O fora Dilma e a unidade de esquerda

“A mera chantagem de unificar a esquerda na defesa do governo Dilma para barrar a direita não vai funcionar. O que pode funcionar, no entanto, é uma aliança contingente em defesa do governo Dilma, diante de um futuro movimento não-caricato de impeachment. Mas pra que isso aconteça, é preciso primeiro que o governismo reconheça que os movimentos e coletivos não-alinhados têm suas formas singulares de expressão, e não se submetem necessariamente aos consensos, discursos e pautas (“reforma política”) do próprio governo”. O comentário é de Bruno Cava Rodrigues, publicado no Facebook: 

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Depois de uma eleição feita na base de campanhas de “desconstrução”, ódio e deboche, as caricaturas da direita saíram às ruas no sábado, chegando a 1,5 mil pessoas em São Paulo, com alguns cartazes pedindo a volta da ditadura. Com a família Bolsonaro e um Lobão histriônico, representa uma direita raivosa cuja única razão de existência é antagonizar com a esquerda do país. Fica a critério de cada um avaliar se elegê-los como inimigo preferencial é dar palanque para maluco e acaba retroalimentando o processo, já que pessoas como ConstantinosReinaldos e Felicianos simplesmente adoram ser “perseguidos” pela esquerda. Ou se é antagonismo fundamental.

Mas a operação também funciona do outro lado. Vem de longe a estratégia das redes e mídias governistas alertarem para o perigo golpista como tônica. O termo “PIG” surgiu assim. Durante as jornadas de 2013, essas mesmas mídias chamaram incansavelmente os manifestantes de coxinhas e manipulados, e nos protestos da Copa foram tachados de pessimildos e tucanos. A tendência é que qualquer crítica seja desqualificada como fazendo o jogo da direita, e qualquer mobilização fora da pauta da reforma política desejada pelo PT tachada de irresponsável. A pequena direita estridente é instrumental para reforçar a ideia que é preciso cerrar fileiras com o governo, mesmo que não haja “guinada à esquerda” à vista.

Assim como Bolsonaro se cacifa quando é antagonizado como inimigo principal, o governo pode se declarar esquerda sem passar pelo constrangimento de explicar que intervenções militares já estão ocorrendo em favelas cariocas, ou que pretende integrar as forças de segurança com as polícias para o monitoramento de movimentos e ativistas, ou então a febre barrageira contra direitos indígenas e meio ambiente. Existe um estranho mecanismo nessa mútua identificação de contrários, que faz com que um precise viver falando do outro. Como disse Nietzsche: “Quem vive de combater um inimigo luta para que ele não morra”.

O certo é que não existe conjuntura golpista nacional ou internacional. Se as redes e mídias governistas inundaram o noticiário dessa marcha no sábado, valorizando o palanque mais do que a grande mídia e o próprio PSDB, não foi apenas por instinto. Pressentem que virão anos difíceis com uma possível escalada da crise política e econômica, o que pode engrossar manifestações com uma composição mais abrangente e menos caricata — e não pelo golpe, mas pelo impeachment. Não seria novidade. Fui pras ruas na década de 90 com o “Fora Collor” e o “Fora FHC“, e no ano passado uma multidão gritou “Fora Cabral” no estado do RJ até que o governador teve de renunciar.

Apesar disso, considero lamentável, hoje, gritar “Fora Dilma“, especialmente se considerarmos que o vice é Michel Temer, do PMDB. O irônico, no entanto, é que as condições de organização e mobilização pra ir às ruas pioraram muito nos últimos 2 anos, em parte por culpa do próprio governo Dilma e das mídias governistas. Hoje é mais difícil defender o governo do que há dois anos, quando ainda éramos inocentes a ponto de ocupar as praças e ruas e protestar de peito aberto contra os esquemas mafiosos e milicianos da cidade.

A mera chantagem de unificar a esquerda na defesa do governo Dilma para barrar a direita não vai funcionar. O que pode funcionar, no entanto, é uma aliança contingente em defesa do governo Dilma, diante de um futuro movimento não-caricato de impeachment. Mas pra que isso aconteça, é preciso primeiro que o governismo reconheça que os movimentos e coletivos não-alinhados têm suas formas singulares de expressão, e não se submetem necessariamente aos consensos, discursos e pautas (“reforma política”) do próprio governo. Eles não gostam de ser chamados de coxinhas, golpistas e manipulados, e certamente detestam ser espionados, criminalizados, “pacificados”. Atendê-los nessas premissas seria um bom começo de conversa.

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