Boulos: o porquê da Reforma Política

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É cômodo condenar corrupção ou mesmo dizer que políticos “não nos representam”. Porém, para construir democracia real exige-se um passo a mais

Por Guilherme Boulos – Outras Palavras

Se há um tema que não sai da pauta nacional é a corrupção. Escândalos se sucedem e bodes expiatórios são criados um após outro para acalmar os ânimos. A mídia denuncia, o público pede cabeças e vez ou outra alguma vai para a guilhotina. Nesse circo contínuo se alimenta a descrença do povo na política institucional.

Descrença, é verdade, que tem bases legítimas na história e no caráter do Estado brasileiro. Mas o viés que tem assumido leva a caminhos perigosos. “Militares no poder!”, “Varre vassourinha!”, “Vamos acabar com essa desordem!”. O discurso que tem se fortalecido é o da direita. Não se pode nunca esquecer que a Marcha da Família com Deus, que preparou o golpe militar de 64, tinha o combate à corrupção como lema.

Isso porque a roda das denúncias midiáticas gira em falso. A corrupção é mostrada no varejo, mas pouco se fala do atacado. A estrutura carcomida do sistema político brasileiro não entra em questão. Acreditar que o vereador ou o deputado que recebe propina é o grande agente da corrupção beira o ridículo. São apenas os varejistas, atores coadjuvantes do processo.

É a mesma lógica de atribuir o problema do narcotráfico ao “aviãozinho” da boca de fumo. O saldo e o mando do negócio milionário das drogas estão bem longe dali. O vereador corrupto é nada mais que o “aviãozinho” do sistema político. Obviamente não é nenhum coitado e merece ser enxotado da vida pública.

Mas a corrupção no atacado é o verdadeiro problema. Estamos falando da apropriação do Estado pelos interesses de uma elite patrimonialista. A captura dos recursos públicos está aí. A burguesia brasileira pede um Estado mínimo e enxuto para o povo, mas desde sempre teve para si um Estado máximo. Privatizar os lucros e socializar o prejuízo, esta é sua diretriz.

Hoje a principal demonstração dessa captura do Estado é o financiamento privado de campanhas eleitorais. É o genuíno berço da corrupção no Brasil.

O mecanismo é simples e vicioso: uma grande empresa, com interesses em algum filão do Estado, financia as campanhas eleitorais dos principais candidatos. O vencedor, por ter sido financiado e desejando novo financiamento dali a 4 anos, favorece os interesses da empresa. Esta, por sua vez, renova suas “doações” nas eleições seguintes. E assim caminha a vida política brasileira.

Os benefícios que a empresa financiadora pode ter são variados. Favorecimento em licitações, aportes complementares que viabilizem o superfaturamento de obras públicas, rolagem de dívidas milionárias com o Estado ou os bancos públicos, etc. Tem negócio para todos os gostos.

Não à toa que os principais “doadores” de campanha eleitoral no país são as empreiteiras, que também são o setor mais acionado para obras públicas.

Recentemente o UOL publicou um levantamento que mostra que dos 10 maiores financiadores privados de campanha, 7 estão sendo investigados por corrupção. E aí é no atacado: as cifras são de dezenas ou centenas de milhões, quando não de bilhões de reais.

Vamos dar nome aos bois. A Camargo Correia, líder no financiamento eleitoral em 2010, é investigada por desvios de R$29 milhões na Refinaria de Abreu e Lima. Nesta mesma obra, a Galvão Engenharia é investigada pela bagatela de R$70 milhões. A Andrade Gutierrez, vice-líder em 2010, é alvo do TCU por superfaturamento de R$ 86 milhões na Arena Amazônia, além de ser investigada pela participação no cartel fraudulento das licitações do metrô de São Paulo. A JBS Friboi, maior frigorífico do mundo, é objeto de inquérito por fraude em precatórios que pode chegar a R$3,5 bilhões.

O conluio entre grandes empresas, partidos e candidatos é o maior câncer da política brasileira. O legítimo pai da corrupção. No Congresso Nacional este jogo de interesses é escancarado. Dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) mostram que quase 50% dos deputados eleitos em 2010 compõem a chamada bancada empresarial.

É por isso que o Brasil precisa urgentemente de uma Reforma Política. Ficar no sofá ou nas redes sociais reclamando da corrupção pode até ter serventia psicológica para quem o faz, mas não tem qualquer conseqüência prática.

Defender uma Reforma Política ampla pautada no fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, na revogabilidade dos mandatos e no fortalecimento dos mecanismos de participação popular é apenas dar coerência ao repúdio à corrupção e aos corruptos na política brasileira.

Na próxima semana, de 1 a 7 de setembro, será realizado em várias partes do país um Plebiscito Popular por uma Constituinte do sistema político, organizado por dezenas de entidades sociais. O objetivo é ampliar o debate popular entorno do tema da Reforma Política.

As soluções só podem vir de iniciativas populares. Afinal, não se pode esperar que o Congresso Nacional, verdadeiro balcão de negócios de interesses privados, faça ele próprio uma Reforma Política que liquide com seus privilégios patrimonialistas.

Comments (2)

  1. Meu nome é Monsyerrá Batista, sou de Minas, lider comunitário, ecologista, artista e guia de ecoturismo da região da SERRA DO CIPÓ. Estou tendo contato pela primeira vez com sua página Sr. Guilherme Boulos e fico surpreso por perceber em seu texto um raio x perfeito das aflições e descasos institucionais financiados por segmentos elitistas e somados ao que chamo “colonização da classe média burguesa”, tomaram as rédeas das cadeiras políticas dos municípios de potencial turístico, hídricos e minerais com pouca estrutura de fiscalização ambiental e se estabelecem, formando verdadeiros carteis “empresariais” dentro do sistema municipal, onde passam a perseguir e até matar, lideranças populares que denunciam seus esquemas. As consequências são devastadoras pra comunidade invadida e oprimida em todas as suas esperanças pelas próprias instituições que a deveriam servir. A impunidade é garantida e os verdadeiros “chefões da quadrilha”, são poderosos e influentes da elite empresarial industrial de ramos como mineração, celulose, empreiteiras, grupos de comunicação, ruralistas etc. Os corruptores tem campo fértil neste ambiente, e a corrupção e a promiscuidade operada por esta burguesia embusteira, gananciosa, invasiva e as autarquias locais, mantém o povo sob controle, punindo e perseguindo pelas mãos da polícia, quem grita contra o esquema. Na base não há muito o que fazer pra mudar isto, cai um fantoche, chega mais 10. Como você sabiamente colocou, as soluções só virão através de uma profunda reforma política no Congresso Nacional. Mas isto é algo que ativista de monitor, não fará nunca. Eu que sonhava com um pais mais justo e soberano… já nem durmo mais. Pelo menos, vejo que ainda existe gente acordada, além das lideranças perseguidas e angustiadas, neste imenso teatro de vampiros oficiais.

    Pax Vosbiscumm

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