Os proprietários do empreendimento ainda terão de pagar multa superior a R$ 1,5 milhão porque descumpriram liminar que proibia a continuidade das obras
Uberaba. O Ministério Público Federal (MPF) obteve uma decisão judicial que determinou a demolição de cerca de metade de um condomínio náutico denominado Loteamento Píer, instalado às margens do Rio Grande, no município de Delta, no Triângulo Mineiro.
Casas, ruas, muros de arrimo, áreas de lazer e demais benfeitorias que estiverem irregulares deverão ser totalmente demolidas, com limpeza e retirada posterior do entulho resultante da demolição. Em seguida, a empresa proprietária do condomínio, J. Júnior Imobiliária Ltda, deverá promover a reconstituição das condições ambientais originais, por meio de um Plano de Recuperação de Área Degradada aprovado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
A sentença foi proferida pela 4ª Vara Federal de Uberaba na Ação Civil Pública nº 2002.38.02.002438-8 ajuizada pelo Ministério Público Federal há 14 anos.
Na ação, o MPF pedia a demolição das construções erguidas em área de preservação permanente, que naquela época já se encontrava impactada por graves danos ambientais: houve derrubada de árvores nativas, além da raspagem da vegetação rasteira tipo gramínea para colocação de cascalho.
Em 2002, o condomínio, que ainda se chamava Chácara dos Lagos, estava em fase inicial de implantação às margens do Rio Grande. O juízo da 2ª Vara Federal de Uberaba, onde tramitava ação, ao recebê-la, no mesmo dia, 19/09/2002, concedeu liminar determinando que a proprietária do empreendimento se abstivesse de efetuar novas construções, proibindo-a também de suprimir qualquer tipo de vegetação no local.
Essa decisão, embora contestada pela ré perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), foi mantida por todos os anos seguintes. Mas a empresa não só a ignorou, como prosseguiu com as construções e até comercializou os imóveis.
Por isso, ao prolatar a sentença no último dia 30 de maio, o juízo da 4ª Vara Federal de Uberaba aplicou a multa prevista na decisão liminar, que tinha sido fixada em mil reais por dia em caso de seu descumprimento. A multa deverá ser calculada do dia 30/11/2009, data em que ficou comprovada a continuidade das obras, até 30/05/2014, devendo ultrapassar os um milhão e meio de reais.
Responsabilidade objetiva
A verdade é que, após os inúmeros laudos periciais produzidos ao longo de mais uma década, conforme a sentença também destacou, nem a própria ré questiona ou conseguiu apresentar provas contra a ocorrência dos danos ambientais, considerados pelos especialistas, “de proporções consideráveis” e “alguns irreversíveis”.
“Dentro da APP e da área de Segurança da Cota Máxima de Inundação foram construídos campo de futebol , que hoje está desativado, piscina que também se encontra desativada e aterrada, quiosques com mesas e bancos à beira do rio para realização de churrascos e piqueniques, decks flutuantes que estão instalados à beira do espelho dágua para pescas, rampa de cimento para descida de barcos náuticos, etc.”, descreveu um dos peritos.
Para o procurador da República Thales Messias Pires Cardoso, “trata-se de mais um caso em que as pessoas adquirem terrenos em área proibida, e, em total desrespeito às leis ambientais, erguem suas construções e fazem benfeitorias, mesmo cientes de que estão sob o risco de perder o que investiram. Neste caso, tem-se ainda o agravante da desobediência a uma ordem judicial que proibia novas obras”.
Ele relata que, geralmente, os construtores alegam que a implantação do loteamento seria regular, porque contariam com licença ou alvará da prefeitura municipal. “Acontece que as disposições das leis federais prevalecem sobre meras licenças municipais. Além disso, outra alegação, de que se trataria de imóvel urbano, também não procede. A área em questão é rural, e nessa condição, os imóveis não poderiam ter sido construídos a menos de 100 metros das margens do rio Grande. Apesar disso, cerca de metade do condomínio está situada na cota máxima de inundação, a uma distância em média de apenas 80 metros”.
Para o juízo da 4ª Vara Federal, realmente não procede alegação feita pela ré de que se trataria de área urbana, até porque, para se transformar uma área rural em urbana é preciso lei municipal, e essa lei não existe. Além disso, “restou plenamente configurada a ocorrência de danos ambientais, decorrentes da construção em área de preservação permanente, com supressão da vegetação nativa”, e “a prova dos autos é uníssona” no sentido de que a pessoa jurídica proprietária da área contribuiu diretamente para a prática do dano ambiental.
Por sinal, a sentença chama atenção para o próprio slogan do empreendimento, que é “Condomínio Náutico Pier 2001 – A sua casa de campo às margens do Rio Grande”, para afirmar que “a própria publicidade veiculada pela ré demonstra a existência de edificação em área de preservação permanente (mata ciliar), a evidenciar os danos ambientais causados”.
Ainda segundo o juízo federal, “o dever de reparação se aplica a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a exploração da atividade causadora de degradação ambiental, possuindo, portanto, caráter solidário. Aliás, a obrigação de reparação de danos ao patrimônio histórico, cultural e ambiental é propter rem, ou seja, será responsabilizado pelos danos causados na propriedade seu proprietário atual, independentemente de ter sido ele ou não o real causador dos estragos, sem sequer se perquirir a respeito de culpa, haja vista tratar-se de responsabilidade de natureza objetiva”.
Danos coletivos
Outro pedido, feito pelo MPF e atendido pela Justiça Federal, foi a condenação da J. Júnior Imobiliária ao pagamento de indenização por danos materiais coletivos causados ao meio ambiente, na medida em que “não apenas a degradação da natureza deve ser objeto de reparação, mas também a privação do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida imposta à coletividade”.
Então, segundo o juízo federal, enquanto a natureza não for restituída ao estado anterior à construção do condomínio, como “toda a coletividade suportará as consequências da intervenção danosa no imóvel”, a ré terá de pagar indenização no valor de R$ 100 mil por danos materiais coletivos.
A sentença, proferida por um juízo de primeira instância, ainda não é uma decisão definitiva. Ou seja, cabe recurso à instância superior, que, no caso, é o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília-DF.
A expectativa do MPF, porém, é de que a decisão seja mantida. “A jurisprudência dos tribunais vem se firmando no sentido de punir os responsáveis por construções feitas em desobediência às leis ambientais. Já temos, inclusive, vários julgados do TRF-1 obrigando à demolição de intervenções em áreas de preservação permanente, e acreditamos que neste caso não será diferente”, afirma o procurador da República.