanduva, em um local com histórico de dois grandes incêndios. Diante deste cenário, entendemos que era importante contribuir com a segurança dos moradores locais”.
A construtora diz, ainda, que o acordo teve parecer favorável do MP (Ministério Público). A Promotoria nega. Diz que acompanhou o processo de assistência às famílias apenas até que ficasse acordado que 425 delas fossem inclusas no programa Minha Casa Minha Vida. As unidades habitacionais estão previstas para serem entregues a partir de 2017.
Questionada sobre o montante doado e sobre os R$ 2 mil concedidos às famílias, a prefeitura não se pronunciou. Em nota, afirmou que houve uma ação das secretarias municipais de Habitação, Assistência e Desenvolvimento Social e Coordenação das Subprefeituras para auxiliar os desabrigados e prestar atendimento emergencial às famílias.
“A Secretaria Municipal de Habitação realizou cadastro de 441 famílias. Elas foram incluídas na lista de cadastro da secretaria e vão aguardar unidades habitacionais definitivas a partir de 2017. A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social distribuiu 1.281 colchões, 321 cestas básicas e 257 kits de higiene aos desabrigados. Também ofereceu abrigo emergencial no clube da comunidade Unileste, localizado na rua Padre Lourenço, 780, mas nenhuma família aceitou”, diz a prefeitura.