José Vicente* – Especial para o UOL
Uma das mais evidentes e persistentes faces da desigualdade social no Brasil poder ser medida pelo grau da participação dos negros nas variadas dimensões sociais do país.
A intensidade da presença desse grupo de brasileiros nos indicadores negativos dá várias mostras das distorções sociais econômicas ao longo do tempo, além de alimentar importantes debates e produzir diagnósticos categorizados sobre a permanência de um sentido, de um padrão de tratamento injusto e desigual em relação aos demais grupos sociais no Brasil.
A manutenção e a insistente repetição desses indicadores – a despeito das profundas transformações econômicas e sociais pelas quais o país tem passado nas últimas décadas, e que o alçaram à condição de uma das seis potências econômicas mundiais – não raras vezes tem sido entendida e apontada pelos debatedores e estudiosos dessa questão como expressão da discriminação e do racismo contra os negros e, especialmente, como uma das manifestações do racismo institucional como padrão de ação na condução desse tema, realizada, principalmente, por parte do Estado.
A educação brasileira, presa nas discrepâncias, distorções e incongruências socioeconômicas e políticas históricas de ineficiência, exclusão e elitismo sobejamente conhecidas, precisará indubitavelmente encontrar e criar meios e condições inovadoras para se alinhar com as necessidades de desenvolvimento e progresso do país, principalmente, diante das agruras, desafios, intercorrências e inexorabilidades da produção e consumo do atual mundo globalizado, montado nas exigências de competências, competitividade e síntese criativa.
A educação é, por assim dizer, um campo desafiador para produção de mecanismos e tecnologias inovadoras e funcionais que permitem dotar a sociedade brasileira de instrumentos eficientes, democráticos e republicanos, de aprendizado, socialização e de formação qualificada de quadros de recursos humanos para a gestão pública, social e corporativa.
No Brasil da atualidade, a educação superior tem sido um dos ambientes mais adiantados nos debates e produção do processo de criação e inovação em direção a esse objetivo, e sua mais evidente produção é a implantação e implementação das ações afirmativas.
As cotas para negros, os programas de pontuação acrescida nas universidades públicas federais e estaduais, os programas com definição de preferência para negros, como o Prouni e o Fies – financiamento estudantil nas universidades privadas têm produzido uma verdadeira revolução no acesso e qualificação de jovens negros no ensino superior.
Os programas de estimulo e obrigatoriedade de tratamento do tema diversidade racial nas grades curriculares da graduação, além dos programas de fomento e disponibilização de financiamento e subsídios à qualificação na pós-graduação no Brasil e exterior, são claras demonstrações acabadas dessa grande transformação e tem representado extraordinário avanço na definição de mecanismos sociais alternativos para promover inclusão, justiça e igualdade de oportunidades aos grupos historicamente desfavorecidos.
Os números falam por si. Se há quinze anos os negros representavam três por cento dos alunos no ensino superior, hoje alcançam algo em torno de quinze por cento. Nesse exato momento quase um milhão de jovens negros estão sendo formados no ensino superior.
Numa adaptação livre, poderíamos repetir: nunca antes na história do nosso país tantos estudantes negros chegaram e permaneceram nos bancos das universidades públicas e privadas do nosso país.
As ações afirmativas, dessa maneira, têm alcançado foros de ação de estado estruturante e equalizador, através da definição inovadora e vitoriosa de uma nova abordagem da forma e do modo de produção de políticas publicas para combater a desigualdade, além de ganhar status de política pública relevante.
Essas políticas são instrumentos de correção e superação das desigualdades educacionais entre negros e brancos no Brasil, bem como uma tecnologia altamente eficiente na promoção de inclusão e oportunidades a grupos excluídos em função da nossa renitente desigualdade.
A noviça política pública tem tido até aqui sucesso em responder as questões que por muito tempo ficaram sem resposta e ao largo do caminho. Venceram no campo do debate ideológico, consolidaram espaço na agenda política, ganharam prioridade na escolha das políticas públicas e alcançaram um forte e maciço apoio político e social a respeito de sua razoabilidade, oportunidade e equidade.
Todavia, é impossível pensar a viabilização do acesso e da inclusão e o esforço da qualificação sem pensar na contrapartida da oportunidade regular e democrática no mercado de trabalho.
E nesse campo ainda há uma grande luta a ser realizada, visto que os negros são invisíveis nos quadros de comandos e intermediários e recebem salários até 40% menor que os demais brasileiros, mesmo nas empresas que advogam e ostentam os troféus da melhor empresa para trabalhar e prêmio nacional e internacional de responsabilidade social e de sustentabilidade.
Antes, o discurso da falta de negro qualificado e agora, o que há?
A universidade, no seu sentido lato e em todos seus significados, tem sido o espaço e o ambiente em que, de forma mais intensa e definitiva, tem sido sentida e produzida a repercussão das mais variadas inflexões por conta da chegada em massa dos negros no ensino superior.
O ensino superior tem produzido soluções e as universidades, no geral, têm entregado sua cota de contribuição, dando um passo gigantesco no sentido da inclusão. Agora, com a palavra, o mercado de trabalho e o ambiente corporativo.
*Doutor em educação, mestre em administração de empresas e reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.