Desde 2011, Cherán, localizado no Estado de Michoacán, enfrenta com sabedoria indígena o avanço dos cartéis e do crime organizado
Federico Mastrogiovanni – Opera Mundi
Cherán não é uma comunidade comum no México. Formado em sua maioria por indígenas de etnia purépecha, localizado no Estado de Michoacán, o município se organizou em abril de 2011 para se defender de grupos de “talamontes” – dedicados ao corte clandestino de árvores e ligados a cartéis de drogas. A ação foi urgente, pois os bosques originários da região estavam sendo completamente destruídos.
Com reuniões tradicionais na rua ao redor das fogueiras, forma de organização típica dos purépecha, os habitantes de Cherán conseguiram reorganizar a Ronda Comunitária e expulsar não apenas os criminosos, mas também eliminar tanto o presidente municipal como os partidos políticos, instituindo um Conselho Maior.
O órgão é formado por 12 pessoas eleitas nos quatro bairros do povo, onde vivem cerca de 11 mil pessoas. Nem o Congresso local, nem o governo do Estado, quiseram reconhecer a autoridade indígena de Cherán, a qual até pouco tempo consideravam “rebelde”.
No entanto, em 26 de maio, por meio de uma resolução histórica, a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) reconheceu a autoridade da comunidade indígena de Cherán para eleger suas autoridades seguindo seus usos e costumes, como garantido pelo artigo 2 da Constituição mexicana.
“Acredito que os povos e comunidades indígenas podem se organizar de diferentes formas, uma delas sendo os municípios indígenas”, disse, durante a discussão, o ministro Arturo Zaldívar, um dos 9 – de 11 – que votaram a favor da decisão.
Em Cherán, o Conselho Maior funciona como a máxima autoridade indígena do município, onde a figura do presidente municipal já não garantia a correta gestão do poder. As rondas tradicionais sempre tinham sido parte da gestão da segurança nas comunidades Purépecha e, em Cherán, se transformaram em uma força de polícia que substituiu a polícia municipal, acusada pelos habitantes de corrupção e conluio com os grupos criminosos da região.
O exemplo de auto-organização é tão bem sucedido que inspirou todos os grupos de autodefesas e de polícias comunitárias que surgiram no Estado de Michoacán a partir de fevereiro de 2013.
Vitória parcial
Junto à luta armada, os moradores de Cherán fizeram um esforço legal para ver reconhecido seu direito à autodeterminação e ao autogoverno a partir de seus usos e costumes indígenas. Porém, de acordo com o advogado David Romer, membro do Conselho de Honra e Justiça de Cherán, o órgão comunitário que se encarrega da administração da justiça e é responsável pela Ronda Comunitária, ainda não é o momento para festejar.
“Não existe ainda uma postura do Conselho Maior a respeito”, explicou David em entrevista a Opera Mundi. “Mas é possível destacar alguns pontos-chave”, continuou. Um deles, segundo o membro da instituição indígena, é que finalmente “a SCJN reconhece o governo de Cherán como diferente, regido por nossos usos e costumes e no mesmo nível de qualquer outro governo municipal do México.”
Em 2012, o Congresso de Michoacán aprovou uma reforma constitucional do Estado que afetava as comunidades indígenas sem consultar seus representantes. Os deputados locais tinham argumentado a inexistência de uma autoridade formal na localidade para fazer uma consulta popular, não reconhecendo o Conselho Maior como autoridade legítima. Agora, o plenário da SCJN declarou inválidas essas reformas, impugnadas pelo município de Cherán.
A decisão da Suprema Corte reconhece que o município indígena de Cherán tem legitimidade para impugnar a reforma na Constituição estatal em matéria de povos indígenas promulgada em 2012. No entanto, a reforma feita na lei do Estado de Michoacán será invalidada apenas no caso de Cherán, mas não acontecerá o mesmo com os outros municípios afetados, uma vez que só Cherán se pronunciou a tempo sobre a controvérsia constitucional frente à SCJN.
“Isso quer dizer que não é automático que o que foi decidido a nosso favor vai representar um precedente para todas as comunidades indígenas do país”, destacou Romero. E, além disso, afirmou, “agora, o poder legislativo de Michoacán terá de ditar os prazos e a agenda para cumprir a determinação da SCJN, o que pode ser levar um tempo indefinido.”
Trata-se de uma vitória parcial para os povos indígenas do México que anseiam por uma autonomia que garanta e reconheça seu direito e sua organização tão válida como a do Estado mexicano.
Em sua autonomia, o Conselho Maior de Cherán se negou a implementar o Mando Único de Polícia [Comando Único Policial, em tradução livre] em Michoacán, um projeto promovido pelo comissário federal, Alfredo Castillo, por causa da violência dos últimos meses em Michoacán.
O município de Cherán se negou a substituir a Ronda Comunitária por uma polícia estatal. A segurança de seu município ficará nas mãos de sua própria polícia, porque o Conselho Indígena não aceita que estranhos entrem em sua comunidade para controlar sua segurança, que é um dos temas centrais das autoridades purépecha: “É uma questão de prioridades”, ressaltou Romero. “Os atores criminais em Michoacán estão se reposicionando e é fundamental manter a atenção alta na questão da segurança”.