Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Durante dois anos, o idoso Guarani Mário Karai Tataendy foi mantido em regime fechado na Penitenciária de Paraguaçu Paulista, condenado a 12 anos sem que em qualquer momento do processo sua condição de indígena (assim como a das testemunhas envolvidas no caso) fosse respeitada, levada em consideração ou sequer mencionada. Durante dois anos, ele foi definhando, a 750 quilômetros de sua aldeia, sem a presença da Funai e sem que seus familiares tivessem condição de visitá-lo com a necessária frequência. Durante dois anos, seu estado foi evoluindo da negativa de comer alimentos que iam contra suas crenças à anemia, à diabetes, à falência renal, à septicemia, ao óbito.
Durante meses, sua família procurou alertar as autoridades – leia-se a Funai e a Procuradoria da República Especializada – buscando, primeiro, transferi-lo para perto da aldeia; depois, conseguir ajuda para sua saúde cada vez mais frágil. Durante duas semanas, o Ministério Público Federal em São Paulo, através do Procurador da República André Lopes Lasmar e, mais diretamente, da perita/analista antropóloga Deborah Stucchi, lutou contra a omissão e o desinteresse por parte de servidores lotados em órgãos públicos. Durante quatro dias, ouviram da direção da CASAI-SP, criada exatamente para cuidar da saúde indígena, desculpas e exigências descabidas, procrastinando a remoção e o tratamento até a situação se tornar irreversível.
Ao final, perderam Mário Karai e todos que queriam garantir seu direito à vida. Até agora.
Ontem publicamos uma notícia a respeito: MPF vai apurar omissão de órgãos federais após morte de idoso Guarani em hospital de São Paulo. A história de como isso ocorreu é, entretanto, tão abjeta e revoltante, que merece ser denunciada. É o que faço a seguir, deixando de lado as circunstâncias do processo e centrando o relato mais nas duas últimas semanas de Mário Karai, da entrada em cena do MPF até a devolução de seu corpo aos Guarani, para ser enterrado no cemitério da Terra Indígena Rio Silveira, em Bertioga. Para isso serão utilizadas informações contidas em documento público: o Parecer escrito pela perita Deborah Stucchi (identificada neste texto com a Assessora) para o Ministério Público. (mais…)