Por Ana Rogéria – Rede Jubileu Sul Brasil
Todos os anos, no dia 7 de Setembro, milhares de pessoas vão às ruas em todo o país. Não, não é apenas o Dia da Independência e os já tão cansados desfiles militares que estão no calendário do povo brasileiro. Há 20 anos surgia a primeira edição do Grito dos Excluídos, um momento-espaço-manifestação para denunciar as demandas da população que sofre por conta de tantas exclusões sociais.
Desde então o Grito é um espaço que propõe reflexão e discussão sobre os principais problemas enfrentados no Brasil. Da discussão e reflexão o caminho é a rua. E é nas ruas que a população ganha força e deixa claro a que veio, através de vários temas.
A rede Jubileu Sul Brasil conversou com a equipe da secretaria nacional sobre a trajetória do Grito. Participaram dessa entrevista Karina da Silva, Ari José Alberti e Rosilene Wansetto.
Como está a articulação para o 20º Grito Nacional dos/das Excluídos/as? Pode falar um pouco como andam os preparativos?
O Grito dos Excluídos é uma manifestação popular carregada de simbolismo, é um espaço de animação e profecia, sempre aberto e plural de pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas dos excluídos.
O Grito dos Excluídos, como indica a própria expressão, constitui-se numa mobilização com três sentidos principais: denunciar o modelo político e econômico que, ao mesmo tempo, concentra riqueza e renda e condena milhões de pessoas à exclusão social; tornar público, nas ruas e praças, o rosto desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome; propor caminhos alternativos ao modelo econômico neoliberal, de forma a desenvolver uma política de inclusão social, com a participação ampla de todos os cidadãos.
A articulação da 20ª edição do Grito está muito animada, e como o grito é um processo, a partir do Encontro Nacional de Articuladores do Grito, a turma nos Estados vai se organizando, com seminários, celebrações, feiras de economia solidária, atividades nas escolas públicas, articulações de lutas locais, realizando pré Gritos como meio de fortalecer a articulação e as atividades na Semana da Pátria que começa a partir de 01 a 07/09. Muitos lugares estão trabalhando juntos as temáticas do Grito, Plebiscito por uma Constituinte Exclusiva e abaixo assinado da Coalisão. As notícias estão chegando, são inúmeras as cidades e locais que o Grito irá se realizar, ainda não temos dados concretos de quantas, mas partindo de dados do ano anterior que foram mais de mil locais, a expectativa para este ano segue nesta mesma linha. Temos notícias de que o Grito está sendo organizado em quase todos os estados, exceto Acre e Tocantins.
Nos próximos dias além da Semana da Pátria que passa a dar uma esquentada no processo do Grito nesta reta final, ocorrem as coletivas de divulgação. Em São Paulo, como parte do processo nacional ocorre no dia 02 de setembro as 14h00 a Coletiva Nacional de Imprensa com a presença de diversas organizações que são membros da coordenação nacional.
Estamos no vigésimo Grito. Esta edição acontece em ano de Copa, de eleição e ainda sob os efeitos das manifestações de julho de 2013. Que papel tem o Grito nesse contexto?
O Grito tem papel fundamental de convocar as pessoas a serem protagonistas e debaterem, refletirem sobre a realidade de exclusão, e faz isso há 20 anos. Desde o ano passado no calor das manifestações que marcaram um novo tempo, o Grito tem se preocupado e debatido essa realidade de exclusão de modo ainda mais amplo, as ruas em julho de 2013 gritaram e chamaram a atenção para a ausência de políticas publicas.
Contudo a realidade de hoje exige de nós ainda mais. Vivemos um momento onde a legislação foi modificada e o direito de ocupar ruas e praças foi violentamente combatido pelas forças do Estado. Por isso, nos solidarizamos com os manifestantes que desde 2013 estão nas ruas denunciando o não legado da Copa, chamando a atenção sobre os direitos que poderiam receber os recursos que foram para o ralo da Copa. O Grito se soma às centenas e milhares de manifestantes que foram reprimidos nas ruas de nosso país por estarem exigindo melhores condições de vida, como saúde, educação, transporte, moradia. O lema do Grito deste ano vem para fortalecer o apelo da população que saiu às ruas e exigiu inclusive o direito de livre manifestação. Vamos ocupar ruas e praças por liberdade e direitos, esse é o grito, não podemos nos calar diante da supressão de um direito também fundamental, que é o da livre manifestação.
No que se refere às eleições, vivemos essa realidade a cada dois anos. O Grito já criou critérios e princípios que mesmo os candidatos ‘oportunistas” de plantão não conseguem usá-lo em seu beneficio. O Grito tem sua cara, seu modo de organização, autônomo, e temos convivido com a realidade eleitoral de modo autônomo e sadio, sem um espaço confundir-se com outro.
Como se relaciona os temas do Grito com a Campanha Fraternidade?
A proposta do Grito surgiu no Brasil no ano de 1994 e o 1º Grito dos Excluídos foi realizado em setembro de 1995, com o objetivo de aprofundar o tema da Campanha da Fraternidade do mesmo ano, que tinha como lema “Eras tu, Senhor?”, e responder aos desafios levantados na 2ª Semana Social Brasileira, cujo tema era “Brasil, alternativas e protagonistas”. Em 1999 o Grito rompeu fronteiras e estendeu-se para as Américas.
Desde então o Grito sempre procura através dos eixos ou do lema dar continuidade à reflexão proposta na Campanha da Fraternidade. Neste ano o tema da CF denunciou o tráfico humano e a exploração e trabalho escravo. Estes aspectos foram apresentados no material do Grito como parte da necessidade de o Estado responder com políticas públicas que possam combater essas mazelas da sociedade. O tráfico de pessoas é um crime e viola o direito e a liberdade.
“Ocupar Ruas e Praças por liberdade e direitos”. O tema deste ano aborda vários eixos. Pode falar um pouco sobre isso, de como se deu a escolha desses eixos?
O Grito procura a partir de um olhar atento sobre a realidade pensar quais eixos traduziriam de forma mais efetiva a defesa de direitos tão importantes para os verdadeiros protagonistas do Grito, os excluídos, e fazer a denúncia sobre as violações destes direitos.
Então para este ano foram elencados alguns eixos, tais como:
– Mundo do Trabalho para apresentar a realidade vivida pela juventude, em especial, desemprega ou subempregada ou vivendo da informalidade ou do trabalho precário e terceirizado. Outro agravante é o desemprego, 3,7 milhões de jovens brasileiros/as estão sem trabalho, o que representa 47% do número total de desempregados no país. Muitos jovens vivem a realidade do subemprego, realizando biscates e sem nenhuma seguridade. O Grito através deste eixo procura denunciar a exploração do trabalho.
– Juventude e a Exclusão denuncia a realidade de profunda exclusão social, sem nenhum acesso, ou acesso precário, aos bens culturais, sociais e condições para uma vida digna. Além do que, muitas vezes, são vítimas da prostituição, do assédio do tráfico de drogas ou vítimas do uso abusivo dessas drogas, o que ocasiona as rupturas dos vínculos comunitários e a rua surge como saída para a sobrevivência.
– Comunicação, queremos denunciar os meios de comunicação de massa que vêm, ao longo da história, utilizando as mídias como instrumento de poder, alienação e manipulação da juventude e da sociedade. As mídias alternativas apresentam-se como uma forma de democratizar as informações, articular, mobilizar e impulsionar a organização coletiva em prol de objetivos comuns. Queremos anunciar que outra forma de comunicação é possível.
– Políticas Públicas. O Grito desafia toda a sociedade a debater sobre políticas públicas para a juventude com os movimentos sociais e poder público, para que de fato as políticas públicas sejam implementadas e monitoradas, visando uma sociedade mais justa e igualitária.
– Extermínio da Juventude: A juventude está sofrendo com a violência e o extermínio no Brasil. Os/as jovens de 15 a 24 anos são as principais vítimas de morte, estendendo-se, de forma significativa, até os 29 anos de idade. O Grito dos/as Excluídos/as clama por paz e justiça, contra qualquer tipo de extermínio, seja físico ou mental, que atinja nossa juventude e convida a todos/as a somar-se às lutas que já vêm acontecendo.
– Juventude e Projeto Popular para o Brasil. Os jovens do campo, das periferias e favelas, das escolas e universidades, são constantemente disputados pelo projeto capitalista. É em contraposição a este projeto que os jovens devem se lançar, no desafio da construção do Projeto Popular.
– Povos Indígenas/Tradicionais. O modelo de desenvolvimento desenfreado vem recheado de imposições na execução de seus projetos. No Brasil, o avanço da ocupação amazônica coloca em risco a delimitação de terras indígenas e quilombolas, pois existem interesses de indústrias de extrativismo e do próprio Estado com as novas políticas energéticas. Ainda, a promoção de grandes eventos internacionais vem servindo de justificativa para promover uma série de violações contra a população, como desapropriações de comunidades tradicionais – quilombolas e indígenas – projetos que tendem a somente enriquecer empreiteiras, conglomerados de comunicação e outras grandes corporações. Queremos mudanças profundas! Como a demarcação de terra e autonomia desses povos historicamente vítimas de exclusão, extermínio e escravidão. Para isso destacamos o protagonismo assumido pelos povos indígenas, que lutam pelo reconhecimento de seus territórios e denunciam as agressões e mortes que vêm sofrendo. Esse também é nosso grito!
– Violência contra a Mulher. O número de mulheres violentadas cresce a cada ano: a cada 15 segundos uma mulher é vítima de violência no Brasil. Isso se dá pela grande desigualdade entre homens e mulheres. No mundo do trabalho, as mulheres que estão nos espaços de poder e decisão ainda são poucas, sem falar do salário, que embora exerçam a mesma função do homem, continua sendo 28% inferior ao deles. Grande parte das mulheres, especificamente 70% são ou já foram violentadas por homens e muitas vezes esta agressão parte do próprio companheiro. Como desafio, temos que nos apropriar da Lei Maria da Penha. O Grito impulsiona a discussão do papel do homem e da mulher, para que possamos combater este mal pela raiz.
Que balanço se pode fazer desses 20 anos de plena atuação, sempre levando temas importantes para a população?
Sem dúvida o Grito marca seu caminho e se estabelece como processo, inclusive mudando a cara da semana da Pátria com seus desfiles militares. Ao contrário, vemos povo na rua, manifestando e gritando por direitos. Prova disso tem sido a trajetória das mobilizações populares relacionadas ao Grito dos Excluídos ao longo de suas repetidas edições, desde 1995. Quanto ao primeiro ingrediente, é amplamente conhecido e notório o mal-estar crescente da população com o aprofundamento da crise do sistema capitalista, de filosofia neoliberal, particularmente a partir do início da década de 1970.
O descontentamento generalizado se manifesta, de início, com a força viva e simbólica das Comunidades Eclesiais de Base e da Teologia da Libertação, com o surgimento dos movimentos e pastorais sociais, com as manifestações estudantis e o sindicalismo combativo, com a abertura democrática no início da década de 1980, além de outras organizações de base… Mais tarde, o sonho de mudança volta à carga nos debates amplos e plurais das Semanas Sociais Brasileiras (SSBs), dos plebiscitos e assembleias populares, da Campanha Jubileu Sul e em tantas outras iniciativas do gênero. Não é à toa que, justamente em meados da década de 1990, nasce o Grito dos Excluídos tendo como espinha dorsal o tema da Vida em primeiro lugar.
O segundo ingrediente dispensaria maiores comentários, se não fizesse parte do lema que deverá orientar a 20ª edição do Grito dos Excluídos, em 2014: “Ocupar as ruas e praças por liberdade e direitos”. O ano de 2013 prodigalizou um vasto mosaico de manifestações populares em todo o território nacional, as quais retornam com insistência no curso deste ano. Apresenta-se com energia juvenil e veemência profética a exigência do “padrão Fifa” não só para estádios, infraestrutura e eventos da Copa do Mundo ou das Olimpíadas, mas sobretudo para os direitos básicos da população de baixa renda: terra e trabalho, educação e saúde, transporte e segurança, alimentação de qualidade, entre outros. Direitos que se traduzem em condições reais de existência digna e de liberdade.
Por fim, o terceiro ingrediente das mudanças sociais reconhece o oxigênio primaveril dos jovens como fator preponderante, sangue novo num organismo social e político carente de uma verdadeira transfusão de valores novos e renovados. Assim, o lema da precedente edição do Grito – Juventude que ousa lutar constrói o projeto popular – mantém-se de pé no processo de preparação do Grito deste ano.
Resumindo, mal-estar social, juventude crítica e ativa e ocupação de ruas e praças, quando conscientes, reunidos e organizados, constituem três temperos de uma mistura explosivamente positiva na construção de um projeto popular para o país – na linha dos debates da 5ª SSB. Parafraseando o clima de expectativa em vista da Copa do Mundo, não basta assistir das arquibancadas o desenrolar do jogo: é necessário entrar em campo – “ocupar as ruas e praças” – e participar de forma patrioticamente ativa nas decisões sobre um futuro justo, solidário, sustentável e fraterno.